Guerra comercial: abatidas, pequenas empresas dos EUA temem o pior

Alguns negócios temem que a disputa tarifária em curso, que coloca em polos opostos China e EUA, poderá tirá-los do mercado em questão de meses; trégua por 90 dias pode demorar a gerar efeito nas PMEs

Guerra comercial: abatidas, pequenas empresas americanas temem o pior
Gremlin via Getty images

Redação Fast Company 6 minutos de leitura

Grandes encomendas canceladas. Contêineres de produtos abandonados no exterior. Sem previsão para o que vem a seguir. O governo americano aumentou as tarifas sobre produtos da China para 145% no início de abril. Desde então, pequenos empresários que dependem de importações da China para sobreviver estão cada vez mais desesperados, diante da redução dos estoques e da disparada das faturas.

Na segunda-feira (12), autoridades americanas e chinesas anunciaram um acordo para reverter a maioria de suas tarifas recentes e estabelecer uma trégua de 90 dias na guerra comercial para novas negociações sobre a resolução de suas disputas comerciais.

O representante Comercial dos EUA, Jamieson Greer, afirmou que os EUA concordaram em reduzir sua alíquota tarifária de 145% sobre produtos chineses em 115 pontos percentuais, para 30%, enquanto a China aceitou reduzir sua alíquota sobre produtos americanos na mesma proporção, para 10%.

A notícia foi bem recebida pelo mercado de capitais. O problema está no impacto já causado pela guerra comercial deflagrada por decisões tomadas pelo governo republicano em outras esferas econômicas.

Ainda que o mercado de ações esteja se reerguendo diante do recuo sobre o tarifaço, para pequenas empresas que operam com margens de lucro mínimas, esse vai e vem está causando uma grande turbulência. Alguns dizem que podem estar a apenas alguns meses de fechar completamente.

SUFOCO EM EMPRESA FAMILIAR DE JOGOS


Os fabricantes de jogos são particularmente suscetíveis às tarifas, já que a maioria dos jogos e brinquedos vendidos nos EUA são fabricados na China, de acordo com a The Toy Association.

A WS Game Co., com sede em Manchester-by-the-Sea, Massachusetts, é uma empresa familiar que licencia jogos de tabuleiro da Hasbro, como Banco Imobiliário, Candy Land e Scrabble, e cria versões de luxo deles. Sua linha de jogos mais popular vem em caixas que parecem livros antigos e custa US$ 40.

Os jogos da empresa foram apresentados na lista de Coisas Favoritas da Oprah em 2024 e vendidos em 14.000 lojas na América do Norte, de grandes redes nacionais a lojas familiares, disse o proprietário Jonathan Silva, cujo pai fundou a empresa em 2000.
Toda a produção da WS Game é feita na China. As tarifas interromperam bruscamente os últimos 25 anos de crescimento saudável.

À BEIRA DA INSOLVÊNCIA

Nas últimas três semanas, a WS Game teve três contêineres de jogos prontos, avaliados em US$ 500.000, retidos na China. Perdeu pedidos de três dos maiores varejistas dos EUA, totalizando US$ 16 milhões em negócios. E não há muito que Silva possa fazer a respeito.

"Como uma pequena empresa, não temos condições ou capacidade para mudar a produção de repente", disse Silva, que tem 22 funcionários. As tarifas, segundo ele, "interromperam nossos negócios e nos colocaram à beira da insolvência" e estima que terá cerca de quatro meses para se manter à tona se nada mudar.

"Estamos realmente torcendo para que as cabeças mais frias prevaleçam", disse Silva.

SEM TEMPO PARA MUDAR CADEIRA DE PRODUÇÃO


Jeremy Rice é coproprietário da House, uma loja de decoração em Lexington, Kentucky, especializada em arranjos de flores artificiais para o lar. Cerca de 90% das flores que sua empresa utiliza são feitas na China.

Rice utiliza dezenas de fornecedores. Os maiores estão absorvendo parte do custo das tarifas e repassando o restante. Um fornecedor está aumentando os preços em 20% e outro em 25%. Mas Rice espera que os fornecedores menores aumentem os preços em porcentagens muito maiores.

