Ponto de vista: o Vale do Silício precisa voltar aos tempos do silício
Se quisermos garantir o futuro da inovação, talvez seja hora de resgatar a mentalidade centrada no hardware

Com seus ternos cinzas sem graça e óculos “fundo de garrafa”, os chamados “oito traidores” não pareciam ter nada de revolucionário. Sem saber quem eram, você poderia facilmente imaginá-los em cargos administrativos em um banco. Mas foram justamente eles que ajudaram a criar as bases do mundo digital que conhecemos hoje.
Esse grupo deixou o Shockley Semiconductor Laboratory – a primeira empresa a trabalhar com semicondutores – para fundar a Fairchild Semiconductor, que logo se tornaria a maior produtora de componentes eletrônicos do mundo. Anos depois, alguns desses fundadores sairiam novamente para abrir suas próprias empresas.
Essas novas companhias começaram a se concentrar em uma mesma região, dando origem ao que hoje chamamos de Vale do Silício – criando um ecossistema de inovação que continua influente até hoje.
Mesmo com os trajes antiquados e os óculos grossos, esses personagens estão entre os mais relevantes da história da tecnologia. Mesmo que você nunca tenha ouvido seus nomes, o impacto que causaram continua vivo no nosso dia a dia.
O PODER DO HARDWARE
Sempre achei hardware mais fascinante do que software. Talvez porque seja mais fácil perceber quando algo realmente melhora em relação ao que veio antes.
Você consegue ver se um computador está mais leve ou compacto. Pode medir quantas operações um processador executa por segundo, contar os pixels de uma tela, medir a temperatura e comparar a duração de duas baterias. O hardware é direto, objetivo, sem rodeios.
E o mais importante: essas melhorias são percebidas pelos usuários. Se você já trocou um monitor de tubo por uma tela LCD, ou um HD tradicional por um SSD, sabe exatamente do que estou falando.
Os hardwares costumam ser desenvolvidos com um propósito claro. Existe até aquele ditado: “hardware é difícil” – e é verdade. Mas também é caro. Ninguém investe tempo e dinheiro em um novo hardware se não acreditar que aquilo é de fato melhor e útil e que alguém vai estar disposto a pagar por isso.
O VALE DO SILÍCIO PRECISA REDESCOBRIR SUAS RAÍZES
A moderna indústria da tecnologia – especialmente aquela que agora ocupa o mesmo solo sagrado outrora pisado pelos "oito traidores" – virou uma sombra do que já foi. As “inovações” do setor parecem, na melhor das hipóteses, apenas incrementais.
É isso que me faz sentir saudade da época em que o Vale do Silício era, de fato, sobre silício – ou, mais especificamente, sobre objetos físicos e tangíveis que mudaram o mundo.
O Vale do Silício do final dos anos 1960, 1970 e 1980 foi um glorioso centro de inovação, onde gênios comprovados descobriram os avanços que permitiram a existência do mundo em que vivemos hoje. O circuito integrado. O microprocessador. O mouse.
A verdadeira inovação está em construir uma interação inteligente entre software e hardware.
Foi uma época na qual visão tecnológica e estratégia empresarial se uniam para levar novas invenções ao mercado e, depois, popularizá-las em escala global. Ao fazer isso, o Vale do Silício mudou tudo.
Não estou falando apenas de visão. Estou falando de hardware. As aplicações que precisaremos rodar no futuro vão exigir computadores melhores e mais rápidos, e precisamos de alguém para inventá-los.
Computadores mais rápidos e eficientes podem devolver às pessoas um pouco mais de controle sobre a tecnologia que usam – e talvez até reduzir nossa dependência da nuvem. Isso pode ajudar a reverter algumas das transformações culturais recentes, que nos fizeram aceitar, quase sem questionar, a ideia de que sempre estaremos à mercê das vontades das grandes empresas de tecnologia.
Sim, hardware é difícil. E mudar é ainda mais. Mas, nesse caso, vale a pena.
UM NOVO PONTO DE PARTIDA
Apesar de tudo, há razões para ser otimista – e não por causa de uma GPU gigante.
No meio de tantas novidades apresentadas na CES 2025, uma acabou passando quase despercebida: o lançamento do DGX Spark, da Nvidia – um desktop de US$ 3 mil equipado com o superchip GB10 Grace Blackwell. Pouca gente deu atenção, mas acredito que esse lançamento marca um ponto de virada importante na computação pessoal.
Traduzindo: a Nvidia criou uma espécie de MacMini turbinado, que permite a desenvolvedores, cientistas de dados e pesquisadores de IA processar grandes volumes de dados e rodar modelos de inteligência artificial diretamente em suas máquinas.

Mesmo que as grandes empresas do Vale do Silício tenham crescido apoiadas em software, a verdade é que nenhuma delas pode avançar sem hardware. As GPUs da Nvidia viraram manchete, mas o que realmente impulsiona a inovação é a criação de novas arquiteturas de computação.
Ao integrar o chip Blackwell a um “supercomputador” compacto, a Nvidia abre caminho para que mais empresas possam trabalhar com IA de forma rápida e eficiente, sem depender de uma infraestrutura de nuvem.
Isso reduz drasticamente as barreiras de entrada e democratiza o acesso à computação de alto desempenho, antes restrita a quem tinha equipamentos caros e infraestrutura de ponta.
As aplicações que precisaremos rodar no futuro vão exigir computadores melhores e mais rápidos.
A verdadeira inovação não está apenas em criar coisas maiores ou mais potentes, mas em construir uma interação inteligente entre software e hardware – e entre os próprios componentes físicos.
O DGX Spark não é só um chip menor. Ele traz uma combinação de memória mais veloz, software otimizado para comunicação com a GPU e, provavelmente, soluções criativas de resfriamento.
As inovações que realmente têm potencial de transformar o mundo e impulsionar a humanidade vêm de um compromisso sério com a engenharia do silício. E o Vale do Silício precisa lembrar de onde veio – porque é isso que vai garantir que o software continue evoluindo.