Prepare-se: o chocolate tem menos cacau mas vai ficar cada vez mais caro

As mudanças climáticas estão provocando uma escassez de cacau na África Ocidental, o que está levando ao aumento nos preços

Créditos Natali Voitkevich/ Pexels/ Allison Ginadaio/ Getty Images

Daniella Lake 4 minutos de leitura

Nos últimos meses, você deve ter notado que suas barras de chocolate favoritas estão mais caras. Mas esse aumento está ligado a algo além da inflação. Em 2024, o preço dos grãos de cacau – ingrediente essencial do chocolate – mais que dobrou em relação a 2023.

Esse aumento não é apenas uma flutuação econômica; é um sinal claro dos impactos crescentes das mudanças climáticas no chocolate que consumimos.

De cada cinco quilos de cacau vendidos no mercado global, três vêm da África Ocidental. A produção brasileira é estimada em 200 mil toneladas, representando menos de 5% do total produzido no mundo, segundo a Organização Internacional do Cacau (ICCO).

A Costa do Marfim, sozinha é responsável, por cerca de 40% do cacau cultivado no mundo, enquanto Gana contribui com outros 14%. No entanto, essa região está cada vez mais vulnerável às mudanças nos padrões climáticos.

No ano passado, uma seca devastadora em Gana reduziu a produção de cacau em quase um terço, segundo a ICCO, que supervisiona 53 países produtores e consumidores do produto. Essa queda na produção causou uma escassez mundial de cacau, levando os preços às alturas.

A escassez ocorreu após chuvas intensas e inesperadas durante a estação seca de 2023, seguidas por um período de estiagem em 2024. O cientista climático Kiswendsida Guigma, do Centro Climático da Cruz Vermelha, afirma que esse é apenas um exemplo dos extremos climáticos que a África tem vivido nos últimos anos.

As Nações Unidas estimam que a seca de 2024 em Gana afetou mais de um milhão de pessoas, causando perdas agrícolas imensas e aumento recorde no preço dos alimentos.

Agricultores de cacau como Ebenezer Boateng sentiram os efeitos de perto. “Quando percebemos que as chuvas não estavam chegando como de costume, sabíamos que a colheita [de cacau] seria menor. Então, começamos a cultivar outras culturas, como o caju”, contou ele.

Produção de cacau em Gana (Crédito: Paul Ninson/ Bloomberg/ Getty Images)

A produção de cacau em Gana depende das chuvas, já que sistemas de irrigação são raros. No entanto, agricultores e cientistas alertam que chuvas intensas podem ser tão prejudiciais quanto a seca. “Essa combinação de eventos de chuva extrema e períodos prolongados de estiagem tem implicações sérias para a agricultura”, explica Guigma.

Secas severas e inundações são considerados extremos hidroclimáticos – eventos climáticos relacionados à água ou à falta dela – que têm se tornado mais frequentes. Guigma e outros cientistas do centro trabalham para prever as condições climáticas e na criação de planos para ajudar os países a se prepararem para eventos extremos.

“Se entendermos as causas [dos extremos climáticos], poderemos prever com mais precisão quando e com que intensidade eles ocorrerão”, afirma ele.

A produção brasileira representa menos de 5% do cacau produzido no mundo.

As mudanças climáticas também estão agravando doenças nas plantações de cacau, como o vírus do inchaço do cacaueiro, que causa graves danos às árvores. “É um vírus que vai consumindo lentamente a energia da árvore, fazendo com que ela produza cada vez menos vagens, até que morra”, explica Victoria Kichuk, sommelier de chocolate.

A doença é transmitida por insetos brancos e peludos chamados cochonilhas. Eles se reproduzem rapidamente em climas quentes e com baixa humidade, o que torna a seca ainda mais prejudicial para as plantas. Até agora, não há cura conhecida.

Apesar dos impactos na agricultura e nas condições de vida, Guigma ressalta que a busca por soluções para mitigar os efeitos das mudanças climáticas em países da África Ocidental, como Gana, ainda não é uma prioridade.

Colheita de cacau em Gana (Crédito: Paul Ninson/ Bloomberg/ Getty Images)

Para Boateng, um agricultor de cacau de segunda geração, está claro que as mudanças climáticas são apenas um dos fatores que tornam a indústria do cacau instável. A mineração ilegal de ouro, conhecida como “galamsey”, está invadindo as fazendas de cacau, destruindo as plantações e contaminando a água.

“Estamos sofrendo porque não temos água limpa nem para regar nossas mudas. A água está cheia de produtos químicos – cianeto e mercúrio”, desabafa Boateng, preocupado com o futuro de sua atividade. “Se nada for feito nos próximos anos, não sei como ficará [a indústria do cacau].”

O FUTURO DO CACAU

Grandes empresas como Hershey, Mars e Nestlé podem buscar cacau em outras regiões, como a América Latina, o que representaria uma grande mudança no mercado. No entanto, como a escassez em Gana continua afetando grande parte da indústria, os preços do cacau latino-americano também aumentaram em 2024.

Os fabricantes também estão experimentando a redução da porcentagem de cacau em seus produtos ou até mesmo substituindo-o por outros ingredientes. Parte desse movimento não se deve apenas à necessidade econômica de substituir o cacau devido à escassez, mas também às preocupações ambientais associadas ao cultivo tradicional do cacau.

A produção de cacau contribui para o desmatamento, pois grandes áreas de florestas tropicais são derrubadas para dar lugar a plantações, agravando as mudanças climáticas. Algumas empresas, como a Celleste Bio, estão testando a produção de cacau cultivado em laboratório, que é idêntico ao cacau tradicional, mas desenvolvido em um ambiente controlado.

Essa inovação permite que a produção ocorra em qualquer lugar do mundo, livre das flutuações do mercado e dos impactos ambientais associados ao cultivo convencional.


SOBRE A AUTORA

Daniella Lake é jornalista em Los Angeles. saiba mais