Novo estudo começa a desvendar a habilidade do cérebro humano de aprender
Cientistas descobriram que, ao seguir diferentes regras durante o aprendizado, os neurônios conseguem fazer várias coisas ao mesmo tempo

Mesmo sem perceber, estamos formando novas memórias e aprendendo o tempo todo. Quando você começa a praticar um novo hobby, testa uma receita ou lê uma notícia recente, seu cérebro guarda muitas dessas informações por anos – às vezes, pela vida inteira. Mas como o cérebro aprende? Estudos inovadores conseguiram identificar algumas das “regras” que o cérebro segue para aprender.
O cérebro humano é feito de bilhões de células nervosas. Esses neurônios conduzem impulsos elétricos que carregam informações – parecido com o que os computadores fazem com seus códigos binários. Esses impulsos são enviados de um neurônio para o outro por meio das sinapses, que são as conexões entre eles.
Cada neurônio tem ramificações chamadas dendritos, que recebem milhares de sinais elétricos de outras células. Esses sinais seguem para o corpo do neurônio, onde são processados e integrados. A partir disso, o neurônio gera seus próprios impulsos elétricos.
É a atividade coletiva desses impulsos, em grupos específicos de neurônios, que cria as representações das informações e experiências no cérebro.
Por décadas, cientistas acreditavam que o modo como o cérebro aprende seria modificando as conexões entre neurônios. Novas informações e experiências mudam a forma como os neurônios se comunicam, fortalecendo algumas conexões sinápticas e enfraquecendo outras. Esse processo é conhecido como plasticidade sináptica, e é assim que o cérebro representa novas memórias e aprendizados.
Mas, para que o cérebro represente essas informações de forma correta, as sinapses certas precisam ser modificadas do jeito certo, na hora certa. E até hoje, essas “regras” que o cérebro usa para decidir quais sinapses modificar ainda eram meio misteriosas.
DESCOBRINDO COMO O CÉREBRO APRENDE
Decidimos monitorar a atividade das sinapses individualmente, durante o aprendizado, para ver se era possível identificar algum padrão, algo que indicasse quais conexões iam se fortalecer ou enfraquecer.
Para isso, usamos uma técnica com biossensores, que foram programados dentro dos neurônios de camundongos. Esses sensores “acendiam” quando havia atividade sináptica e neural.
Com isso, conseguimos acompanhar tudo em tempo real, enquanto os camundongos aprendiam uma tarefa simples: pressionar uma alavanca até uma certa posição, depois de ouvirem um som, para receber água como recompensa.

O que nos surpreendeu foi perceber que as sinapses de um mesmo neurônio não seguem todas a mesma regra. Vimos que sinapses localizadas em diferentes pontos dos dendritos podiam seguir regras distintas para decidir se iriam se fortalecer ou enfraquecer.
Ou seja: um único neurônio pode usar dois conjuntos diferentes de regras de aprendizado ao mesmo tempo, em diferentes grupos de sinapses. Com isso, ele consegue afinar melhor os diferentes tipos de sinais que recebe e representar novas informações de forma mais precisa no cérebro.
Simplificando, isso quer dizer que, ao seguir regras diferentes durante o processo de aprendizado, os neurônios conseguem fazer várias tarefas ao mesmo tempo, com eficiência. Isso nos dá uma pista de como o cérebro aprende.
APLICAÇÕES FUTURAS
Essa descoberta ajuda a entender melhor como as conexões do cérebro mudam durante o aprendizado. Isso tem um grande potencial quando pensamos em doenças cerebrais, como problemas psiquiátricos e doenças degenerativas, que geralmente envolvem mau funcionamento das sinapses.
Um exemplo é a depressão, que pode estar ligada ao enfraquecimento excessivo de certas conexões em áreas do cérebro responsáveis por sentir prazer. Entendendo melhor como a plasticidade sináptica funciona normalmente, os cientistas estão mais perto de descobrir o que dá errado nesses casos – e, com isso, criar tratamentos mais eficazes.
ao seguir regras diferentes, os neurônios conseguem fazer várias tarefas ao mesmo tempo, com eficiência.
Essas descobertas também podem impactar o mundo da inteligência artificial. As redes neurais artificiais, que são a base da IA, foram inspiradas no funcionamento do cérebro. Mas hoje em dia, os algoritmos usam regras de aprendizado bem simplificadas – que nem são muito parecidas com as do cérebro humano.
Nosso estudo pode ajudar a criar modelos de IA mais realistas biologicamente, que sejam mais eficientes, mais potentes, ou ambos.
Claro que ainda tem muito caminho pela frente para conseguirmos usar tudo isso em novos tratamentos ou tecnologias. Mas a expectativa é que as próximas pesquisas ajudem a responder mais perguntas — e nos façam entender cada vez melhor como o cérebro aprende.
Este artigo foi republicado do "The Conversation" sob licença Creative Commons. Leia o artigo original