O dia em que Jony Ive me salvou do mau-humor
Vivemos na sociedade da performance e parece que estamos satisfeitos em retirar a máxima produtividade do trabalho, criativo ou não

Em seu trabalho mais popular, "A Sociedade do Cansaço", o filósofo Byung-Chul-Han aponta que nós, humanos, estamos nos transformando em máquinas de performance.
Não por alguma imposição externa, mas por nossas próprias expectativas pessoais, organizando comportamentos que nos possibilitam funcionar sem perturbação e maximizam nosso desempenho. Como resultado, vamos criando uma sociedade sobrecarregada e esgotada.
Tudo está se tornando performance e o esgotamento parece mesmo um destino. Parte de meu trabalho é preparar profissionais que estão incorporando sistemas de inteligência artificial em seus fluxos de trabalho, principalmente em processos criativos.
É muito fácil perceber como as ferramentas disponíveis hoje podem impactar enormemente a dimensão produtiva da criatividade, potencializando as entregas, acelerando processos criativos e economizando tempo.
Mais difícil e interessante é incorporar práticas que transformem o tempo e energia poupados em saltos criativos de qualidade. Mais raro por que aposta na não-automatização do processo, pede atenção contínua às oportunidades de troca de perspectiva, assim como a constante geração de pensamentos especulativos.
Muitas experimentações interessantes estão acontecendo nesse espaço entre segmentos de fluxos, na desconstrução das ferramentas.
Mas a massa criativa parece dedicada ao esgotamento da produção sem atritos. Vivemos na sociedade da performance e parece que estamos satisfeitos em retirar a máxima produtividade do trabalho, criativo ou não.
Estamos, ainda, maravilhados com a possibilidade da construção democrática de uma criatividade razoável, baseada na média de milhões de interações com o sistema.
CRIATIVIDADE x REPETIÇÃO
A responsabilidade não é diretamente das novas tecnologias. Já faz algum tempo que estamos automatizando o pensamento envolvido nos modelos de interação e de experiência de usuário.
Ao longo dos anos, fizemos um bom trabalho de expansão da disciplina do design enquanto transformamos parte do processo em um trabalho construído sobre convenções e sem muito espaço para imaginação. Soluções repetitivas que facilmente são modeladas e reproduzidas na forma de algoritmos.
Talvez seja por isso que as empresas que estão definindo o pensamento e a prática de inteligência artificial tenham tão poucos designers como colaboradores. Talvez não precisem de ajuda quando podem lançar continuamente novos modelos e recolher dados de uso diretamente de dezenas de milhões de clientes.
Nos conectamos em um modelo de evolução baseado em testes permanentes de soluções ainda em desenvolvimento.

Eu andava muito incomodado com essa sensação de irrelevância do design na revolução que vivemos quando li sobre a associação de Jony Ive com a OpenAI. A notícia veio como uma caneca de café coado no início da manhã, com aquela dose de energia e excitação, e uma sensação de assentamento e tranquilidade.
O foco desviado para a criatividade, carregando o design para um lugar de destaque na movimentação nervosa e rápida da indústria de inteligência artificial, foi como reiniciar uma máquina cansada.
Agora podem acontecer coisas maravilhosas. Talvez um novo e poderosíssimo oráculo esteja em construção. Ou algo totalmente novo, jamais visto, que vai transformar nossa maneira de aprender e criar. Subitamente retomamos o caminho das possibilidades pela trilha do design.
CONTEMPLAÇÃO CRIATIVA
Logo em seguida, a Anthropic publicou um co-lab com Rick Rubin, um dos mais importantes produtores musicais e pensadores da criatividade de nossos dias.
O projeto The Way of Code é uma versão livre e criativa dos ensinamentos milenares do Tao Te King de Lao Tse, no contexto da inteligência artificial, criatividade e vibe coding – a tendência da programação via texto, sem código.
as ferramentas disponíveis hoje podem impactar enormemente a dimensão produtiva da criatividade.
Por um momento a criatividade ancestral encontrava as portas dos grandes desenvolvedores aberta. Uma visita da nossa capacidade criativa especulativa, imaginativa, ao mundo da criatividade racional.
A criatividade inexata pode nos resgatar dos fluxos destinados ao esgotamento total. E as práticas ancestrais de contemplação criativa podem nos ajudar a sair do estado reativo de luta-e-fuga da cultura da ultra performance.
Elas podem abrir novamente nossos canais para a observação consciente e a intuição. Humanizando relações e modelos de interação com os sistemas de IA, abrindo espaço para uma estrutura de desenvolvimento criativo menos funcional e previsível do que aquela em que vivemos hoje.
