Social e-commerce: tendência que surgiu na Ásia chega ao ocidente

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Fast Company Brasil 8 minutos de leitura

Como um americano chefiando uma empresa de capital de risco em Cingapura há uma década, com frequência vejo novas tendências de tecnologia surgindo mais cedo ou mais fortemente aqui na Ásia do que no ocidente. E agora, é a vez do social e-commerce estar cada vez mais presente.

O social e-commerce refere-se à de venda de produtos online — em quantidade — por meio de redes sociais. Essas redes podem existir virtualmente (como em um aplicativo) ou no mundo real, entre amigos e vizinhos, ou mesmo ambos. O segredo é usar esses grupos para transações de alto volume, ao invés de apenas fazer pequenas vendas esporádicas em plataformas online. É algo que os empreendedores asiáticos estão explorando bastante.

Essa prática começou na China, onde o social e-commerce agora responde por mais de 13% de todas as vendas online em comparação aos meros 4,3% nos EUA. Além disso, a diferença em volume é enorme: mais de US$ 360 bilhões em GMV (valor bruto da mercadoria) por ano contra US$ 36 bilhões nos EUA.

Agora, está crescendo também em outras partes da Ásia, impulsionado por dois modelos de negócios. Um é o modelo de compra em grupo, que oferece descontos aos compradores e eficiência aos vendedores para fazer transações em massa. O outro modelo é o live e-commerce, em que influenciadores podem vender rapidamente quantidades imensas de itens de moda e outros produtos para seus seguidores nas redes sociais. Nenhum destes conceitos é totalmente novo, mas, agora, empresas asiáticas estão vendo resultados incríveis utilizando estes modelos. O que quer dizer que provavelmente logo veremos essas abordagens no Ocidente. Vamos dar uma olhada em como os dois modelos funcionam:

COMPRAS EM GRUPO

A Pinduoduo, fundada na China em 2015, é vista como a pioneira do modelo moderno de compra em grupo. A empresa tem um valor de mercado de US$ 130 bilhões, maior do que a gigante americana do varejo Target. Pinduoduo começou focada em mercados consumidores pouco explorados nas cidades chinesas, onde as pessoas não costumavam fazer compras online. A startup fez a ponte entre fornecedores que tinham pouco espaço no comércio eletrônico: como fazendeiros, cujas carnes frescas e produtos normalmente não funcionavam bem para essa modalidade de venda direta. Embalar e despachar pequenos pedidos individuais dessas mercadorias seria caro, especialmente com a entrega em cada domicílio.

A plataforma de compra em grupo da Pinduoduo oferece benefícios para ambos os casos. Isso possibilitou que clientes com orçamento apertado tivessem acesso a preços bem abaixo dos praticados no mercado varejista de alimentos, fazendo grandes pedidos, o que permitiu que os agricultores enviassem produtos, de forma econômica, para pontos de distribuição locais. Além disso, a escolha da Pinduoduo de ter como linha principal de produtos alimentos frescos fez com que seus clientes se tornassem recorrentes. As pessoas compram frutas, vegetais e carne com muito mais regularidade do que, digamos, produtos eletrônicos.

Acesse a Pinduoduo hoje e, além de alimentos, você verá suprimentos domésticos como produtos de limpeza, bem como uma ampla variedade de bens duráveis. Os itens estão disponíveis em dois níveis de preço: um se você deseja comprar sozinho e outro muito mais barato para a compra em grupo. Você pode juntar um grupo de amigos e familiares do tamanho necessário ou procurar por um grupo existente que precise de mais um membro. Enquanto isso, a Pinduoduo coleta os dados de clientes e entrega aos fornecedores, para dar-lhes uma noção mais precisa do volume e lugar da demanda.

Desde 2015, a Pinduoduo cresceu para US$ 255 bilhões de GMV por ano, com receitas anuais acima de US$ 9 bilhões. Na China, ela ultrapassou plataformas mais antigas e convencionais, como o Groupon e o Meituan, e inspirou a criação de plataformas similares fora da China.

Agora, inúmeras startups de compra em grupo estão surgindo nos 10 países da ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático). Muitos destas empresas recém-chegadas recrutam “agentes” ou “líderes comunitários” locais para gerenciar a compra. Essa pessoa geralmente é uma dona de casa — a empresa vietnamita Shoppa, por exemplo, procura especificamente por mulheres para atuar como agentes, convidando-as a se tornarem o que chamam de “Sra. Shoppa” –, embora qualquer pessoa em busca de uma renda secundária possa preencher a função. Como agente, você tem acesso a uma versão especial do aplicativo da empresa. Além de organizar um grupo local e apontar bons negócios, seu trabalho pode incluir cobrar pagamentos em dinheiro, uma etapa crucial para construir mercados em lugares onde muitas pessoas não têm conta bancária ou não possuem internet banking. Todo pedido chega a você para distribuição. Em troca, você recebe comissões e descontos extras em suas compras.

