Ranking revela caminhos para a felicidade em 2025

Confiança, conexões e benevolência são tão determinantes quanto emprego e renda

Arte Fast Company

Carol Romano 8 minutos de leitura

É curioso o que podemos descobrir quando começamos a medir a felicidade. Ela está, muitas vezes, em algo aparentemente tão simples quanto confiar no outro e compartilhar refeições com boa frequência. 

Publicado anualmente pelo Wellbeing Research Centre, da Universidade de Oxford, em parceria com Gallup, ONU (Sustainable Development Solutions Network) e um conselho editorial internacional, o World Happiness Report é hoje referência global em bem-estar e caminhos para ampliá-lo no mundo.

A metodologia combina dados de mais de 140 países, analisados por especialistas de diversas disciplinas, da economia à neurociência. A análise contempla percepções individuais e dados objetivos como PIB per capita, expectativa de vida saudável, apoio social, liberdade para fazer escolhas, generosidade e percepção de corrupção. 

Os achados deste ano escancaram um paradoxo: enquanto a conexão humana segue sendo um dos pilares mais determinantes para a felicidade, estamos nos afastando dela.

Crédito: shironosov/ iStock

O estudo concluiu que compartilhar refeições é um indicador tão relevante de bem-estar, quanto emprego e renda. Nos EUA, a média é de 5,7 refeições compartilhadas por semana. Na América Latina, ainda resistimos com 12.

De forma geral, os números de refeições compartilhadas caem em todas as idades, mas a maior queda se concentra entre os jovens adultos. O dado é um convite à reflexão: estamos alimentando nosso corpo, mas esquecendo de nutrir nossas conexões e nosso bem-estar? 

CONFIANÇA: O NOVO CAPITAL SOCIAL

Para Jeffrey Sachs, economista da ONU e um dos autores do relatório, “a felicidade está enraizada na confiança, na gentileza e nas conexões sociais”. Os dados confirmam: confiar nos outros é um preditor mais forte de felicidade do que sofrer ou temer grandes perdas materiais.

Um dos exemplos mais emblemáticos desse insight vem de um experimento simples, mas poderoso: o Lost Wallet Experiment, um teste global em que carteiras "perdidas" propositalmente eram deixadas em locais públicos, com dinheiro, documentos e número de telefone visível. O objetivo? Observar quantas seriam devolvidas espontaneamente.

O resultado: entre 40% e 80% das carteiras foram devolvidas, dependendo do país. Cidades com maior bem-estar emocional, curiosamente, apresentaram índices mais altos de devolução. Mas o achado mais revelador foi outro: em praticamente todos os lugares, as carteiras foram devolvidas com uma frequência muito maior do que o esperado.

Ou seja, as pessoas subestimam a honestidade umas das outras – e é aí que mora a crise de desconfiança. Ficamos surpresos quando alguém age com integridade, como se isso fosse exceção.

Em um mundo que se arma contra o outro, a confiança se tornou contracultural – e, por isso mesmo, revolucionária. E mais: é ela quem costura o tecido invisível das sociedades mais felizes. Não a ausência de problemas, mas a presença de pessoas e instituições em quem se pode confiar.

BENEVOLÊNCIA COMO MÉTRICA DE BEM-ESTAR

Outro achado relevante é que atos de benevolência, como ajudar estranhos, doar dinheiro e realizar trabalho voluntário, continuaram mais de 10% acima dos níveis pré-pandemia, mesmo em 2024. Especificamente, a prática de dar suporte a estranhos aumentou em média 18% em relação ao período de 2017 a 2019.

Mas segue a dúvida e o desafio: como transformar gentileza individual em prioridade social, ou mesmo em política pública?

O que o relatório sugere é algo ainda mais poderoso: doar com estratégia pode ser uma das formas mais eficientes de promover felicidade no mundo – e, de quebra, aumentar a nossa também. A generosidade, quando bem direcionada, vira um investimento de altíssimo retorno humano.

E se a gente pudesse medir o quanto cada real doado realmente melhora a vida de alguém – não com números genéricos, mas com métricas de bem-estar?

Em um mundo cada vez mais digital e individualizado, a sensação de pertencimento ganha mais relevância.

Essa é a proposta ousada de um dos capítulos mais inovadores do relatório de 2025, que apresenta o conceito de WELLBYs – Well-Being Years, unidade que mensura quantos anos de bem-estar uma ação é capaz de gerar.

O estudo revela uma verdade incômoda: nem toda caridade é igualmente eficaz em promover felicidade. Na prática, algumas ONGs conseguem multiplicar o impacto da doação em até 100 vezes mais que outras. E isso não tem a ver com tamanho ou fama, mas com o "custo-benefício emocional" do que entregam.

A pesquisa também expõe uma lacuna importante: as grandes organizações filantrópicas, aquelas com campanhas robustas e reconhecimento global, raramente passam por avaliações rigorosas de impacto em bem-estar. A falta de dados torna mais difícil saber se o dinheiro doado está, de fato, convertendo-se em transformação real.

