Cleber Paradela: “Temos uma habilidade rara de tirar alegria até de onde não tem”

Reconhecido como o principal evento da publicidade mundial, o Festival Internacional de Criatividade Cannes Lions acontece de 16 a 20 de junho, reunindo as mentes mais brilhantes e influentes desse mercado.
Este ano em sua 72ª edição, o festival vai homenagear o Brasil, primeiro país a receber o título de País Criativo do Ano. A premiação, inédita, reconhece o impacto de um país no universo da criatividade, valorizando seus talentos e sua cultura local.
Como parte da homenagem, o festival terá uma programação especial dedicada ao Brasil, incluindo ativações pela cidade, eventos e exibições.
A Fast Company Brasil convidou alguns dos principais nomes do mercado publicitário nacional para falar sobre o papel da força criativa do Brasil no mundo.
Nesta entrevista, conversamos com Cleber Paradela, vice-presidente de conteúdo e inovação da DM9.
Fast Company Brasil – A que você atribui a vocação brasileira para a criatividade?
Cleber Paradela – Tem muito a ver com a nossa história de fazer muito com pouco, de sobreviver na escassez. A gente cresceu em um país marcado por desigualdade, inflação, crises e falta de acesso.
Tudo isso acabou moldando uma mentalidade criativa por necessidade. Quando o recurso falta, a ideia entra em cena. E o brasileiro é mestre nisso: improvisa, adapta, inventa. Criatividade aqui nunca foi sobre ter todas as ferramentas, mas sobre achar um jeito.
Mas não é só sobrevivência. O brasileiro tem uma capacidade absurda de se engajar com o que aparece. Desde os primeiros tempos da internet, a gente já estava entre os que mais usavam redes sociais, que mais comentavam, que mais passavam conteúdo para frente.
E não é só consumo, é participação ativa. A gente transforma tudo em conteúdo. Qualquer assunto, por mais duro que seja, vira piada, vira meme, vira vídeo. Temos uma habilidade rara de tirar alegria até de onde não tem.
Isso cria um ambiente único para a criatividade florescer. Porque não basta ter uma boa ideia – ela precisa entrar na cultura. No Brasil, se a ideia é boa, ela corre rápido, viraliza, ganha novas versões. É um dos melhores lugares do mundo para testar o que é relevante de verdade.
Fast Company Brasil – Na sua opinião, quais campanhas ou ações ajudam a ilustrar essa vocação?
Cleber Paradela – Tem duas campanhas recentes que, para mim, traduzem bem essa criatividade brasileira que sabe rir de si mesma e transformar o improvável em algo genial.
A primeira é a de TRESemmé com Maria Bethânia e Sabrina Sato. Bethânia sempre foi conhecida, além da sua profundidade artística, pelos cabelos esvoaçantes – e, muitas vezes, de forma jocosa.
Nessa ação, ela topa falar justamente sobre os cabelos... para dizer que não vai usar o produto anti-frizz. Ou seja, a marca paga para uma das maiores artistas do país – que nunca topa fazer propaganda – para dizer que não precisa e não vai usar o produto.
Isso, somado ao contraste com Sabrina, traz um nível de leveza improvável que só funciona porque é Brasil. É uma piada interna que o público entende de primeira. Em qualquer outro mercado, a campanha não passaria nem do papel.
Provavelmente nem deve ir para Cannes, porque é local, cheio de camadas culturais difíceis de traduzir, mas genial para todos os brasileiros. E por isso participa de algo poderoso: das conversas. Viraliza, gera engajamento, entra na cultura.
Outro bom exemplo é o iFood, que convocou famosos e influenciadores para protestar contra o próprio nome. “iFood? Mas vocês entregam farmácia, mercado, petshop…” É uma crítica ao naming feita pela própria marca, com bom humor e coragem de virar o jogo.
O brasileiro tem essa leitura que vai além do literal e adora quando a marca assume o deboche. São campanhas que não precisam se explicar demais, porque confiam na inteligência cultural do público.
Esses exemplos mostram que, no Brasil, a boa ideia não é a mais polida. É a que entende o contexto, se joga no improviso e vira assunto.