Dupla jornada atrapalha mulheres na hora de investir e empreender

Ao todo, 9 entre 10 mulheres sofrem os efeitos no bolso ao terem de se dividir entre trabalho e os cuidados com a casa, aponta pesquisa da Serasa e Opinion Box

Preocupações femininas com carreira e família dificultam evolução financeira
Deagreez via Getty Images

Paula Pacheco 6 minutos de leitura

Um dos reflexos das jornadas exaustivas das mulheres, sobrecarregadas pelas atividades domésticas e familiares, está no bolso. A cada 10 brasileiras, 9 não progridem financeiramente por conta do acúmulo de responsabilidades em casa e no trabalho. Com isso, elas têm a capacidade de geração de renda e de empreender comprometida.

A DUREZA DA DUPLA JORNADA

Este é um dos dados da pesquisa feita pela Serasa, em parceria com a Opinion Box, que mais chama a atenção. A dupla jornada, que leva à divisão do tempo entre os cuidados com a casa e a vida profissional, é uma barreira para seu avanço financeiro e sucesso no empreendedorismo. Envolvidas nessa realidade, as mulheres têm dificuldade para alcançar a independência financeira.

PEDRA NO DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL

Segundo o levantamento, a combinação dessas duas condições reflete na trajetória profissional e financeira feminina. O tempo e a energia despendidos na administração do lar e no cuidado com a família, aponta a pesquisa, acabam por restringir as chances de se dedicar ao desenvolvimento profissional, disseram quase 1.400 das brasileiras entrevistadas.

Com menos tempo e maior desgaste diário, segundo a pesquisa, resta pouco investir direta ou indiretamente na carreira. Por exemplo:

- Na busca por qualificação.

- Na expansão de redes de contato (networking).

- Na prospecção de melhores colocações no mercado de trabalho.

NA BASE DO BICO

Os dados da Serasa e da Opinion Box levam mostram o efeito das condições de vida da maioria das mulheres. A necessidade de complementar a renda leva sete em cada dez mulheres a se apoiar em trabalhos informais. Entre eles, a revenda de produtos (o antigo porta-a-porta) ou recorrer a serviços de limpeza, que não representam estabilidade ou o potencial de crescimento profissional para a maioria.

Ainda segundo o levantamento, 71% das mulheres precisaram realizar algum "bico”. Entre as principais motivações estão:

- A percepção de uma oportunidade de renda a curto prazo (36%).

- O desejo de conseguir algo para os filhos (23%).

- A constatação de que o salário principal não era suficiente (20%).

As dificuldades também aparecem no ambiente do empreendedorismo feminino.

Um levantamento da Serasa apresentado em março do ano passado aponta que 73% das mulheres que procuram se estabelecer como empreendedoras admitem que o trabalho doméstico não remunerado dificulta suas atividades à frente do próprio negócio.

Muitas cobiçam o empreendedorismo pelo sonho de ter a própria empresa (38%) ou pela busca por uma autonomia maior de horários e regras (26%), já que a demanda por atividades de casa toma muito tempo.

Essa pressão persiste mesmo entre as pequenas empreendedoras, ou seja, que já conseguiram iniciar a jornada à frente de um negócio. Segundo a Serasa, 74% das pequenas empreendedoras precisam acumular a rotina ao trabalho informal para complementar a renda.

AS MULHERES E O DINHEIRO

Outro levantamento feito pela Serasa com a Opinion Box, em fevereiro deste ano, confirma a relevância feminina. Uma a cada três lidera as finanças familiares.

Ainda segundo a pesquisa, 9 (93%) em cada 10 participam ativamente das decisões econômicas familiares. Desse total, 33% são as únicas responsáveis pelas contas e decisões financeiras da casa e 60% dividem essa tarefa com outros membros.

Quanto menor a renda familiar, maior a chance de a mulher ser a única gestora. Em lares de baixa renda, aponta o levantamento, 43% das mulheres assumem essa responsabilidade sozinhas, percentual que cai para 26% na renda média e 18% na alta renda.

