Ranking revela caminhos para a felicidade em 2025
Confiança, conexões e benevolência são tão determinantes quanto emprego e renda

É curioso o que podemos descobrir quando começamos a medir a felicidade. Ela está, muitas vezes, em algo aparentemente tão simples quanto confiar no outro e compartilhar refeições com boa frequência.
Publicado anualmente pelo Wellbeing Research Centre, da Universidade de Oxford, em parceria com Gallup, ONU (Sustainable Development Solutions Network) e um conselho editorial internacional, o World Happiness Report é hoje referência global em bem-estar e caminhos para ampliá-lo no mundo.
A metodologia combina dados de mais de 140 países, analisados por especialistas de diversas disciplinas, da economia à neurociência. A análise contempla percepções individuais e dados objetivos como PIB per capita, expectativa de vida saudável, apoio social, liberdade para fazer escolhas, generosidade e percepção de corrupção.
Os achados deste ano escancaram um paradoxo: enquanto a conexão humana segue sendo um dos pilares mais determinantes para a felicidade, estamos nos afastando dela.

O estudo concluiu que compartilhar refeições é um indicador tão relevante de bem-estar, quanto emprego e renda. Nos EUA, a média é de 5,7 refeições compartilhadas por semana. Na América Latina, ainda resistimos com 12.
De forma geral, os números de refeições compartilhadas caem em todas as idades, mas a maior queda se concentra entre os jovens adultos. O dado é um convite à reflexão: estamos alimentando nosso corpo, mas esquecendo de nutrir nossas conexões e nosso bem-estar?
CONFIANÇA: O NOVO CAPITAL SOCIAL
Para Jeffrey Sachs, economista da ONU e um dos autores do relatório, “a felicidade está enraizada na confiança, na gentileza e nas conexões sociais”. Os dados confirmam: confiar nos outros é um preditor mais forte de felicidade do que sofrer ou temer grandes perdas materiais.
Um dos exemplos mais emblemáticos desse insight vem de um experimento simples, mas poderoso: o Lost Wallet Experiment, um teste global em que carteiras "perdidas" propositalmente eram deixadas em locais públicos, com dinheiro, documentos e número de telefone visível. O objetivo? Observar quantas seriam devolvidas espontaneamente.
O resultado: entre 40% e 80% das carteiras foram devolvidas, dependendo do país. Cidades com maior bem-estar emocional, curiosamente, apresentaram índices mais altos de devolução. Mas o achado mais revelador foi outro: em praticamente todos os lugares, as carteiras foram devolvidas com uma frequência muito maior do que o esperado.
Ou seja, as pessoas subestimam a honestidade umas das outras – e é aí que mora a crise de desconfiança. Ficamos surpresos quando alguém age com integridade, como se isso fosse exceção.
Em um mundo que se arma contra o outro, a confiança se tornou contracultural – e, por isso mesmo, revolucionária. E mais: é ela quem costura o tecido invisível das sociedades mais felizes. Não a ausência de problemas, mas a presença de pessoas e instituições em quem se pode confiar.
BENEVOLÊNCIA COMO MÉTRICA DE BEM-ESTAR
Outro achado relevante é que atos de benevolência, como ajudar estranhos, doar dinheiro e realizar trabalho voluntário, continuaram mais de 10% acima dos níveis pré-pandemia, mesmo em 2024. Especificamente, a prática de dar suporte a estranhos aumentou em média 18% em relação ao período de 2017 a 2019.
Mas segue a dúvida e o desafio: como transformar gentileza individual em prioridade social, ou mesmo em política pública?
O que o relatório sugere é algo ainda mais poderoso: doar com estratégia pode ser uma das formas mais eficientes de promover felicidade no mundo – e, de quebra, aumentar a nossa também. A generosidade, quando bem direcionada, vira um investimento de altíssimo retorno humano.
E se a gente pudesse medir o quanto cada real doado realmente melhora a vida de alguém – não com números genéricos, mas com métricas de bem-estar?
Em um mundo cada vez mais digital e individualizado, a sensação de pertencimento ganha mais relevância.
Essa é a proposta ousada de um dos capítulos mais inovadores do relatório de 2025, que apresenta o conceito de WELLBYs – Well-Being Years, unidade que mensura quantos anos de bem-estar uma ação é capaz de gerar.
O estudo revela uma verdade incômoda: nem toda caridade é igualmente eficaz em promover felicidade. Na prática, algumas ONGs conseguem multiplicar o impacto da doação em até 100 vezes mais que outras. E isso não tem a ver com tamanho ou fama, mas com o "custo-benefício emocional" do que entregam.
A pesquisa também expõe uma lacuna importante: as grandes organizações filantrópicas, aquelas com campanhas robustas e reconhecimento global, raramente passam por avaliações rigorosas de impacto em bem-estar. A falta de dados torna mais difícil saber se o dinheiro doado está, de fato, convertendo-se em transformação real.
O desafio agora é claro: transformar doação em ciência. Medir o que realmente importa. E entender que o impacto não é só social ou econômico – é emocional, subjetivo e socialmente transformador.
MEDIR A FELICIDADE: FINLÂNDIA NO TOPO DO RANKING
No Brasil, tivemos uma boa notícia: subimos oito posições no ranking, alcançando o 36º lugar. Já estivemos melhor: em 2015, ocupamos a 16ª posição. Mas o avanço do PIB per capita e a resiliência das redes de apoio – especialmente nas periferias – mostram que ainda há uma força invisível nos segurando.

