Fãs criticam MrBeast por uso de IA para criar thumbnails para o YouTube
Para muitos, a ferramenta representa exploração do trabalho de outros criadores e amplia ainda mais a desigualdade entre grandes e pequenos canais

Jimmy Donaldson – mais conhecido como MrBeast – é hoje o maior nome do YouTube. Com mais de 400 milhões de inscritos, ele lidera o ranking de canais da plataforma e se tornou uma verdadeira celebridade global. Seus vídeos o transformaram em um empresário bilionário, com um império avaliado em cerca de US$ 1 bilhão.
Mas o influenciador se envolveu em uma polêmica por causa do lançamento de uma nova ferramenta de IA criada para gerar thumbnails. Desenvolvida em parceria com a plataforma de análise Viewstats, a ferramenta foi promovida por Donaldson em vídeos (já deletados) como uma solução prática para criar capas chamativas para vídeos no YouTube – incluindo a função de trocar rostos e copiar estilos de thumbnails de vídeos populares.
A novidade, porém, não agradou a comunidade. Diversos youtubers e artistas acusaram MrBeast de incentivar o uso indevido do trabalho criativo de outros e de suas identidades visuais.
Um dos principais nomes a se posicionar foi Jacksepticeye (Seán McLoughlin), que teve seu logotipo e o estilo de suas thumbnails usados em materiais promocionais sem autorização. Ele classificou a prática como antiética e prejudicial para toda a comunidade criativa.
“Odeio o que essa plataforma está se tornando. Que se dane a IA”, publicou no X/ Twitter. Nem McLoughlin nem Donaldson responderam quando procurados pela Fast Company.
Após a repercussão negativa, Donaldson se pronunciou e prometeu ajustes. “Vou trabalhar para que ela seja uma ferramenta de apoio e inspiração para artistas – e não algo que os substitua”, escreveu no X/ Twitter. Apesar da tentativa de amenizar o caso, a polêmica ganhou força, provocando indignação e levantando um debate mais amplo sobre o uso de IA no processo criativo.
A situação mobilizou a comunidade do YouTube como poucas vezes se viu – e toca em uma questão recorrente na plataforma: a prática de copiar thumbnails. Mas por que, dessa vez, a reação foi tão intensa?
COMUNIDADE YOUTUBER CRITICA O EXEMPLO DE MRBEAST
“Há vários fatores em jogo aqui”, explica Jess Maddox, professora da Universidade do Alabama, nos EUA, que estuda as dinâmicas de plataformas como o YouTube. Segundo ela, por trás da controvérsia está algo que define bem o ambiente da plataforma: “um típico drama de YouTube”.
Sua comunidade costuma reagir em massa a tudo o que considera problemático. “O YouTube praticamente criou a cultura dos ataques coletivos online, em que todo mundo tenta se aproveitar da imagem ou fama de alguém”, diz Maddox. “Mas é difícil fazer isso com MrBeast – ele é tão grande e bem-sucedido que parece imune a cancelamentos.”

Além disso, o contexto tecnológico e o medo crescente em relação à automação também ajudam a explicar a reação acalorada. “A IA no universo dos criadores é um tema extremamente delicado no momento”, afirma Maddox. “Muitos veem essa prática como roubo. E há quem se orgulhe de não usar IA, dizendo que fazem tudo manualmente ou que pagam sua equipe de maneira justa.”
A decisão de MrBeast de lançar a ferramenta veio logo após o YouTube admitir que usou parte dos 20 bilhões de vídeos da plataforma para treinar o modelo Veo 3, do Google – o que pode ter alimentado ainda mais o mal-estar.
Apesar disso, uma pesquisa recente no Reino Unido mostra que até 80% dos criadores já utilizam IA para economizar tempo – em média, cerca de oito horas por semana.
NÃO É SÓ UMA QUESTÃO DE THUMBNAILS
“O problema não é só a ferramenta em si, mas tudo o que ela representa”, ressalta Dom Smales, cofundador do GloMotion Studios e referência no setor de entretenimento digital.
“Quando o maior criador da plataforma automatiza a criatividade usando o trabalho de outros, isso gera um incômodo real. Escancara o abismo que cresce entre os megacriadores e os menores. E isso precisa ser tratado com cuidado – afinal, o YouTube ainda é, acima de tudo, uma comunidade”, analisa Smales.
O YouTube admitiu que usou parte dos 20 bilhões de vídeos da plataforma para treinar o modelo Veo 3, do Google.
Essa combinação de fatores ajuda a entender por que as críticas foram tão duras e persistentes. “MrBeast tem dinheiro de sobra para pagar por esse tipo de trabalho. O fato de não fazer isso pega mal”, aponta Maddox. Além disso, cresce a preocupação de que ferramentas de IA possam agravar ainda mais as desigualdades já existentes.
“Se até o maior criador da plataforma está usando inteligência artificial, muitos temem que isso aumente a distância entre os grandes e os megacriadores – sem falar no abismo entre eles e os micro ou nanocriadores”, diz ela. “IA é, também, uma questão trabalhista. E pode tornar ainda mais injusta uma economia que já é desigual.”
Apesar disso, Smales alerta que a IA não deve ser demonizada – desde que usada com responsabilidade. “A inteligência artificial veio para ficar e pode ser uma grande aliada dos criadores, ajudando a democratizar a economia criativa”, afirma. “Estou construindo negócios que usam IA, mas acredito que isso deveria que ser feito junto com os criadores – e não ser imposto a eles.”