Consultores, fiquem espertos: a inteligência artificial vai invadir sua praia

As transformações da área de consultoria de gestão dão uma prévia das mudanças que a IA está provocando

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Lauri Pietinalho, T. Alexander Puutio e Matt Statler 5 minutos de leitura

A Singularidade Tecnológica o momento do futuro no qual a inteligência artificial vai superar a capacidade humana de cognição pode estar mais perto do que imaginamos. Hoje, em praticamente qualquer tarefa que exige cognição, a IA já consegue dominar (e, por vezes, superar) o que os humanos são capazes de fazer.

Para muitos analistas, o fato levanta uma pergunta ao mesmo tempo urgente e perturbadora: em um mundo onde a IA conseguirá gerar análises e informações em um piscar de olhos, o que restará para nós, humanos? 

Conforme começamos a investigar as implicações dessa questão na Escola de Negócios Stern, da Universidade de Nova York, tanto na pesquisa quanto na docência, o setor de consultoria de gestão mostrou-se um ponto de referência ideal para entendermos o que nos aguarda no futuro.

As transformações da área de consultoria de gestão dão uma prévia das mudanças que a IA está provocando e revelam como a economia se adaptará à nova realidade.

Nada disso envolve um cenário pós-apocalíptico ou uma narrativa de obsolescência do ser humano, ainda que não seja novidade que a IA já consegue realizar boa parte do que as “pessoas mais inteligentes do mundo” são capazes de fazer.

Na verdade, o que identificamos foi uma boa oportunidade de resgatar as tradições baseadas no trabalho criativo, para que voltemos a nos destacar naquilo que faz a espécie humana ser tão especial.

DISRUPÇÃO À VISTA

Perguntar a um consultor de gestão o que ele faz da vida pode render um bom meme, mas não há dúvidas de que é uma profissão que agrega valor aos seus clientes. De fato, considerando que o setor gerou uma receita de US$ 385,1 bilhões apenas nos EUA em 2023, fica claro que eles estão oferecendo algo em que muita gente está disposta a investir.

Do ponto de vista técnico, clientes recorrem a consultores de gestão para três coisas:

▪ Fornecer mais força de trabalho
▪ Trazer credibilidade a decisões e processos já em curso
▪ Oferecer insights inovadores e estratégicos que não podem ser obtidos internamente

As três funções correm o risco de desaparecer devido à tecnologia. O que observamos é que a evolução da IA na área de consultoria de gestão passa por três etapas distintas.

Na primeira, tanto os consultores quanto seus clientes começam a experimentar ferramentas de IA disponíveis online – como os grandes modelos de linguagem (LLMs, na sigla em inglês), o que inclui o ChatGPT e o Claude –, com o objetivo de fazer o que já fazem, só que mais rápido.

À medida que a IA invadie o território dos profissionais do conhecimento, ela revela o valor do trabalho administrativo.

Em seguida, a integração se aprofunda e o foco se desloca da realização de tarefas para a automação dos resultados. O processo de trabalho passa a se adaptar àquilo que a IA precisa para funcionar melhor quando trabalha em colaboração com um ser humano. Assim, os primeiros a adotar esse modelo vão se transformar em uma espécie de híbridos de humanos com IA.

Na fase final, os consultores e os clientes atuarão como um “sistema de agentes” formados por humanos e IA, que resolverão problemas em conjunto. Há empresas que já estão apostando tudo na criação de um modelo de negócios do futuro, centrado nos “agentes”, inclusive gigantes como a IBM, com o seu Watsonx Orchestrate.

Em breve, veremos soluções de IA específicas para o setor de consultoria de gestão. Este é o futuro agente de IA que aguarda todos os trabalhadores do conhecimento, em toda a sua glória supercarregada, automatizada e devastadoramente eficiente.

UM RETORNO AO QUE OS CLIENTES MAIS VALORIZAM

Nossa economia será impactada pela IA. As mudanças serão profundas, estruturais e duradouras, de uma forma que vai refletir e superar o que a globalização e a expansão do livre comércio realizaram. Ssó que, desta vez, em anos em vez de décadas.

No entanto, não prevemos um futuro no qual a IA deixe para os humanos apenas migalhas. Estamos confiantes em dizer isso porque enxergamos um futuro no qual os consultores de gestão continuarão desempenhando um papel fundamental, mesmo quando deixarem de ser as entidades mais “inteligentes” e cognitivamente capazes na sala.

Assim como os consultores de gestão fazem, a invasão da IA nos fará recorrer novamente aos princípios fundamentais dos negócios. Cada um desses princípios se baseia nas relações pessoais e na capacidade humana de criar, de ter empatia e de estabelecer conexões.

Crédito: Freepik

Mais do que tudo, eles se baseiam em um senso de consideração e estima que só os seres humanos são capazes de desenvolver ao trabalharem juntos. À medida que a IA começa a invadir o território dos chamados profissionais do conhecimento, ela revela o verdadeiro valor do trabalho administrativo.

O motivo que explica os altos valores cobrados pelos principais consultores de gestão pelo serviço que prestam não é o fato de que ninguém seria capaz de chegar às mesmas conclusões a que eles chegam.

Pelo contrário, acreditamos que o verdadeiro valor da consultoria de gestão sempre residiu no próprio ato e na própria experiência de aconselhar — a sofisticada dança de ideias, conceitos e os muitos caminhos possíveis que são construídos a partir da relação entre consultor e cliente.

Para usar jargões corporativos, a consultoria de gestão sempre teve mais a ver com engajamento e sucesso do cliente do que com as respostas em si.

enxergamos um futuro no qual os consultores de gestão continuarão desempenhando um papel fundamental.

É esta a verdadeira essência da consultoria. Enquanto a IA continuar sabendo tudo sem compreender nada, ainda haverá lugar para os humanos na área da consultoria. O mesmo vale para a maior parte das áreas do conhecimento, visto que a IA elimina o que há de mais banal nos trabalhos que nós todos realizamos.

Como dizemos aos nossos alunos, é esse processo íntimo de guiar os clientes através da incerteza que vai fazer a diferença na era das máquinas inteligentes.

Isso significa que os consultores também devem abraçar seu papel como guardiões éticos e estratégicos de maneira mais profunda do que fazem hoje. A verdadeira fronteira não está na Singularidade, mas na construção de relacionamentos de consultoria que incorporem julgamento, moralidade, ética e integridade de formas que a tecnologia não pode igualar.

O mesmo se aplica a todos aqueles cujo trabalho exige esforço cognitivo. Não vemos razão para temer ou evitar um futuro no qual possamos voltar ao que sempre tornou a colaboração entre humanos tão valiosa.


SOBRE O AUTOR

Lauri Pietinalho é filósofo organizacional e consultor, atuando com organização colaborativa e futuro do trabalho. T. Alexander Puutio... saiba mais