Documentário resgata história da mulher por trás do icônico slogan da L’Oréal
Nos anos 1970, Ilon Specht teve que lutar para emplacar o slogan “porque você merece”. Um curta premiado no Cannes Lions 2025 conta essa história
Em março, para marcar o Dia Internacional da Mulher, a L’Oréal e a agência McCann lançaram "The Final Copy of Ilon Specht", um curta-metragem de 18 minutos que traça o perfil da redatora publicitária responsável pela criação do célebre slogan da marca: “Porque eu mereço” (no original em inglês "Because I’m Worth It").
Há 50 anos, a frase se tornou o equivalente da L’Oréal ao “Just Do It” da Nike – um grito de empoderamento feminino que atravessou gerações. Mas o documentário, longe de ser um vídeo corporativo autocelebratório, mergulha na dura realidade da publicidade dos anos 1970 e no embate necessário para que a visão de Specht ganhasse vida.
Dirigido pelo vencedor do Oscar Ben Proudfoot, o filme expõe o ambiente sexista e excludente da indústria naquela época. À beira dos 80 anos durante as filmagens e com uma doença terminal, Specht fala sem rodeios sobre o machismo dos bastidores. “Estava com raiva. Não estou interessada em escrever nada sobre parecer bonita para homem nenhum. Dane-se”, diz ela em cena, encarando a câmera. “E dane-se você também”, dispara ao cinegrafista, homem.
O documentário venceu o Grand Prix na categoria Filme no Festival Cannes Lions da Criatividade e está disponível nas plataformas TED, AMC+ e Prime Video. Daryl Lee, CEO global da McCann, destaca o papel de Charlotte Franceries, presidente da McCann Paris, como peça-chave do projeto. “A Charlotte me disse: todos nós, na McCann e na L’Oréal Paris, nos beneficiamos da força da verdade de uma mulher – e ninguém conhece o nome dela”, relata Lee.
Um comercial que quase não existiu
No filme, descobrimos que o anúncio original da L’Oréal Preference quase não saiu do papel. A ideia de Specht — uma mulher falando por si, caminhando em direção à câmera — foi executada sem o aval dos superiores. A versão aprovada anteriormente era praticamente idêntica, mas com um homem dizendo as mesmas frases em nome da esposa, que caminhava ao seu lado, em silêncio. A memória ainda revolta Specht, que passou anos se recusando a falar sobre o assunto. Só aceitou participar do documentário depois que o diretor Ben Proudfoot recebeu carta branca criativa, segundo o produtor Brendan Gaul. “Nossa intenção sempre foi fazer um filme de verdade, não um comercial com cara de documentário”, afirma.
Essa decisão se refletiu na trajetória do filme, que percorreu o circuito de festivais antes de chegar ao público geral. Após estrear no Tribeca X em junho de 2024, The Final Copy venceu prêmios em festivais como HollyShorts, Lunenburg, Chelsea e Hot Springs.
Relevância que atravessa décadas
Charlotte Franceries explica que o projeto começou como uma reflexão sobre a atual relevância do slogan “Porque Eu Mereço”, que, após meio século, poderia estar perdendo o impacto junto ao público. “Precisávamos mantê-lo, mas dar a ele um significado mais forte”, diz. O documentário acabou sendo a peça mais eficaz para reforçar essa mensagem.
Desde seu lançamento, o filme já gerou mais de dois bilhões de impressões e aumentou em 70% a consideração pela marca entre quem o assistiu. Mas o impacto vai além de métricas: a produção também faz um mea-culpa, ao não suavizar o papel que tanto a L’Oréal quanto a McCann desempenharam em uma cultura corporativa que silenciava mulheres como Specht.
Daryl Lee vê nisso uma lição permanente. “O ponto cego sempre será a inclusão”, diz. “O mundo dos negócios hoje é velocidade, fluidez e escala. E você precisa se perguntar: ‘Estamos deixando alguém de fora? Essa pessoa poderia ser a chave para a verdade que buscamos?’”
Ilon Specht faleceu em abril de 2024, aos 81 anos, sem ver o filme finalizado. Mas sua mensagem continua ecoando. “Não me interesso por publicidade, não estou nem aí”, diz no encerramento. “Trata-se de pessoas. Ou todos nós valemos algo — ou ninguém vale.”
