A humanidade já passou por mais de um apocalipse. Que lições tiramos deles?

Para a jornalista científica Lizzie Wade, entender o colapso é o primeiro passo para a reconstrução de um mundo melhor

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Lizzie Wade 3 minutos de leitura

No recém-lançado livro "Apocalypse: How Catastrophe Transformed Our World and Can Forge New Futures" (Apocalipse: como catástrofes transformaram nosso mundo e podem forjar um novo futuro, em tradução livre), a jornalista e antropóloga Lizzie Wade propõe uma mudança de perspectiva radical: encarar o apocalipse não como o fim de tudo, mas como o fim de como vivíamos até agora.

Ao analisar episódios históricos de colapso, ela revela que as grandes rupturas, apesar de devastadoras, frequentemente abrem caminho para profundas transformações sociais, políticas e culturais. Em tempos de pandemia, crise climática e instabilidade política, Wade argumenta que reconhecer o potencial regenerativo do colapso pode ser nossa melhor chance de mudança.

A seguir, cinco lições centrais do livro:

1. Já estivemos aqui antes

O século 21 começou com um baque: a maior pandemia em 100 anos, crises políticas imprevisíveis e uma aceleração dramática das catástrofes climáticas. Mas, ao longo da história, a humanidade já enfrentou colapsos similares – e sobreviveu.

Pandemias, guerras globais, mudanças climáticas bruscas e até o risco de extinção não são novidades.

Para Wade, somos herdeiros de uma linhagem resiliente, criativa e adaptável, que nos deixou ferramentas valiosas para atravessar tempos difíceis. O segredo está em ouvir os relatos do passado.

2. Comunidade e colaboração são cruciais para a sobrevivência

Há cerca de 47 mil anos, humanos enfrentaram um clima instável e imprevisível no norte da Europa. Neandertais e Homo sapiens coexistiram nesse cenário hostil – e, ao contrário da visão tradicional de confronto e extermínio, pesquisas recentes mostram que houve miscigenação e cooperação.

O DNA neandertal presente em quase todos os humanos modernos é prova disso. Eles sobreviveram juntos, não apesar das diferenças, mas por causa da colaboração.

3. Apocalipses destroem velhos mundos e criam novos

Wade define o apocalipse como uma perda coletiva e rápida que transforma profundamente uma sociedade. Foi o que ocorreu no Antigo Egito há 4,2 mil anos, quando uma série de cheias no rio Nilo causou o colapso do poder central e desmontou a ordem estabelecida.

somos herdeiros de uma linhagem resiliente, criativa e adaptável.

O que se seguiu não foi apenas o caos, mas também o florescimento de lideranças regionais e maior autonomia para as classes populares. Enquanto as antigas elites sofriam, a base da sociedade prosperava, embora seus registros raramente tenham sido preservados na história escrita.

4. O mundo atual já é pós-apocalíptico

A narrativa de progresso contínuo esconde um fato incômodo: o mundo moderno nasceu dos escombros dos apocalipses provocados pela escravidão e pelo colonialismo. Esses eventos não apenas devastaram populações inteiras, como impediram que sociedades colonizadas tivessem espaço para se reconstruir.

A extração desenfreada de recursos e a desigualdade gerada nesses séculos continuam a moldar nossas crises atuais, agravando os riscos de futuros colapsos.

5. O apocalipse é a melhor chance de mudança

Para Wade, não há mais como adiar: o apocalipse já começou. Mas também pode ser a oportunidade definitiva de construir algo melhor. Cada colapso do passado foi uma bifurcação, uma chance de transformação – e este não será diferente.

A palavra “apocalipse”, do grego antigo, significa “revelação”. É quando a verdade vem à tona, mostrando o que nossa sociedade é e o que ainda pode ser.

Se tivermos coragem de encarar esse momento com clareza, poderemos moldar o futuro com nossas próprias mãos.

Este texto foi publicado no Next Big Idea Club e reproduzido com permissão. Leia o artigo original


SOBRE A AUTORA

Lizzie Wade é repórter da revista Science e especializada em antropologia, arqueologia e América Latina. saiba mais