O valor do “quase” – ou como também pode ser bom ficar em segundo lugar

Uma “quase vitória” pode ser o ensaio de algo maior – um estímulo a se esforçar mais para alcançar todo o seu potencial

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Tomas Chamorro-Premuzic e Amy Edmondson 5 minutos de leitura

Quer gostemos ou não, vivemos em um mundo implacavelmente otimizado para recompensar resultados. Ainda assim, o fracasso é parte inevitável da vida – e um elemento essencial para conquistas em áreas que vão do esporte à ciência.

Na verdade, quem realiza grandes feitos costuma falhar mais vezes – e não menos – do que a maioria das pessoas. Eles se arriscam mais, saem da zona de conforto, traçam metas ambiciosas e se empenham em melhorar o próprio desempenho. É assim que chegam lá. Você não perde se nunca entra em campo – só que também nunca ganha.

Mas e quando se chega em segundo lugar? Existe valor em uma “quase vitória”? Para um vendedor, bater 99% da meta pode significar perder o bônus e a viagem ao Havaí.

Para um laboratório de pesquisa, publicar o segundo estudo sobre o mesmo tema significa perder a patente, o financiamento e os holofotes. E para quem fica em segundo em uma eleição presidencial, as chances de nova candidatura são mínimas – e a popularidade costuma cair.

Mesmo assim, o “quase” não é tão catastrófico quanto esses cenários sugerem. Chegar perto do topo ainda significa ter superado quase todo mundo — seja em uma turma de centenas de colegas, em uma lista de milhares de candidatos a emprego ou até em uma eleição nacional.

Além disso, quem fica em primeiro não é necessariamente melhor apenas por mérito – fatores como contexto político, privilégios ou pura sorte podem fazer diferença.

O mais importante: bater na trave pode ser o trampolim para crescer, aprender, adaptar-se e voltar mais forte – desde que se faça disso uma escolha consciente.

O QUE O FRACASSO REVELA

Embora todos prefiram o sucesso, é comum aprender mais com o fracasso. O sucesso reafirma seu talento, alimenta a autoestima, infla o ego. Só que também pode gerar complacência, excesso de confiança e arrogância.

O fracasso, por outro lado, expõe falhas, mostra o que precisa mudar e oferece feedback essencial – desde que seja visto como experimento de aprendizado.

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Um “quase” funciona como uma auditoria implacavelmente honesta das suas hipóteses e estratégias, revelando pontos cegos que o sucesso tende a mascarar. Obriga a entender por que não deu certo, revisar modelos mentais, ajustar táticas e fortalecer o processo de tomada de decisão.

FRACASSAR COM ENTUSIASMO

Falhar aumenta o abismo entre quem você quer ser e quem você é – pelo menos em termos de reputação. Só trabalho duro, persistência e resiliência diminuem esse espaço, preparando o caminho para vitórias futuras.

No mínimo, ajudam você a se tornar uma versão melhor de si mesmo. Por isso, “quases” doem tanto – e justamente por isso podem reacender a ambição.

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Pessoas extraordinárias, em qualquer área, têm algo em comum: não se satisfazem facilmente com o que já conquistaram. E não desistem nem quando o fracasso é difícil de engolir.

Pelo contrário, elas querem entender o que faltou para transformar o quase em vitória, sem se deixarem abater. Essa mentalidade as torna ainda mais dispostas a lutar por resultados, mais resilientes e mais focadas no retorno.

RESILIÊNCIA EMOCIONAL

A forma como se lida com derrotas – especialmente com derrotas que quase viraram vitórias – mostra maturidade emocional, resiliência e capacidade de aprender. É natural atribuir conquistas ao próprio talento e fracassos a fatores externos. Resistir a essa tendência é o que diferencia os verdadeiros aprendizes.

Analisar um “quase” com curiosidade e humildade revela uma mentalidade de crescimento, que inspira confiança e colaboração.

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Resiliência visível costuma render mais credibilidade (e apoio) do que uma trajetória sem tropeços – porque mostra disposição para aprender em público. Com o tempo, quem testemunha sua evolução se torna seu defensor, pronto para apoiar sua próxima tentativa.

Afinal, a vida não é uma prova final, mas uma avaliação contínua. O que conta não são brilhos pontuais, mas uma excelência sólida, construída dia após dia.

GRANDES LEGADOS

Não faltam exemplos históricos de gente que transformou o “quase” em legado. O tenista Roger Federer, por exemplo, foi vice-campeão seis vezes antes de conquistar o torneio de Wimbledon em 2003 – e depois somou 20 títulos de Grand Slam.

A seleção holandesa de 1974, que ficou conhecida como a “Laranja Mecânica”, perdeu a final, mas revolucionou o esporte. J.K. Rowling amargou 12 recusas de editoras antes de publicar Harry Potter e vender mais de 600 milhões de exemplares.

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A geneticista Barbara McClintock, ignorada por décadas, acabou premiada com o Nobel. Meryl Streep não levou o Oscar na primeira indicação, mas hoje acumula 21 indicações e três estatuetas. E os Beatles, rejeitados pela gravadora Decca como “som de ontem”, venderam mais de 1,6 bilhão de discos

Todos esses casos provam que um “quase” pode ser apenas o ensaio de algo maior. No fim das contas, a dor do “quase” é menos uma sentença do que um convite para lapidar o potencial.

O fracasso oferece feedback essencial, desde que seja visto como um experimento de aprendizado.

Geralmente, o melhor jeito de lidar com arrependimentos e decepções não é remoer o caminho não trilhado, mas encontrar um novo rumo. A vida não é um roteiro rígido – é uma trama cheia de reviravoltas.

Em outras palavras, a reação ao fracasso importa. Mas talvez “fracasso” seja uma palavra dura demais para definir não conseguir o que se queria — especialmente quando isso pode não ser o que realmente se precisava. Quando encaramos cada derrota apertada como experiência, não como destino, desenvolvemos os hábitos e a resiliência que transformam o “quase” em vitória.

Como se diz: experiência é o que você ganha quando não consegue o que queria. E, muitas vezes, essa experiência é ainda mais valiosa do que a conquista em si.


SOBRE O AUTOR

Tomas Chamorro-Premuzic é diretor de inovação do ManpowerGroup, professor de psicologia empresarial na University College London e na ... saiba mais