Nem Starlink nem SpaceX: Europa investe em seus próprios foguetes e satélites

SpaceX e Starlink ainda dominam os lançamentos espaciais e as comunicações via satélite. Mas outras empresas já se preparam para entrar nessa disputa

Créditos: Kuva/ Iceye/ RFA

Adam Bluestein 6 minutos de leitura

Se o poder que Elon Musk exerce na Terra já te preocupa, talvez seja melhor não olhar para o céu. Hoje, há basicamente três grandes potências dominando os serviços globais de comunicação e vigilância por satélite: Rússia, China e Elon Musk.

Em 2024, a SpaceX – empresa de foguetes fundada por Musk – foi responsável por mais da metade dos lançamentos orbitais feitos no mundo. Foram 134 lançamentos bem-sucedidos com os modelos Falcon 9 e Falcon Heavy.

Já a Starlink, com mais de sete mil satélites em operação, fornece internet de alta velocidade para mais de 4,6 milhões de usuários no mundo todo – de residências e empresas a agências federais e governos estrangeiros.

A Starlink também possui uma divisão mais discreta, a Starshield, que tem contratos com o governo dos EUA para oferecer comunicações militares e capacidade de vigilância espacial.

Nos últimos anos, o cenário político global – da invasão da Ucrânia à reeleição de Donald Trump – deixou evidente o risco de depender demais de um único país (ou de uma única pessoa) para acessar recursos espaciais.

Com o distanciamento dos EUA em relação aos aliados da OTAN durante o governo Trump, a Europa e o Canadá estão acelerando os esforços para conquistar mais autonomia no espaço, impulsionados por investimentos e novas parcerias internacionais.

Nos próximos meses, governos e empresas europeias (e de outros lugares) vão dar passos importantes em direção à soberania espacial, com o lançamento de novos foguetes e a construção de constelações de satélites em órbita baixa.

CONCORRENTES DA SPACEX NOS LANÇAMENTOS ESPACIAIS

No dia 30 de março, um foguete de dois estágios chamado Spectrum, desenvolvido pela startup alemã Isar Aerospace, caiu no mar a poucos segundos da decolagem, perto da ilha norueguesa de Andoya. Foi a primeira tentativa de um lançamento orbital vertical a partir da Europa Ocidental.

Outras tentativas devem acontecer em 2025 – todas com foguetes de pequeno porte, projetados para levar pequenos satélites à órbita terrestre baixa. A agência espacial da Noruega, por exemplo, já contratou a Isar para lançar dois satélites espiões do Ártico até 2028.

Foguete Spectrum, da Isar Aerospace (Crédito: Divulgação)

Ainda este ano, os holofotes devem se voltar para a base de SaxaVord, nas Ilhas Shetland, Escócia. Lá, a startup escocesa Orbex Space pretende realizar o primeiro lançamento orbital vertical a partir de solo britânico. O foguete da empresa, o Orbex Prime, é reutilizável e funciona com um biocombustível renovável que emite 96% menos CO2 do que combustíveis fósseis.

Outra empresa alemã, a Rocket Factory Augsburg (RFA), também planeja realizar um lançamento comercial a partir da base SaxaVord em 2025. Já a HyImpulse, também da Alemanha, quer colocar seu foguete orbital SL1 no espaço ainda em 2025.

Enquanto isso, a Rocket Lab – fundada na Nova Zelândia e hoje sediada em Long Beach, Califórnia – continua sendo a alternativa mais confiável à SpaceX no segmento de foguetes de pequeno porte.

Crédito: Rocket Factory

Seus foguetes Electron já completaram cinco lançamentos comerciais em 2025, depois de 15 voos bem-sucedidos em 2024, quase todos a partir da base de lançamento da empresa na Ilha Norte, na Nova Zelândia. A Rocket Lab também pretende testar seu novo foguete de médio porte, o Neutron, ainda este ano.

