O futuro (do consumo) é emocional
Carla Buzasi, CEO da consultoria de tendências WGSN, apresenta os quatro perfis que vão moldar o consumo

O que vem depois da hiperconexão? Se depender das tendências mapeadas por Carla Buzasi, CEO da WGSN, a resposta está na emoção. Empresas devem estar preparadas para lidar com demandas emocionalmente contraditórias e complexas. è o futuro do consumo.
Em sua fala no Web Summit Rio 2025, a executiva provocou a audiência com a tese central do relatório de futuros da consultoria: viveremos um cenário no qual as marcas querem se conectar com consumidores que querem se desconectar.
"Não basta mais que um produto funcione ou seja bonito. Ele precisa nos fazer sentir algo", enfatizou. É o que ela chama de feel appeal – quando a capacidade de emocionar será pré-requisito para o sucesso. A WGSN identificou quatro perfis de consumidores que vão dominar o comportamento de consumo até 2027.
1. Menos pushes, mais intenção
O primeiro perfil apresentado foi o Privacy Keepers. Cansados da overdose de notificações, esses consumidores querem reconquistar o controle sobre seu tempo e atenção. Adeptos do ping minimalism (algo como minimalismo de notificações), valorizam marcas que tragam silêncio digital, segurança e exclusividade real.
Como exemplos do que dialoga com esse perfil, Buzasi trouxe restaurantes que só funcionam por boca a boca, curadoria personalizada, comunidades online com acesso limitado, caixas bloqueadoras de wi-fi e uma parceria de marca com a especialista em organização Marie Kondo, que ajuda os consumidores a “desentulhar” suas vidas digitais.

Políticas públicas também são parte do jogo: no Reino Unido, o governo proibiu anúncios de junk food antes das 21h, sinalizando que segurança digital e saúde mental já não são mais opcionais.
2. O retorno do analógico e do nostálgico
O segundo grupo apresentado foram os Conventionalists, que rejeitam o "modo turbo" da vida moderna. São os consumidores que voltaram a comprar discos de vinil, visitar livrarias e valorizar o retorno emocional sobre o esforço investido.
Cansados do “hustle eterno”, esses consumidores estão revalorizando o tempo, o descanso e o simples. Para eles, bem-estar não é luxo, é prioridade. Vale mais o simples bem feito.
O YES Club (no Reino Unido) oferece uma boate onde, ao entrar, o cliente recebe um adesivo para cobrir a câmera do celular – um lembrete de que viver o momento é mais importante que postar.

A rede de restaurantes Taco Bell, dos EUA, resgatou itens antigos do cardápio, dos anos 60 aos 2000, por apenas US$ 3, como parte da celebração dos 50 anos da marca. A ação não só ativou a memória afetiva dos consumidores como gerou buzz nas redes.
A Barnes & Noble, tradicional rede de livrarias dos EUA, reverteu a tendência do varejo digital: abriu 57 novas lojas físicas em 2023 e planeja abrir outras 60, um sinal claro de que o consumo tangível e sensorial está voltando com força.
3. Desconfiança e reinvenção
Já os New Independents, filhos da era da desinformação, acreditam mais em influenciadores do que em instituições. Para essa geração, governos e a grande mídia perderam a confiança. Em seu lugar, surgem influenciadores de nicho e iniciativas locais.
Eles exigem transparência radical e querem marcas verdadeiras, verificáveis e colaborativas. São consumidores que não acreditam mais só no rótulo, querem evidências. Pessoas antes do lucro é o lema por trás desse engajamento.

Também valorizam o "faça você mesmo”. Na Califórnia, uma nova legislação permitiu que microempreendedores vendessem refeições feitas em casa diretamente ao consumidor. Isso reacendeu o mercado local e reconectou o ato de se alimentar com relações humanas.
Aplicativos como o Yuka, que escaneia alimentos e produtos de beleza para avaliar seu nível de processamento, viraram referência. A marca de bicicletas Specialized lançou um programa que convida consumidores a levar qualquer bicicleta usada, de qualquer marca, para manutenção gratuita, sob a promessa de colocar um milhão de pessoas de volta às ruas.
4. Pequenas alegrias importam (muito)
Enquanto o mundo se complica, os Energizers buscam na simplicidade uma forma de respiro emocional. Para eles, a alegria é essencial, um antídoto contra a ansiedade moderna. Pequenos momentos de prazer (os glimmers) e micro momentos de felicidade são vistos como formas legítimas de conexão mais valiosas que grandes ativações. Enxergam o brincar como um direito universal.
A marca chinesa de cosméticos Rom&nd fez um lançamento inusitado: uma coleção em colaboração com a Heinz Ketchup. E esgotou. O recado? Sutileza, humor e afeto vendem. Até o despertar virou experiência. A Nintendo lançou um despertador que toca temas clássicos da marca e celebra o usuário ao sair da cama.

Carla encerrou sua fala deixando pistas estratégicas para as empresas que desejam se conectar com esses novos perfis. Projetar momentos de calma em um mundo caótico, desenvolver experiências off-line que reconectem as pessoas ao presente, construir confiança com autenticidade e evidências e levar alegria a ações cotidianas.
O desafio está lançado: na era da inteligência artificial, as marcas estão sendo chamadas a assumir esse papel de regulação emocional e criar vínculos emocionais genuínos. Quem entender isso primeiro sairá na frente.