5 perguntas para Matthew Iklé, cientista-chefe da SingularityNET e da ASI Alliance
Com mais de duas décadas de pesquisa em matemática, computação e IA, ele é uma das principais vozes em defesa de uma IA descentralizada e aberta

As regras que vão pautar a próxima era da inteligência artificial não podem ser decididas a portas fechadas. Para o cientista-chefe da plataforma de IA descentralizada SingularityNET e conselheiro da Artificial Superintelligence Alliance (ASI) Matthew Iklé, se não for assim, corremos o risco de repetir os erros de concentração de poder das big techs.
Com mais de duas décadas de pesquisa em matemática, ciências computacionais e IA, Iklé é uma das principais vozes internacionais em defesa de uma inteligência artificial descentralizada e aberta. Ele lidera a SingularityNET, uma plataforma que usa blockchain para apoiar serviços de inteligência artificial descentralizada.
Também faz parte da ASI Alliance, o maior consórcio independente e de código aberto dedicado ao desenvolvimento da inteligência artificial geral (IAG) e, futuramente, de superinteligência artificial (SIA). A ambição do grupo é usar os protocolos abertos para desenvolver IA de forma compartilhada.
Na entrevista à Fast Company Brasil, Iklé fala sobre os riscos da centralização, a coevolução entre humanos e máquinas e as perguntas fundamentais que ainda não conseguimos responder – nem com os melhores algoritmos.
FC Brasil – Muitos pesquisadores estão focados em alcançar a inteligência artificial geral, mas você parece igualmente preocupado com o que vem depois. Uma vez que ultrapassarmos esse limite, o que acontece? Que tipo de inteligência ou civilização está por vir?
Matthew Iklé – À medida que desenvolvemos a IAG, inevitavelmente seremos moldados por ela em um processo coevolutivo. Isso já está acontecendo: nos adaptamos à IA generativa atual ajustando nossos comandos para obter respostas melhores.
Fazíamos algo semelhante com mecanismos de busca, mas talvez hoje estejamos mais conscientes dessa adaptação. Com base nessas experiências, melhoramos nossos algoritmos. Esse processo de coevolução vai continuar, à medida que nós e nossas criações nos tornamos cada vez mais interligados.
"acredito que uma IA descentralizada tem mais potencial para ser aberta, adaptável e benéfica para mais pessoas."
Como será esse futuro? Seremos codependentes ou a IAG vai conquistar uma independência completa, como esperamos de nossos filhos? Nesse sentido, vejo a IAG como uma continuação da espécie humana, da mesma forma que nossos filhos continuam nossa linhagem genética.
Assim como desejamos que eles sejam mais inteligentes e bem-sucedidos do que nós, espero que uma inteligência artificial geral seja capaz de resolver problemas que os humanos nunca conseguiram, como a guerra e a pobreza.
FC Brasil – Na sua visão, quão perto realmente estamos da inteligência artificial geral? O que sustenta essa percepção?
Matthew Iklé – Acredito que estamos próximos. Dito isso, evito dar prazos, pois previsões que fiz no início dos anos 2010 se mostraram excessivamente otimistas.

O que me leva a crer que estamos perto é a convergência de várias ideias fundamentais sobre dinâmicas de sistemas complexos e a compreensão de fenômenos emergentes. Estamos nos aproximando de entender como poucos elementos químicos, em certas condições ambientais, deram origem à primeira célula viva.
Da mesma forma, estamos mais informados sobre como a mente pode ter surgido. Claro, isso não significa que temos todas as respostas. Talvez nunca teremos. Como acontece com a origem do universo, quanto mais aprendemos, mais percebemos o quanto ainda não sabemos.
FC Brasil – A SingularityNET sempre defendeu a IA descentralizada como base para a construção da inteligência artificial geral. Por que a descentralização é mais do que uma escolha técnica? Quais riscos corremos se a IAG permanecer nas mãos de poucos?
Matthew Iklé – Essa pergunta me lembra uma famosa frase de Winston Churchill: "a democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as outras."
Tanto sistemas centralizados quanto descentralizados têm vantagens e desvantagens, e o mesmo vale para o desenvolvimento da IA. A centralização permite mais controle e decisões rápidas, o que pode ser bom, mas também pode favorecer o autoritarismo e limitar ideias inovadoras vindas da coletividade.
"a IAG, como qualquer outra criação humana, vai refletir quem somos como espécie."
Já a descentralização, embora possa gerar caos, também oferece abertura, diversidade e flexibilidade. Tecnologias como blockchain ainda estão longe de ser perfeitas, mas já trazem mais transparência e verificabilidade.
Enxergar esse equilíbrio entre ordem e liberdade é fundamental. No fim, acredito que uma IA descentralizada tem mais potencial para ser aberta, adaptável e benéfica para mais pessoas.
FC Brasil – Você já disse que entender a origem da vida, da mente e dos sistemas complexos é essencial para desenvolver a IAG. Quais são as perguntas mais urgentes, técnicas ou filosóficas, que ela poderá responder?
Matthew Iklé – Um estudo recente da ASI Alliance mostrou que dois em cada cinco norte-americanos estão preocupados com a falta de transparência e prestação de contas no desenvolvimento da IA.

Quase metade acredita que essa tecnologia está sendo criada por e para uma elite, principalmente as big techs. Mais da metade sente que perdeu o controle sobre o papel que a IA terá em suas vidas nos próximos cinco a 10 anos.
Diante desse cenário, a ASI Alliance está promovendo um chamado por uma inteligência artificial geral benéfica e por um diálogo aberto com a sociedade, antes que governos e grandes empresas determinem, sozinhos, o rumo da próxima era da inteligência.
FC Brasil – Para além dos algoritmos: o que precisa mudar nas instituições, nas formas de colaboração ou até no nosso modo de pensar para que a IAG não seja apenas possível, mas também benéfica e inclusiva?
Matthew Iklé – Essa é uma pergunta difícil. No fim das contas, a IAG, como qualquer outra criação humana, vai refletir quem somos como espécie. Estive no museu de história em Istambul no ano passado e saí de lá lembrando tanto da nossa capacidade de criar coisas grandiosas quanto da nossa habilidade de cometer atrocidades.
A chave está em aprendermos a colaborar melhor. Como disse antes, o desenvolvimento da inteligência artificial geral será um processo coevolutivo entre nós, a tecnologia e os seres vivos. Para isso, precisamos transformar nosso próprio olhar: reconhecer nosso lado sombrio, mas escolher agir a partir do que temos de melhor.
Como otimista que sou, acredito que isso é possível. E, mesmo que não seja, é algo pelo qual vale a pena lutar.