CEO da Meta diz que a Apple não é mais uma empresa inovadora. Será verdade?

Se considerarmos um fator crucial que afeta o modelo de negócios da Meta, tudo começa a fazer sentido

Crédito: Manuel Orbegozo/ Reuters

Michael Grothaus 4 minutos de leitura

Na semana passada, o CEO da Meta, Mark Zuckerberg, participou de uma longa conversa de três horas no podcast do comediante Joe Rogan. Durante o bate-papo, eles discutiram temas como liberdade de expressão, “censura” do governo e a importância de empresas norte-americanas liderarem a corrida pela inteligência artificial.

Mas Zuckerberg parecia particularmente interessado em falar sobre um assunto específico: a Apple. Ele aproveitou a oportunidade para fazer várias críticas à empresa, especialmente sobre as taxas cobradas na App Store para distribuição de aplicativos – mesmo após a Apple ter reduzido essas taxas para pequenos desenvolvedores.

Zuckerberg foi além e sugeriu que ela não é mais a potência inovadora que já foi. “Steve Jobs criou o iPhone e agora eles meio que estão vivendo disso 20 anos depois”, disse. “Acredito que, se você não faz um bom trabalho por 10 anos, uma hora alguém vai te superar.”

A QUESTÃO DA PRIVACIDADE

As declarações de Zuckerberg sobre a suposta falta de inovação da Apple podem soar estranhas à primeira vista. No entanto, fazem mais sentido quando consideramos como suas principais inovações nos últimos anos têm afetado diretamente o modelo de negócios da Meta.

Para Zuckerberg, apenas avanços em hardware parecem contar como inovação. Mas a Apple não é só uma fabricante de hardware. Ela desenvolve softwares, fornece serviços e cria um ecossistema completo que combina conveniência, simplicidade e interoperabilidade. Acima de tudo, esse ecossistema transformou a privacidade digital.

A inovação mais importante da Apple na última década não é algo tangível ou que possa ser exibido para os outros. É o controle que ela nos dá sobre nossos próprios dados, impedindo empresas ou instituições de explorar nossas informações pessoais para obter lucro.

Acesso e monetização de dados pessoais são a base do modelo de negócios da Meta. E muitas das inovações da Apple limitaram severamente sua capacidade de atuação.

UM CICLO CONSTANTE DE INOVAÇÃO

Um bom exemplo disso é um recurso introduzido no iOS 18 que permite aos usuários restringir o acesso de aplicativos apenas aos contatos que eles autorizarem.

Empresas como a Meta detestam esse recurso porque ele impede o acesso irrestrito à lista completa de contatos. Isso dificulta a criação de gráficos sociais detalhados sobre cada pessoa – essencial para sua estratégia de negócios.

Outro exemplo é o App Tracking Transparency (ATT), que dá aos usuários o poder de decidir se aplicativos podem rastreá-los em outros apps e sites.

A inovação mais importante da Apple na última década é o controle que ela nos dá sobre nossos próprios dados.

Embora tenha enfrentado críticas de empresas cujo modelo de negócios depende da venda de dados, o ATT foi amplamente adotado pelos consumidores. Dados de maio de 2021 mostram que 94% dos donos de iPhone nos EUA optaram por usar o ATT para impedir o rastreamento.

Mais recentemente, a Apple inovou no campo da inteligência artificial com o Private Cloud Compute, que permite que os usuários utilizem recursos de IA sem que suas informações pessoais ou consultas fiquem armazenadas pela empresa ou por terceiros.

Essa é a primeira vez que uma grande desenvolvedora de IA oferece um nível tão alto de privacidade. É algo que não está disponível no ChatGPT, da OpenAI, nem no Meta AI, baseado no Llama 3. Na verdade, a Meta dificulta que os usuários recusem o uso de seus dados no treinamento de sua inteligência artificial.

Esses são apenas três exemplos entre as muitas inovações em privacidade que a Apple introduziu nos últimos anos. Dado o crescente papel da privacidade em um mundo cada vez mais invasivo, é absurdo dizer que ela não inova desde o lançamento do iPhone.

O iPhone foi, sem dúvida, um marco cultural, um aparelho revolucionário e único. Mas as inovações intangíveis da Apple em privacidade são ainda mais importantes: elas protegem partes essenciais de nossas vidas contra olhos curiosos, como os da Meta, que não hesita em vender nossas informações para quem pagar mais.

O QUE ZUCKERBERG NÃO QUER VER

Parece improvável que a privacidade fosse um tema tão relevante se não fosse pela adoção dessa causa pela Apple. Até onde eu vejo, é a única big tech que não apenas evita prejudicar a privacidade, mas projeta seus produtos com esse foco.

Como ela faz (e promove) isso tão bem, a importância da privacidade digital é ampliada na mente dos consumidores, forçando outras empresas de tecnologia (mesmo que a contragosto) a copiar algumas de suas inovações. Assim, mesmo que você não use produtos da Apple, acaba sendo beneficiado pelas inovações da empresa no campo da privacidade.

as inovações intangíveis da Apple em privacidade protegem partes essenciais de nossas vidas digitais.

À medida que avançamos para um mundo onde tudo está conectado e a IA está em toda parte, a inovação em privacidade é exatamente o tipo de inovação de que precisamos agora. E essa é uma área na qual a Apple atualmente se destaca.

Mas se o CEO da Meta ainda estiver preso à ideia de inovação apenas em hardware, talvez devesse considerar o Apple Watch e seus inúmeros recursos revolucionários para a saúde; o Apple Pay, que popularizou os pagamentos sem contato; o Face ID, a autenticação biométrica mais segura e intuitiva disponível para o consumidor; e os Apple Silicon, os chips mais poderosos do mercado de consumo, que possibilitaram todo tipo de novos designs de computadores – apenas para citar alguns exemplos.

Essas são inovações que vejo as pessoas usarem todos os dias. Certamente, Zuckerberg também deve perceber isso.


SOBRE O AUTOR

Michael Grothaus é escritor, jornalista, ex-roteirista e autor do romance "Epiphany Jones". saiba mais