Você reciclaria mais se cada garrafa rendesse um bom dinheiro?

Um novo estudo revelou que as pessoas têm maior probabilidade de devolver as embalagens se tiverem a chance de participar de um sorteio; experiências avançam 

Reciclagem de garrafas de pet é incentivada em diferentes países
PixaBay

Kristin Toussaint 7 minutos de leitura

No Brasil, quem quer destinar garrafas de PET e vidro e latas para reciclagem e assim evitar que as embalagens acabem em lixões, aterros, rios e oceanos tem dificuldades. Os programas - oferecidos por algumas empresas, redes de varejo e prefeituras - ainda são pontuais e adotam desde a entrega voluntária até incentivos que vão de desconto a brindes. Há ainda o problema da baixa adesão quando se leva em consideração o volume de resíduo gerado.

Nos Estados Unidos, por exemplo, em 10 dos estados, programas de depósito de garrafas e latas de alumínio pagam alguns centavos de dólar por embalagens devolvidas para reciclagem. Mas e se, em vez de ganhar cinco ou dez centavos, você pudesse participar de uma loteria para ter a chance de ganhar um prêmio maior a cada garrafa devolvida?

UM EMPURRÃO DA ECONOMIA COMPORTAMENTAL

A opção de estipular a distribuição de prêmios, na verdade, motiva as pessoas a reciclar mais garrafas, descobriram pesquisadores ao testá-la em pequena escala. As pessoas não apenas reciclaram com mais frequência, como também se sentiram um pouco mais felizes depois de fazer isso (em comparação com a devolução regular de 10 centavos de dólar).

E, ao que parece, a Noruega já oferece esse incentivo e também tem uma das maiores taxas de reciclagem de garrafas plásticas do mundo, cerca de 97%.

Essa ideia de que as pessoas preferem uma pequena chance de ganhar um prêmio maior a uma pequena recompensa é comum na economia comportamental, afirma Jiaying Zhao, professora de psicologia e sustentabilidade na Universidade da Columbia Britânica e uma das autoras do estudo, publicado recentemente na revista Waste Management. Ela queria verificar se o mesmo princípio poderia ajudar a estimular mudanças de comportamento sustentáveis.

Depósitos de garrafas já ajudam a aumentar as taxas de reciclagem. Nos EUA, recipientes de bebidas (incluindo garrafas de plástico, vidro e latas de alumínio) elegíveis para depósito têm uma taxa média de reciclagem de 64%, mas recipientes de bebidas que não são elegíveis para reembolso têm uma taxa de reciclagem de apenas 24%. Este último número inclui todas as garrafas em estados sem leis de depósito e recipientes isentos de leis de depósito — como em Massachusetts, por exemplo, onde garrafas plásticas comuns de água não são elegíveis para depósito.

RECICLAGEM VALE PRÊMIO

Oferecer a chance de ganhar um prêmio maior pode aumentar ainda mais as taxas de reciclagem. Os pesquisadores criaram pontos de devolução de garrafas na Columbia Britânica e em Alberta, no Canadá, oferecendo às pessoas a opção de devolução de 10 centavos ou uma chance de 0,01% de ganhar um prêmio de US$ 1.000. Com essa opção de loteria em jogo, as pessoas trouxeram 47% mais garrafas para reciclar.

Os pesquisadores também entrevistaram pessoas sobre seus níveis de felicidade após a devolução das garrafas e descobriram que as que escolheram a opção de loteria ficaram um pouco mais felizes, mesmo quando não ganharam.

As mesmas pessoas voltaram várias vezes para devolver as garrafas, diz Jade Radke, doutoranda na UBC e coautora do estudo. Em Alberta, os pesquisadores criaram seus pontos de devolução de garrafas em um festival de costela, e as pessoas até "andavam pelas mesas para coletar latas e tentar novamente", diz ela. O ponto de devolução de garrafas na Columbia Britânica, segundo este estudo, foi localizado em uma praça de alimentação e ficou pronto por dois meses.

MENOS EMISSÕES DE CARBONO

O impacto potencial de aumentar as taxas de reciclagem dessa forma é enorme. “Criar novas garrafas gera muitas emissões de carbono, e não reciclar garrafas também gera muita poluição, então pode ser uma maneira significativa de reduzir tudo isso”, diz Jade.

Se fosse possível expandir os resultados do estudo para todos os EUA, significaria 2,1 milhões de toneladas adicionais de recipientes reciclados aqui. Isso também economizaria emissões de carbono — mais de 4 milhões de toneladas, ou aproximadamente o mesmo que tirar 1 milhão de carros das ruas por ano. Para os legisladores preocupados com o custo mais alto de um sistema de loteria, os pesquisadores afirmam que ele acaba gerando o mesmo pagamento médio que os sistemas de depósito por garrafa.