O desafio agora é claro: transformar doação em ciência. Medir o que realmente importa. E entender que o impacto não é só social ou econômico – é emocional, subjetivo e socialmente  transformador.

MEDIR A FELICIDADE: FINLÂNDIA NO TOPO DO RANKING


No Brasil, tivemos uma boa notícia: subimos oito posições no ranking, alcançando o 36º lugar. Já estivemos melhor: em 2015, ocupamos a 16ª posição. Mas o avanço do PIB per capita e a resiliência das redes de apoio – especialmente nas periferias – mostram que ainda há uma força invisível nos segurando.

Fonte: World Hapiness Report 2025

A questão é que essa força, muitas vezes, vem da ausência. A ausência do Estado que deveria garantir o básico. A ausência de políticas públicas que deem conta do bem-estar coletivo. É na falta que a gente se junta. E, mesmo assim, seguimos sendo um povo que ajuda: 63% dos brasileiros disseram que oferecem ajuda a desconhecidos. 

Enquanto isso, ao se medir a felicidade, a Finlândia segue há oito anos no topo do ranking. Com equilíbrio entre vida pessoal e profissional, proximidade com a natureza e altos níveis de confiança social e nas políticas de bem-estar, o país parece ter entendido que felicidade não se decreta, se cultiva. Coletivamente.

LARES COM MAIS PESSOAS

Outro dado que chama atenção: lares com mais pessoas tendem a ser mais felizes. No México e em parte da Europa, casas com quatro ou cinco moradores apresentam níveis mais altos de bem-estar. A solitude tem seu valor, mas há algo ancestral em saber que se está cercado.

Crédito: August de Richelieu/ Pexels

Esse dado reforça a importância das conexões humanas como um dos pilares da satisfação. Em um mundo cada vez mais digital e individualizado, o convívio diário, as trocas afetivas e a sensação de pertencimento ganham ainda mais relevância.

Estar junto, partilhar a rotina e ter com quem contar em momentos de alegria ou desafio parece ser um antídoto poderoso contra o isolamento emocional que cresce, principalmente nas grandes cidades.

FELICIDADE E POLÍTICA

O relatório aponta um elo entre o que sentimos e o que votamos. A insatisfação com a vida e a desconfiança no outro influencia nosso comportamento político. Em outras palavras, a crise é menos sobre “direita vs. esquerda” e mais sobre desconfiança vs. segurança.

Na Europa e nos Estados Unidos, o aumento do voto anti-sistema é explicado, em grande parte, pela queda na satisfação com a vida. Quando a infelicidade se instala, ela vem pela falta de confiança nas pessoas, nas instituições e no futuro. É desse caldo que o populismo se alimenta. 

Uma correlação salta aos olhos: quanto menor o índice de confiança social, maior a tendência à direita. A confiança, portanto, é um divisor de águas políticas.  

O OPOSTO DA FELICIDADE NÃO É A TRISTEZA, É O DESESPERO

Essa frase atravessa o relatório como um soco leve, mas certeiro. Quando as redes de apoio falham, quando a confiança evapora, o que resta é o desespero. O contraponto da felicidade se expressa no aumento do suicídio e abuso de substâncias, no vazio não preenchido nem por consumo, nem por produtividade.

O levantamento global mostra que o aumento de comportamentos benevolentes e pró-sociais está ligado à redução das chamadas “mortes do desespero” (suicídio, abuso de álcool e drogas).

Em 59 países de média e alta renda, entre 2000 e 2019, um aumento de 10 pontos percentuais em comportamentos pró-sociais está associado a uma morte a menos por 100 mil habitantes por ano. No Reino Unido, isso representa cerca de 550 mortes evitáveis anualmente. 

Crédito: andreswd/ iStock

Apesar da tendência geral de queda, os números seguem altos em países como Estados Unidos, Coreia do Sul e, especialmente, Eslovênia, que liderou o ranking em 2019 com mais de 50 mortes por 100 mil habitantes. 

As taxas são quase quatro vezes maiores entre homens e mais que o dobro entre pessoas com mais de 60 anos, em comparação com jovens de 15 a 29 anos. Três quartos dessas mortes são por suicídio, seguidas por abuso de álcool e drogas. 

A pesquisa que busca medir a felicidade reforça que investir em estruturas que incentivem a solidariedade e o engajamento social pode reduzir essas mortes e aumentar o bem-estar coletivo.

A confiança é um divisor de águas políticas.  

Não à toa, o relatório não termina com uma fórmula, e sim com um convite: que tal, antes de buscar o próximo salto quântico, marcar um almoço sem pressa com alguém de quem você gosta?

Talvez seja hora de entender que a verdadeira inovação social – aquela com impacto duradouro – começa na base mais humana de todas: a capacidade de cuidar, confiar e conviver.

É isso que devemos transformar não apenas em atitudes e hábitos cotidianos, mas em valores sociais expressos em diretrizes públicas e planos de governo. 


SOBRE A AUTORA

Carol Romano é consultora de inovação, psicanalista e especialista em relações. Cofundadora da consultoria Futuro Co. com foco em inno... saiba mais