Efeito Musk: ainda dá tempo para salvar o prestígio da marca Tesla?
É difícil encontrar um precedente de uma crise de marca causada por um nível tão alto de rejeição a um CEO

A principal pedra no sapato de Elon Musk não é nenhum mistério: é ele próprio. Há anos envolvido em polêmicas, o bilionário parece ter adotado a polarização como seu principal projeto.
Seja pela proximidade com Donald Trump, pela atuação como chefe do Departamento de Eficiência Governamental (DOGE) no governo dos EUA, por suas postagens no X/ Twitter ou mesmo por sua vida pessoal conturbada, sua popularidade só tem caído.
Isso tem causado impactos visíveis em sua principal marca voltada ao consumidor, a Tesla. Com as vendas em queda e os carros e lojas virando alvos de protestos nos EUA, a dúvida que fica é: ainda dá para recuperar o prestígio da pioneira dos veículos elétricos?
O balanço do primeiro trimestre, revela a dimensão do estrago: queda nos lucro de 71% em relação ao mesmo período do ano passado (que já era 55% menor que no ano anterior), resultado negativo em receita (-9,5%) e no lucro por ação (-37,7%).
As vendas dos principais modelos da Tesla caíram na Europa e na China, e a marca vem enfrentando uma concorrência cada vez mais acirrada nos EUA. A própria montadora já havia anunciado uma queda de 13% nas entregas globais de veículos no período. O preço das empresa também despencou, de quase US$ 490, em dezembro, para menos de US$ 250.
Na Califórnia – um dos mercados mais abertos à adoção de carros elétricos –, os registros de novos Teslas caíram 15%, mesmo com o crescimento de 7,3% do setor como um todo. As trocas por outros modelos dispararam, chegando a um aumento de até 250%, e o interesse por novos veículos da marca atingiu o nível mais baixo em anos.
O tão aguardado Cybertruck ficou abaixo das expectativas, passou por vários recalls e se tornou alvo de vandalismo ligado a protestos contra Musk. Lojas da Tesla têm sido cenário de protestos que associam diretamente a marca às posições políticas de seu CEO.
Em uma pesquisa realizada em março pelo Yahoo News/ YouGov, 67% dos entrevistados afirmaram que não comprariam nem alugariam um Tesla. Entre eles, 37% citaram Musk como o principal motivo.
SALVAR A MARCA TESLA OU MUDAR DE NOME?
É difícil encontrar um precedente de uma crise de marca causada por um nível tão alto de rejeição a um CEO. Mas, considerando o quanto a imagem de Musk está ligada à Tesla, a solução mais lógica seria justamente separar os dois.
Allen Adamson, cofundador da empresa de consultoria Metaforce, disse à NPR (rede pública de rádio dos EUA) que o ideal para a marca seria o CEO se afastar da empresa. “Essa seria a solução mais simples: [Musk dizer] ‘vou vender minha parte e me dedicar a outras coisas que me interessam’. E a nova gestão ficaria focada no que realmente importa.”
Mas isso parece improvável. O professor de marketing David J. Reibstein, da Wharton School, nos EUA, sugeriu ao “Business Insider” uma estratégia igualmente radical: a Tesla poderia mudar de nome e de logotipo e reconstruir sua imagem para voltar a atrair seu público original, formado, em grande parte por pessoas progressistas preocupadas com a crise climática.
Como exemplo, ele citou a companhia aérea ValuJet, que, após um acidente fatal na Flórida em 1996, comprou a AirTran Airways e abandonou o nome e a marca originais.

Essa também não parece uma opção realista. Mas vale lembrar que a SpaceX – outra empresa de Musk – vem registrando bons resultados e, até agora, tem escapado das críticas mais pesadas. Muitos atribuem isso à atuação da presidente e COO Gwynne Shotwell, que comanda o dia a dia da empresa.
Se Musk encontrasse alguém com esse perfil para liderar a Tesla, isso poderia ajudar a distanciar a marca de suas próprias polêmicas e restaurar a imagem de inovação e compromisso com o futuro. Também poderia acalmar investidores, que, além da preocupação com a reputação da marca, temem que Musk esteja simplesmente negligenciando a empresa.
SOLUÇÃO PASSA POR ADMITIR ERROS
Outra saída seria Musk se afastar das polêmicas políticas (há rumores de que vai deixar o cargo no DOGE em breve) e tentar reconstruir os laços da Tesla com o público que ele afastou. Isso levaria tempo e não há garantias de que funcionaria. Antes de mais nada, Musk teria que reconhecer que a marca está em risco e ser transparente quanto aos esforços para reverter essa situação.
Esse é um passo essencial em qualquer plano de recuperação de imagem – como mostram casos como o escândalo do “dieselgate” da Volkswagen, em 2015. A solução geralmente passa por admitir os erros, mostrar como estão sendo resolvidos, reforçar os valores da marca e compreender que a recuperação leva tempo.
As vendas dos principais modelos da Tesla caíram na Europa e na China.
Claro que nenhum desses casos é idêntico – os desafios de Musk e da Tesla são bastante específicos. Além disso, ele sempre foi resistente às estratégias tradicionais de comunicação de marca, preferindo depender do burburinho gerado por sua base de fãs fiéis. E, até certo ponto, essa tática funcionou.
Mesmo com os problemas recentes, as ações da Tesla ainda são negociadas com forte expectativa de crescimento, valendo mais de 100 vezes os lucros futuros. Muitos investidores continuam confiantes nos avanços da empresa em áreas como robótica e direção autônoma, segmentos menos afetados pela reputação pública da marca.
Em outras palavras: qualquer estratégia que envolva admitir a crise – e a responsabilidade de Musk nela – ainda parece distante. Até agora, ele tem seguido o roteiro típico dos tempos atuais diante de problemas evidentes: negar que eles existem.