Diego Dumont: “A autoconfiança em nossa energia criadora não se abala por qualquer coisa”

Reconhecido como o principal evento da publicidade mundial, o Festival Internacional de Criatividade Cannes Lions acontece de 16 a 20 de junho, reunindo as mentes mais brilhantes e influentes desse mercado.
Este ano em sua 72ª edição, o festival vai homenagear o Brasil, primeiro país a receber o título de País Criativo do Ano. A premiação, inédita, reconhece o impacto de um país no universo da criatividade, valorizando seus talentos e sua cultura local.
Como parte da homenagem, o festival terá uma programação especial dedicada ao Brasil, incluindo ativações pela cidade, eventos e exibições.
A Fast Company Brasil convidou alguns dos principais nomes do mercado publicitário nacional para falar sobre o papel da força criativa do Brasil no mundo.
Nesta entrevista, conversamos com Diego Dumont, diretor global de conteúdo criativo do The Absolut Group/ Pernod Ricard.
Fast Company Brasil – A que você atribui a vocação brasileira para a criatividade?
Diego Dumont – O senso comum costuma dizer que o brasileiro é criativo porque se torna um especialista em “se virologia” desde muito cedo, buscando saídas não convencionais diante das barreiras e dificuldades que enfrenta.
No entanto, também acredito que existam nações com muito mais escassez e adversidades do que o Brasil, mas com bem menos vocação criativa. Ou seja: nossa inventividade não vem apenas da necessidade.
Prefiro pensar que essa vocação é multifatorial e tem sua raiz, em primeiro lugar, em um repertório sociocultural tão rico, insano e intenso – exposto direta e indiretamente ao longo de nossas vidas – que é impossível passar imune a ele.
Não tem como pensar a publicidade criativa sem os novos agentes que vão além das agências e diretores de criação.
O Brasil é uma máquina de repertório cultural vivo e nada pasteurizado. Basta pisar para fora de casa e sair de nossas bolhas para ser envolvido por uma provocação diferente.
Desde a infância, o brasileiro é exposto a uma mistura descomunal de estímulos: ritmos e receitas que vêm de diferentes continentes, mitos, gírias e crenças que mudam de um bairro para outro, sotaques e histórias que se entrelaçam em relações das mais diversas. Tudo isso se mistura e fermenta um caldo cultural que molda nossa maneira de ver, sentir e interpretar o mundo.
Além do repertório, outro elemento fundamental é a busca por legitimação. Existe em nós a necessidade de provar que, apesar de nossa história colonial, somos um povo resistente, rebelde e capaz – que insiste e reinventa-se contra todas as probabilidades dizendo o contrário.
Nesse contexto, a criatividade surge como uma fada-malandrinha, oferecendo soluções inesperadas cheias de sagacidade onde parecia não haver saída.
Para fechar o tripé da nossa vocação criativa, há ainda nossa abertura ao novo. Somos um povo com quase nenhuma resistência à experimentação: se surge uma nova rede social, aderimos; se aparece um jeito diferente de fazer algo, afirmamos que damos conta – mesmo sem nunca ter tentado antes.
Uma vez, ouvi de uma chefe uma observação que levo como um troféu coletivo: "se você entrega um grande projeto a um executivo brasileiro, ele vai executá-lo. Talvez não do jeito que a empresa esperava ou como foi planejado inicialmente, mas uma solução criativa certamente surgirá."
A verdade é que somos uma nação constantemente desafiada orbitando entre dúvidas, realidade e diversão, rebuscando a razão e ordem no caos com uma certa ingenuidade e esperança de que vamos sempre encontrar um jeito para resolver as coisas mais tretas que surgirem.
Talvez isso seja um resumo da nossa vocação criativa – a nossa autoconfiança da energia criadora que não se abala por qualquer coisa.
Fast Company Brasil – Na sua opinião, quais campanhas ou ações ajudam a ilustrar essa vocação?
Diego Dumont – Não tem como pensar a publicidade criativa sem os novos agentes que vão além das agências e diretores de criação. Acredito que o Tropkillaz é um ótimo exemplo contemporâneo da vocação criativa brasileira e que está entendendo os grandes movimentos culturais a partir da música.

São artistas que conseguiram transformar o funk carioca em um produto cultural cada vez mais desejado por marcas globais como Apple, artistas de K-pop, franquias de games e muito mais.
Mas, se olharmos pela ótica da publicidade celebrada em Cannes, acho que os nossos melhores momentos acontecem quando conseguimos ler comportamentos reais, dizer algo divertido sobre o que as pessoas já fazem, quando conseguimos rir de nós mesmos, sem ofensa e sem excluir ninguém.
"Xixi no Banho" é uma dessas campanhas que moram no coração e no desejo de ter feito. Ela virou papo na cultura popular, mostrou que comunicação de ONG não precisa ser chata, moralista ou cheia de “não faça isso, não faça aquilo”. E o jeito de chegar nesse insight é bem aquela "gambiarra criativa" brasileira que a gente conhece tão bem. Campanha Xixi no Banho.