Economia de impacto como novo paradigma: o futuro das empresas em um mundo em colapso

A economia de impacto precisa ser uma reestruturação profunda – não apenas da economia, mas da própria lógica de poder

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Ana Bavon 4 minutos de leitura

Nesses anos todos trabalhando com equidade de gênero e impacto social, tenho acompanhado mudanças mercadológicas, novas terminologias e tendências que, no fundo, falam sobre a mesma coisa: nada será como antes.

Já vi a Responsabilidade Social Corporativa se transformar em ESG. Vi as empresas adotarem DEI como mantra, ao mesmo tempo em que enfrentamos retrocessos políticos e ataques coordenados contra a diversidade.

Agora, a economia de impacto ganha força como um novo horizonte para negócios, governos e investidores. Mas a pergunta que me faço, e que proponho aqui, é: estamos realmente mudando, ou apenas reformulando os mesmos sistemas de sempre?

O que está em jogo não é apenas uma mudança de linguagem. É uma mudança de estrutura. Não se trata de ajustar políticas internas, mas de redefinir o papel das empresas na sociedade e no planeta. O problema nunca foi apenas a desigualdade no acesso a oportunidades, mas como o próprio mercado produz e reproduz desigualdade.

Se o futuro do capitalismo será o da economia de impacto, precisamos garantir que essa transição não perpetue os mesmos vícios. Não podemos falar de regeneração ambiental sem falar de reparação social. Não há economia de impacto sem justiça racial e de gênero. E, sobretudo, não há modelo econômico viável em um planeta colapsado.

DO CAPITALISMO DE EXTRAÇÃO PARA A ECONOMIA DE IMPACTO

A economia de impacto propõe uma ruptura com o modelo vigente, no qual o crescimento econômico tem sido historicamente impulsionado pela extração de recursos – humanos, naturais, sociais – sem preocupação com os impactos gerados. O problema central do capitalismo tradicional não é apenas a distribuição desigual da riqueza, mas a forma como essa riqueza é construída.

Mariana Mazzucato, economista de referência global, argumenta que o capitalismo precisa ser reestruturado para criar valor real, e não apenas extrair valor da sociedade e do planeta.

a economia de impacto ganha força como um novo horizonte para negócios, governos e investidores.

Sua tese se conecta diretamente à ideia de uma economia orientada por missões, na qual Estado, empresas e sociedade colaboram para resolver problemas estruturais, em vez de apenas mitigá-los.

Mas, para que essa economia seja, de fato, uma solução e não uma nova forma de colonização econômica, é preciso entender a interseção entre justiça climática e justiça social.

DESIGUALDADE E IMPACTO: UM RECORTE DE GÊNERO E RAÇA

A desigualdade climática não é neutra. O Fórum Econômico Mundial já alertou que as mudanças climáticas intensificarão desigualdades preexistentes, atingindo de forma mais severa mulheres, populações racializadas e comunidades historicamente marginalizadas.

No Brasil, por exemplo, mulheres negras estão na linha de frente dos impactos socioambientais. Segundo o IBGE, nós representamos 63% das trabalhadoras informais e somos as primeiras a sofrer com os efeitos da precarização do trabalho e da gentrificação ambiental – fenômeno que desloca comunidades vulneráveis para áreas de maior risco climático.

Apesar disso, menos de 1% dos investimentos de impacto no Brasil são direcionados a negócios liderados por mulheres negras. Isso revela uma contradição estrutural: o mercado celebra a economia de impacto, mas continua financiando a exclusão.

COMO A ECONOMIA DE IMPACTO PRECISA AVANÇAR

Hoje, a agenda ESG e os investimentos de impacto são frequentemente estruturados sem enfrentar as raízes das desigualdades que buscam corrigir. A maior parte do capital destinado à economia de impacto ainda se concentra em empresas lideradas por homens brancos, cisgenero e heteronormativos, perpetuando os mesmos padrões históricos de exclusão.

Crédito: Mikhail Nilov/ Pexels

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, especialmente o ODS 5 (igualdade de gênero) e o ODS 10 (redução das desigualdades), não podem ser tratados apenas como referências institucionais.

Eles precisam ser incorporados às métricas de impacto de forma estrutural, incluindo políticas de financiamento direcionadas a grupos historicamente marginalizados.

O Pacto Global da ONU no Brasil tem avançado com iniciativas como o Movimento Raça é Prioridade, que busca aumentar a participação de pessoas negras na liderança corporativa. Mas ainda há um longo caminho para garantir que essas ações sejam acompanhadas de transformação estrutural e redistribuição real de recursos.

O QUE ESTÁ EM JOGO?

O mundo que conhecemos está desmoronando. As catástrofes climáticas já não são projeções distantes, mas realidades brutais que redefinem economias, sociedades e vidas. A desigualdade social, longe de diminuir, se intensifica à medida que os efeitos desse colapso recaem com mais força sobre quem já foi historicamente deixado à margem.

A economia de impacto não pode ser um remendo em um sistema que continua a privilegiar poucos e explorar muitos. Ela precisa ser uma reestruturação profunda – não apenas da economia, mas da própria lógica de poder.

estamos realmente mudando, ou apenas reformulando os mesmos sistemas de sempre?

Não há mais tempo para ajustes incrementais. O capital que financiou o colapso precisa ser redirecionado para financiar a reconstrução. As empresas que resistirem a essa transformação não serão apenas irrelevantes – serão agentes de destruição.

O que está em jogo não é apenas a viabilidade de modelos de negócio, mas a viabilidade da vida como a conhecemos. E a pergunta que devemos fazer não é se a economia de impacto é o futuro, mas se teremos tempo suficiente para que esse futuro seja possível.

A escolha não é entre lucrar ou transformar. É entre existir ou desaparecer.


SOBRE A AUTORA

Ana Bavon é advogada, fundadora, CEO e Head de Estratégia da B4People. Com clientes como Gol Smiles, Bayer, Basf, Alpargatas, Raízen, ... saiba mais