MULHERES SÃO ORGANIZADAS

Apesar de tantos recursos tecnológicos, 55% das mulheres entrevistadas fazem o controle de gastos principalmente de forma manual. Elas dão preferência a planilhas, cadernos e similares. Neste contexto, destaca-se o fato de 80% organizarem o pagamento de contas com antecedência.

Os dados mostram também que são elas que desempenham um papel decisivo no planejamento do orçamento familiar. Ao todo, 64% são as maiores responsáveis pela organização dos gastos familiares e 62% participam das decisões sobre investimento ou poupança. O planejamento financeiro da família é feito por 54% das entrevistadas.

Mesmo com tantas responsabilidades, apenas 3 em cada 10 entrevistadas se consideram bem entendidas de finanças. Por isso, 79% afirmam buscar mais conhecimento ativamente por meio de redes sociais, sites e apps de bancos.

Apesar de a trajetória de evolução ainda ser longa, há um otimismo: 81% acreditam que as mulheres estão ganhando mais espaço no mercado financeiro. Além disso, ver outras mulheres falando sobre finanças gera confiança e representatividade para 74% delas.

As mulheres entrevistadas mostram apontam que os maiores desafios financeiros são a dificuldade em obter crédito ou financiamento (47%), o endividamento (31%), a falta de controle sobre as finanças (18%), a carência de educação financeira (17%) e a desigualdade salarial (15%).

A percepção para 87% das entrevistadas é de que o papel econômico da mulher ainda é subestimado.

SOBRECARGA: FRUTO DA DISTRIBUIÇÃO DESIGUAL

A planejadora financeira Lai Santiago aponta que o ponto de partida em um contexto de sobrecarga de trabalho é reconhecer que não se trata de culpa individual. “É resultado de um sistema que ainda distribui desigualmente as responsabilidades do cuidado.” A partir daí, completa a especialista, o caminho não é fazer mais com menos tempo, mas fazer escolhas intencionais.

Segundo Lai, reduzir a influência da sobrecarga passa por três frentes. A planejadora financeira sugere adotar a negociação e a redistribuição das tarefas de casa, buscar apoio em redes de mulheres empreendedoras ou grupos de apoio financeiro e automatizar ao máximo a rotina financeira e administrativa do negócio, para evitar que as finanças se percam no caos do dia a dia.

“Isso significa, por exemplo, ter uma rotina fixa de organização semanal, usar ferramentas simples como planilhas ou apps, e trabalhar com metas realistas”, sintetiza.

DÁ PARA VIRAR O JOGO

Mesmo em desvantagem em relação à geração de renda, Lai acredita que é possível tomar algumas medidas.

O primeiro passo, alerta, é saber exatamente para onde o dinheiro está indo, mesmo que seja com anotações rápidas no celular. O segundo é separar o dinheiro do negócio do dinheiro pessoal, o que ajuda a enxergar com mais clareza e evitar o ciclo de usar o cartão como extensão da renda.

“Depois disso, completa a especialista, mesmo que não seja possível investir ainda, criar o hábito de guardar nem que seja R$ 10 por semana já muda a relação com o dinheiro”, sugere. Com o tempo, completa a educadora financeira, a própria organização vai abrindo espaço mental e prático para pensar em formas de aumentar a renda, estudar ou buscar melhores oportunidades.

MULHERES INVESTIDORAS

Para quem está começando e ainda tem pouco espaço no orçamento, segundo Lai, o ideal é buscar ativos acessíveis, seguros e com liquidez. Tesouro Direto (Tesouro Selic para reserva de emergência, Tesouro Renda+ para aposentadoria) são algumas portas de entrada.

"Também vale conhecer os fundos de investimento com aplicação mínima baixa, como os oferecidos por corretoras digitais, que permitem diversificação com pouco dinheiro", diz a especialista. O mais importante, destaca, é criar o hábito antes de esperar ter muito dinheiro disponível. "Pequenos valores investidos com constância geram disciplina. Isso muda tudo", ensina.


SOBRE A AUTORA

Paula Pacheco é jornalista old school, mas com um pé nos novos temas que afetam, além do bolso, a sociedade, como a saúde do planeta. saiba mais