A questão é que essa força, muitas vezes, vem da ausência. A ausência do Estado que deveria garantir o básico. A ausência de políticas públicas que deem conta do bem-estar coletivo. É na falta que a gente se junta. E, mesmo assim, seguimos sendo um povo que ajuda: 63% dos brasileiros disseram que oferecem ajuda a desconhecidos.
Enquanto isso, ao se medir a felicidade, a Finlândia segue há oito anos no topo do ranking. Com equilíbrio entre vida pessoal e profissional, proximidade com a natureza e altos níveis de confiança social e nas políticas de bem-estar, o país parece ter entendido que felicidade não se decreta, se cultiva. Coletivamente.
LARES COM MAIS PESSOAS
Outro dado que chama atenção: lares com mais pessoas tendem a ser mais felizes. No México e em parte da Europa, casas com quatro ou cinco moradores apresentam níveis mais altos de bem-estar. A solitude tem seu valor, mas há algo ancestral em saber que se está cercado.

Esse dado reforça a importância das conexões humanas como um dos pilares da satisfação. Em um mundo cada vez mais digital e individualizado, o convívio diário, as trocas afetivas e a sensação de pertencimento ganham ainda mais relevância.
Estar junto, partilhar a rotina e ter com quem contar em momentos de alegria ou desafio parece ser um antídoto poderoso contra o isolamento emocional que cresce, principalmente nas grandes cidades.
FELICIDADE E POLÍTICA
O relatório aponta um elo entre o que sentimos e o que votamos. A insatisfação com a vida e a desconfiança no outro influencia nosso comportamento político. Em outras palavras, a crise é menos sobre “direita vs. esquerda” e mais sobre desconfiança vs. segurança.
Na Europa e nos Estados Unidos, o aumento do voto anti-sistema é explicado, em grande parte, pela queda na satisfação com a vida. Quando a infelicidade se instala, ela vem pela falta de confiança nas pessoas, nas instituições e no futuro. É desse caldo que o populismo se alimenta.
Uma correlação salta aos olhos: quanto menor o índice de confiança social, maior a tendência à direita. A confiança, portanto, é um divisor de águas políticas.
O OPOSTO DA FELICIDADE NÃO É A TRISTEZA, É O DESESPERO
Essa frase atravessa o relatório como um soco leve, mas certeiro. Quando as redes de apoio falham, quando a confiança evapora, o que resta é o desespero. O contraponto da felicidade se expressa no aumento do suicídio e abuso de substâncias, no vazio não preenchido nem por consumo, nem por produtividade.
O levantamento global mostra que o aumento de comportamentos benevolentes e pró-sociais está ligado à redução das chamadas “mortes do desespero” (suicídio, abuso de álcool e drogas).
Em 59 países de média e alta renda, entre 2000 e 2019, um aumento de 10 pontos percentuais em comportamentos pró-sociais está associado a uma morte a menos por 100 mil habitantes por ano. No Reino Unido, isso representa cerca de 550 mortes evitáveis anualmente.

Apesar da tendência geral de queda, os números seguem altos em países como Estados Unidos, Coreia do Sul e, especialmente, Eslovênia, que liderou o ranking em 2019 com mais de 50 mortes por 100 mil habitantes.
As taxas são quase quatro vezes maiores entre homens e mais que o dobro entre pessoas com mais de 60 anos, em comparação com jovens de 15 a 29 anos. Três quartos dessas mortes são por suicídio, seguidas por abuso de álcool e drogas.
A pesquisa que busca medir a felicidade reforça que investir em estruturas que incentivem a solidariedade e o engajamento social pode reduzir essas mortes e aumentar o bem-estar coletivo.
A confiança é um divisor de águas políticas.
Não à toa, o relatório não termina com uma fórmula, e sim com um convite: que tal, antes de buscar o próximo salto quântico, marcar um almoço sem pressa com alguém de quem você gosta?
Talvez seja hora de entender que a verdadeira inovação social – aquela com impacto duradouro – começa na base mais humana de todas: a capacidade de cuidar, confiar e conviver.
É isso que devemos transformar não apenas em atitudes e hábitos cotidianos, mas em valores sociais expressos em diretrizes públicas e planos de governo.