Para cargas maiores, clientes europeus e de outros países podem contar com o Ariane 6, foguete operado pela Arianespace e desenvolvido em parceria com a ESA (Agência Espacial Europeia) e a agência espacial francesa. O Ariane 6 fez seu segundo voo comercial em março, decolando do Centro Espacial Europeu, na Guiana Francesa.

Alcançar o nível da Starlink em termos de conectividade de banda larga via satélite em órbita baixa não é uma tarefa fácil, mas Europa e Canadá já estão investindo pesado para isso.

O projeto IRIS2, financiado pela União Europeia, pela ESA e por investidores privados, está construindo uma constelação com cerca de 290 satélites em órbitas baixa e média, ao custo de US$ 11,1 bilhões. A previsão é que a rede esteja em operação até 2030, oferecendo conectividade segura e confiável para governos e empresas.

Três grandes operadoras europeias lideram o IRIS2: Hispasat, SES e Eutelsat. Esta última, com sede em Paris, é também dona da OneWeb, a principal concorrente da Starlink nos mercados governamental e comercial.

Crédito: Divulgação

A OneWeb já tem quase 700 satélites em órbita e seu serviço vem sendo utilizado pelas forças armadas ucranianas como uma alternativa – e possível substituto – da Starlink.

No Canadá, a empresa Telesat está avançando na construção da Lightspeed Network, uma constelação com 198 satélites em órbita baixa que vai levar internet de alta velocidade a comunidades remotas no Canadá e em outros países. Além disso, a rede vai ajudar os governos a modernizar suas tecnologias de comunicação via satélite e reforçar as defesas da OTAN.

A Telesat já contratou 14 lançamentos a partir de meados de 2026 para colocar todos esses satélites no espaço em cerca de um ano. E adivinha quem vai fazer os lançamentos? A própria SpaceX.

EUROPA INVESTE NO ESPAÇO - MAS PRECISA DE FINANCIAMENTO

A infraestrutura espacial é difícil de construir e, tradicionalmente, exigiu um nível de investimento muito além de qualquer coisa já vista na Europa. Os financiamentos estão aumentando – em 2024, a Europa foi responsável por quatro dos 15 maiores aportes privados no setor espacial em todo o mundo.

Em março, a Comissão Europeia apresentou o ReArm Europe, um investimento de US$ 876 bilhões para fortalecer as capacidades de defesa soberana da Europa, incluindo no espaço.

Historicamente, a Europa investiu muito menos nessa área do que os Estados Unidos, destinando apenas 3% de seu orçamento total de defesa ao setor espacial, em comparação com 9% nos EUA. O orçamento da ESA para 2025, de cerca de US$ 8,4 bilhões, representa cerca de um terço do pedido de orçamento da Nasa para o mesmo ano, que é de US$ 25 bilhões (ainda não aprovado).

Crédito: Rocket Lab

O apoio do governo dos EUA foi fundamental para estabelecer o domínio espacial de Elon Musk: em 2006, a SpaceX garantiu US$ 278 milhões em financiamento inicial da Nasa para ajudar no desenvolvimento e demonstração de voo da cápsula Dragon do Falcon 9. Em 2008, a empresa fechou um contrato de US$ 1,6 bilhão com a agência para realizar missões de reabastecimento da Estação Espacial Internacional.

“Espero que a Europa tenha sucesso”, diz Justus Kilian, sócio da empresa de capital de risco Space Capital.. “É importante que tenha. Mas a Europa está mais de 10 anos atrás dos EUA.”

Ele observa que, como menos empresas recebem financiamento na Europa, há menos competição impulsionando resultados. Mesmo assim, ele acredita que novas empresas que atendem a necessidades soberanas vão surgir e se tornar bons investimentos. "Mas essas empresas vão precisar de mais tempo e mais dinheiro para alcançar resultados semelhantes”, aponta.


SOBRE O AUTOR

Adam Bluestein escreve sobre pessoas e empresas na vanguarda da inovação em negócios e tecnologia, ciências da vida e medicina, alimen... saiba mais