Fique atento: seu médico pode estar fazendo um bico como influencer no TiKtok
Em 2020, o médico Muneeb Shah começou a fazer postagens no TikTok para matar o tédio. Como residente do departamento de dermatologia na Universidade Campbell, no estado da Carolina do Norte (EUA), pensou em fazer vídeos sobre as dúvidas mais comuns de seus paciente em relação a problemas de pele.
Dois anos depois, Shah continua postando o mesmo tipo de conteúdo na plataforma, mas agora com 13,8 milhões de seguidores.
“Achei que se mostrasse quais produtos são bons, quais ingredientes evitar, se falasse um pouco sobre as doenças mais comuns, isso ajudaria as pessoas a tomarem decisões melhores sobre os cuidados com a pele, com a saúde e, assim, economizar dinheiro, além de evitar cair naquelas pegadinhas de marketing”, conta o médico.
A American Medical Association (AMA – Associação Médica Americana) tem um conjunto de diretrizes a serem seguidas pelos médicos nas redes sociais, mas elas focam mais em temas como ética e proteção à privacidade dos pacientes. O que não está bem claro é como os profissionais devem lidar com questões como endosso a determinadas marcas, a diferença entre recomendação médica e informação pura e simples, entre outras que surgem quando se está produzindo conteúdo em redes sociais.
INFLUENCIADORES PODEM GANHAR UM EXÉRCITO DE SEGUIDORES SEM QUE HAJA QUALQUER PROCESSO DE VERIFICAÇÃO.
Para tornar as coisas ainda mais complicadas, temos a questão da quantidade de pessoas navegando pelas grandes redes sociais, como o próprio TikTok, e de como alguns influenciadores ganham um exército de seguidores sem que haja qualquer processo de verificação.
“Enquanto ficamos aqui discutindo coisas como genética e clonagem, as coisas estão acontecendo nas redes sociais. Isso tem um impacto significativo nos cuidados com a saúde e no modo como as pessoas veem a medicina”, diz Dom Sisti, professor assistente do departamento de ética médica e políticas de saúde na Universidade da Pensilvânia.
O QUE CONTA É O CLIQUE
Segundo ele, a pandemia mostrou que há profissionais inescrupulosos, dispostos a dizer praticamente qualquer coisa que ajude a atrair mais seguidores. Para Sisti, as plataformas não estão fazendo o suficiente para combater a desinformação sobre temas de saúde. “Elas não se importam com códigos de ética. É só ‘os anunciantes terão mais cliques?’. Não tem nada a ver com o púbico. Nem com os influenciadores, para falar a verdade. Eles também são como um tipo de produto à venda”, critica o professor.
Alguns médicos, como Ifey Ifeanyi, anestesiologista no Centro de Câncer MD Anderson, em Houston, Texas (sim, é minha irmã e serviu, em parte, como inspiração para esta matéria), se preocupam com a possibilidade de os pacientes usarem as informações que recebem pelas redes sociais como desculpa para não procurar atendimento.
OS INFLUENCIADORES TAMBÉM SÃO COMO UM TIPO DE PROUTO À VENDA.
“Os médicos já têm dificuldade suficiente em convencer os pacientes a fazerem exames preventivos e receberem cuidados primários. Sinto que se informar pelo TikTok ou pesquisar no Google dá às pessoas uma desculpa a mais para não buscar atendimento de saúde”, lamenta Ifeanyi.
Claro que a participação de médicos nas redes sociais pode ter impacto positivo, no sentido de prover informação de qualidade para o cidadão comum. Muitos, de fato, vêm fazendo isso muito bem. No entanto, o cruzamento entre a bioética e as mídias sociais permanece uma zona cinzenta.