A House oferece flores artificiais de médio porte. Uma hortênsia grande pode ser vendida por US$ 10 a US$ 16, por exemplo. A China é o único lugar que fabrica flores de seda de alta qualidade. Um fornecedor levaria anos para abrir uma fábrica em outro país ou transferir a produção para outro lugar, diz Rice.

O empresário da House encomendou sua decoração natalina no início deste ano. Mas, mesmo depois de se abastecer antes das tarifas, ele só tem estoque de flores do dia a dia suficiente para durar de dois a três meses.

"Depois disso, não sei o que vamos fazer", lamenta Rice. Ele está preocupado que a guerra comercial acabe com um monte de lojas familiares, semelhante ao que aconteceu na Grande Recessão e na pandemia. "Não há para onde recorrer, não há nada a fazer".

NEM CASA DE CHÁS ESCAPA


Uma casa de chá em uma cidade universitária de Michigan também está no meio da disputa tarifária em curso.

"Isso basicamente me deixou com um aperto no estômago", relata Lisa McDonald, proprietária da TeaHaus, localizada em Ann Arbor, sede da Universidade de Michigan. Ela proprietária da TeaHaus há quase 18 anos e vende chá para clientes em todos os EUA.

Os americanos consumiram cerca de 86 bilhões de porções de chá em 2024, de acordo com a Associação de Chá dos EUA. Quase todo esse volume é importado, já que o chá não é cultivado em larga escala nos EUA, devido a fatores que vão do clima ao custo.

Lisa importa chá de folhas soltas da China, Índia, Quênia, Sri Lanka e outros países. Sua base de clientes é "de todos os EUA e do mundo". Mas ela se preocupa com o limite para o que eles gastarão. Seus chás premium podem custar até US$ 33 por um sachê de 50 gramas.

"Acho que não consigo cobrar US$ 75 por um sachê de chá de 50 gramas, não importa o quão incrível seja", explica a dona da TeaHaus.

A empreendedora entende a justificativa de Trump para querer usar tarifas para estimular a produção nos EUA, mas afirma que isso não se aplica à indústria do chá.

"Não podemos cultivar chá nos EUA na medida em que precisamos. Não podemos simplesmente virar a indústria e 'tornar o chá ótimo novamente' nos Estados Unidos. Isso simplesmente não pode acontecer", aponta.

MERCADO DE ACESSÓRIOS PARA CARROS


A empresa de Jim Umlauf, a 4Knines, com sede em Oklahoma City, fabrica capas para assentos de veículos e revestimentos para carga para donos de cães e outras pessoas. Para isso, há a necessidade de matérias-primas como tecidos, revestimentos e componentes da China.

Umlauf tem explorado a produção em outros países além da China desde 2018, quando Trump instituiu pela primeira vez uma tarifa de 25% sobre produtos chineses, mas encontrou dificuldades. Enquanto isso, a 4Knines absorve o custo extra, que, segundo Umlauf, limitou seu crescimento e comprimiu suas margens.

Agora, as novas tarifas tornam quase impossível fazer negócios. A demanda existe, mas a empresa não tem condições de importar mais produtos.

"Temos apenas uma quantidade limitada de estoque restante e, sem alguma ajuda, ficaremos sem estoque em breve", disse Umlauf.

Como proprietário de uma pequena empresa que trabalhou arduamente para desenvolver uma marca de alta qualidade, criar empregos e contribuir para a comunidade, Umlauf está frustrado. Ele tentou entrar em contato com a Casa Branca e outros tomadores de decisão para pedir apoio às pequenas empresas. Mas não obteve nenhuma resposta.

"É hora de os formuladores de políticas considerarem o impacto total das políticas comerciais não apenas nos preços das ações ou na competitividade global, mas também nas pessoas que realmente administram as pequenas empresas", disse ele. (Associated Press - por Mae Anderson, jornalista de negócios da AP, com Mike Householder, videojornalista da AP em Detroit)



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