Você não é todo mundo

Ser uma líder que escolhe o difícil é romper pactos invisíveis de silêncio

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Mayra Nogueira 3 minutos de leitura

Crescemos ouvindo que “você não é todo mundo”. Era uma frase de proteção, dita para nos afastar da manada, do risco, do erro coletivo.

Anos depois, já adultas, percebemos o quanto essa frase se tornou uma sentença. Porque, de fato, não somos todo mundo. Somos a exceção. A mulher que chegou lá. A que comanda. A que lidera. A que não pode falhar. E, às vezes, nem falar.

Mas ninguém nos contou que ser exceção é solitário. Que há um preço silencioso em ocupar o lugar onde a maioria não chega, especialmente quando se chega por escolha, e não por acidente. Que quando você é a única na sala, aplaudida por fora e exaurida por dentro, não há manual. Há apenas performance.

E é justamente aí que mora o perigo.

A socióloga Eva Illouz, que estudou a mercantilização das emoções, diz que vivemos em uma era na qual o emocional se tornou moeda. Mostramos vulnerabilidade no feed, enquanto sustentamos excelência no board. Construímos relações transacionais até com a própria autoestima. Nessa lógica, a liderança se torna uma vitrine – e o custo emocional, invisível.

É nesse cenário que surgem as decisões difíceis. Aquelas que não cabem em planilhas, mas que definem destinos. Como decidir ser mãe depois dos 40 – com o relógio biológico atrasado e a agenda corporativa acelerada. Como pedir demissão de um cargo prestigiado por uma razão ética que ninguém entenderia. Como defender a saúde mental em um mercado onde ainda se celebra quem aguenta mais, e não quem entrega melhor.

Essas escolhas não são só pessoais. Elas são profundamente políticas. Porque desafiam a narrativa vigente de sucesso. Elas nos colocam no lugar desconfortável de abrir mão da estabilidade – essa promessa bem embalada que, no fundo, é só medo disfarçado.

Estabilidade para quem?

Quantas vezes permanecemos em lugares tóxicos em nome de um salário fixo? Quantas vezes engolimos gritos de chefes desequilibrados para pagar boletos no fim do mês? Quantas vezes fingimos que estava tudo bem, apenas para manter o título, o crachá, a aparência?

Crédito: Kate Mangostar/ Freepik

E então você percebe: talvez a instabilidade seja o único lugar honesto que restou.

A instabilidade da dúvida, da reinvenção, da quebra de padrões. O lugar onde você não tem todas as respostas, mas tem clareza do que não quer mais. O espaço onde o medo ainda existe, mas é menor que o desconforto de seguir negando a si mesma.

Nesse ponto da vida, muitas de nós já conquistaram o que queriam e, ainda assim, sentem que falta algo. Porque o sucesso, do jeito que nos ensinaram, foi projetado por uma régua que não foi feita para medir mulheres inteiras. Medem entregas, mas não dilemas. Medem KPIs, mas não coerência.

ninguém nos contou que há um preço silencioso em ocupar o lugar onde a maioria não chega.

Liderar com coerência é uma das tarefas mais solitárias do século 21. Porque exige dizer "não" ao que dá status, para dizer "sim" ao que dá sentido. Exige reconhecer que o protagonismo que te aplaude hoje pode virar silêncio amanhã. E mesmo assim seguir.

Ser uma líder que escolhe o difícil é romper pactos invisíveis de silêncio. É mostrar que não há nada de errado em mudar de ideia. Em mudar de rota. Em mudar de pele. Que a maternidade tardia não é uma perda de tempo, é um reposicionamento radical daquilo que se entende por tempo.

É entender que um filho, um projeto, uma decisão fora do script pode ser exatamente o que salva, não a carreira, mas a sanidade.

Você não é todo mundo. E talvez, no fundo, nunca quis ser. A questão é: você está disposta a pagar o preço de ser você, inteira?


SOBRE A AUTORA

Mayra Nogueira é executiva de marketing internacional da Eurofarma. saiba mais