Quando os pesquisadores se propuseram a testar esse incentivo, desconheciam que ele já estava disponível na Noruega. Agora, eles o veem como mais uma prova de uma solução de reciclagem.

A Noruega começou a oferecer uma loteria de reciclagem de garrafas em 2009 (uma loteria de garrafas também está disponível na Finlândia desde 2011) e, atualmente, 97% de todas as garrafas plásticas de bebidas no país são devolvidas.

PRÊMIO DE ATÉ 100 MIL EUROS

Na Noruega, as pessoas podem usar uma "máquina de venda reversa" para escolher entre o reembolso garantido ou a chance de ganhar 5, 10, 100 ou 100.000 euros. O sistema também não incentiva jogos de azar, dizem seus criadores, porque não há como participar com dinheiro e não há "quase acidentes", como em outros tipos de jogos de azar.

A loteria norueguesa de garrafas tem outra peculiaridade: parte da renda da loteria vai para a Cruz Vermelha norueguesa. Essa oportunidade de doar para uma instituição de caridade por meio da devolução de garrafas pode ser outro motivador.

"Em vez de 10 centavos de volta para você, que tal se a renda for para um banco de alimentos ou instituição de caridade?", provoca Jiaying. Sua equipe também testou a eficácia dessa opção, com resultados a serem publicados em breve. Os pesquisadores também planejam testar como o incentivo da loteria impacta as pessoas que trazem sacos gigantes de garrafas para grandes depósitos de garrafas, a fim de verificar se o incentivo também aumenta suas taxas de reciclagem.

É importante que os municípios que desejam oferecer uma loteria de garrafas ainda ofereçam às pessoas a opção da devolução regular de 5 ou 10 centavos, afirma Jiaying. Em cidades dos EUA e Canadá, pessoas conhecidas como "enlatadores" ou "binners" dependem da devolução de garrafas para obter parte de sua renda. "Não queremos eliminar a opção de ganho a curto prazo", diz ela. "Em vez disso, queremos dar às pessoas a opção de escolher."

NA ALEMANHA, A REGRA É O PFAND

O Pfandsystem, nome do programa alemão de reciclagem de garrafas - de PET ou vidro -, lançado em 2003, remunera quem colabora com a devolução. A possibilidade de receber de 15 ou 25 centavos de euro de volta é uma das razões que levou o país a ultrapassar os 97% de vasilhames devolvidos.

Na compra de bebidas está embutido um valor adicional pago pela garrafa ou lata, chamado de pfand, em alemão. Na devolução dos vasilhames, feita em equipamentos instalados pelos supermercados (é lei), ocorre o reembolso do pfand. As máquinas que selecionam os tipos de embalagem calculam o valor a ser devolvido e, ao final, emitem um cupom. É possível receber em dinheiro ou usar como desconto na compra na loja.

Além de ajudar na consciência ambiental e na mudança de hábito, a regulamentação na Alemanha garante uma renda extra não apenas para quem comprou as bebidas, lavou e guardou as embalagens em casa para devolvê-las no supermercado.

Há ainda um interesse pelas garrafas descartadas nas lixeiras por turistas que desconhecem o pfand - são aqueles que "jogam" dinheiro fora. Não é incomum ver alguém "resgatando"vasilhames para depois embolsar uns pfands extras.

TAXA BAIXA DE CRESCIMENTO NO BRASIL

Dados coletados pela 13ª edição do Censo da Reciclagem do PET no Brasil, divulgados em março passado pela Associação Brasileira da Indústria do PET (Abipet), apontam que o país reciclou 410 mil toneladas de embalagens PET em 2024. O volume cresceu apenas 14% em relação aos números de 2022.

Ao todo, a indústria reciclou no ano passado apenas 53% das embalagens descartadas pelos consumidores.

Na divulgação, representantes da Abipet se queixaram da falta de políticas públicas para a coleta seletiva e o efeito econômico. Empresas recicladoras chegam a trabalhar com uma ociosidade média de 23%, com picos de até 40%.

O censo identificou que, em 2024, o principal destino da resina reciclada das PETs foi a fabricação de uma nova embalagem, utilizada principalmente pela indústria de água, refrigerantes, energéticos e outras bebidas não alcoólicas, que respondeu por 37% do total. O segundo lugar ficou com o setor têxtil, com um consumo de 24% da resina reciclada. Na sequência ficaram a indústria química (13%), lâminas e chapas (13%), e fitas de arquear, utilizadas em empacotamento e fechamento de caixas (10%). (com Paula Pacheco/Fast Company Brasil)


SOBRE A AUTORA

Kristin Toussaint é editora assistente da editoria de Impacto da Fast Company. saiba mais