As pessoas afirmam gostar destes aspectos sociais dos grupos de vizinhos e das visitas de distribuição e ressaltam também que isso ajuda a reforçar a confiança na compra online. Com esses benefícios, além dos incentivos financeiros para todos os envolvidos, o modelo está ganhando força em países com grande mercado consumidor, como o Vietnã (98 milhões de habitantes) e, principalmente, a Indonésia (270 milhões).

O LIVE E-COMMERCE

O e-commerce em lives de redes sociais, embora semelhante em conceito aos canais de compras de TV, tem características e apelo únicos. Na China e recentemente na Coreia do Sul, um mercado em ascensão, há um ecossistema de grandes empresas que utilizam estúdios para transmitir via internet programas que vendem roupas, produtos de beleza e muitos mais. Os apresentadores são selecionados entre legiões de jovens que desejam se tornar influenciadores de elite. Os melhores são selecionados para, com seu talento e carisma, promover vendas em grande quantidade às comunidades virtuais de seguidores.

A celebridade chinesa Viya venceu um concurso de música e integrou bandas pop antes de retornar às raízes de sua família no varejo. Suas transmissões ao vivo são descritas como “parte show de variedades, parte infomercial, parte bate-papo”. Outro influenciador chinês, o Austin Li, é conhecido como o Rei do Batom. Aproveitando suas habilidades com o público, que aprendeu como balconista de lojas de cosméticos, ele se envolve intimamente enquanto trabalha de forma profissional: Li certa vez aplicou 138 batons diferentes em uma transmissão ao vivo de 30 minutos. E ele não tem medo de demonstrar os produtos em seus próprios lábios. Durante a promoção do Dia dos Solteiros do Alibaba em novembro passado, as vendas de Viya e Li somaram mais de US$ 100 milhões.

Zhang Dayi, estilista e ex-modelo, afirma que o segredo do live e-commerce é a “autenticidade” que influenciador passa. Em entrevista ao Women’s Wear Daily (considerado por alguns como uma “bíblia da moda”), ela perguntou: “Você gosta de assistir a comerciais? Pessoas costumam não gostar por se tratar de uma propaganda” — ao passo que nas transmissões ao vivo “eles te conhecem”, e se gostam e admiram você, “eles querem ter seu estilo de vida”.

O EFEITO DO AVANÇO

Nos EUA, nem o live e-commerce nem o modelo de compra em grupo chegaram perto da escala e sofisticação vista na Ásia. Um dos motivos pode ser o marketing nos EUA que já era altamente desenvolvido antes da internet, de modo que as velhas técnicas simplesmente foram aplicadas nas novas mídias: a TV e os anúncios impressos se tornaram os pop-up; a mala direta começou a ser feita por e-mail. Muitos países asiáticos, ao contrário, experimentaram um avanço duplo. Suas economias cresceram rapidamente de baixos níveis de prosperidade (com pouca comercialização em massa de bens de consumo) para níveis mais altos, enquanto as pessoas migraram direto do offline para o uso intenso de dispositivos móveis. O resultado foi um ambiente em que diferentes modelos de marketing podem criar uma nova era.

Além disso, o social e-commerce na Ásia é possibilitado pelo uso generalizado de aplicativos de rede social. O WeChat conta com mais de 1,2 bilhão de usuários ativos por mês em todo o mundo, a maioria dentro da China. Outros milhões de chineses também usam o Weibo e/ou o Douyin, que possui interface de vídeo. O WhatsApp é muito popular nos países da ASEAN, enquanto Naver e Kakao disputam o domínio na Coreia do Sul. Eles fornecem a infraestrutura de usuários para os principais nomes do comércio eletrônico, como Alibaba e Shopee, com sede em Cingapura, e Coupang, da Coréia do Sul, para expandir a transmissão ao vivo e o crescimento de startups de compra em grupo.

No momento, o cenário na Ásia é fluido. O social e-commerce ainda está em um estágio inicial. Novas formas híbridas estão sendo criadas, porém, algumas encontraram obstáculos. Por exemplo, a chinesa Yunji lançou um plano de assinatura de compra em grupo que teve que ser alterado quando legisladores e reguladores apontaram semelhanças com esquema de pirâmide. E por fim, parte do crescimento recente do social e-commerce pode ser atribuído à pandemia que fez muitas atividades migrarem para a internet, de uma forma que ainda não sabemos se se manterá.

No entanto, a tendência por trás desse fenômeno não pode ser ignorada. É mais do que uma questão de investidores e empreendedores entrando em um novo espaço. Os consumidores estão aderindo ao social e-commerce. Sendo assim, novas empresas que ainda não apresentam lucro líquido, incluindo a Pinduoduo, parecem ter um futuro de sucesso. E quanto a se a popularidade do social e-commerce chegará aos Estados Unidos e a outras partes do mundo, minha resposta é que vários fatores, como o momento, a escolha de mercados, de modelos de negócios e a boa gestão serão cruciais para definir o futuro do modelo. Mas não acho que a questão é se ele virá ou não para o ocidente. É mais uma questão de quando e como.

 


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