Palafitas da região amazônica inspiraram casas flutuantes feitas de plástico

As moradias anfíbias da LifeArk acompanham o nível da água, possibilitando construções em áreas com alto risco de alagamento

Crédito: LifeArk

Adele Peters 3 minutos de leitura

Nos arredores de Los Angeles, do lado de fora de um galpão industrial, um experimento inusitado está em andamento: testar novas formas de moradia para regiões com alto risco de enchentes

Um protótipo de casa – construído com módulos plásticos – está sendo avaliado dentro de um grande tanque de água. Pensadas para áreas sujeitas a alagamentos, essas casas têm estrutura impermeável e uma base flutuante. Quando o nível da água sobe, a casa sobe junto.

“Normalmente, ela fica apoiada no solo”, explica o arquiteto Charles Wee, criador do projeto. “Mas, durante uma enchente, ela simplesmente acompanha o aumento do nível da água.”

Wee passou boa parte da carreira projetando arranha-céus. Mas, há cerca de dez anos, após visitar um parente que trabalhava com comunidades indígenas na Amazônia, decidiu mudar o foco do seu trabalho.

Ele viu de perto como moradores das margens do rio Amazonas perdiam suas casas – construções simples sobre palafitas – sempre que o rio transbordava. E isso não acontece só lá: no mundo todo, mais de um bilhão de pessoas vivem em áreas com risco elevado de enchentes. Foi aí que ele começou a pensar em maneiras diferentes de construir nessas regiões.

No começo, Wee não sabia exatamente como criar uma casa que flutuasse. Até que, um dia, viu uma imagem marcante registrada após o terremoto e o tsunami de 2011 no Japão. A foto mostrava destroços espalhados pela costa – exceto por algumas grandes caixas azuis que continuavam boiando, intactas.

Ele descobriu que aquelas caixas eram tanques usados na pesca, feitos de plástico moldado. Eram resistentes, baratos e sem emendas, o que impedia vazamentos. A partir disso, teve uma ideia: por que não usar esse mesmo tipo de estrutura para construir casas?

Crédito: LifeArk

Foi assim que Wee fechou seu escritório de arquitetura e fundou a startup LifeArk, dedicada a desenvolver esse novo conceito. O objetivo era criar moradias não só resistentes a enchentes, mas também a terremotos, furacões e incêndios florestais.

Após anos de pesquisa e testes, a equipe conseguiu desenvolver um sistema funcional – e que atende até aos exigentes padrões de construção da Califórnia. Na fábrica da empresa, as peças são produzidas por moldagem rotacional, a mesma técnica usada para fabricar caixas térmicas e outros objetos plásticos.

CASAS FLUTUANTES FLEXÍVEIS E DURÁVEIS

O que torna o plástico um problema ambiental – sua durabilidade – pode ser justamente sua principal vantagem na construção civil. “O plástico pode durar 100 anos sem se deteriorar”, diz Wee. “É um ótimo material para construir casas, mas seguimos usando para fazer sacolas descartáveis.”

As casas da LifeArk são as primeiras a usar plástico como material estrutural. Elas duram mais do que moradias modulares convencionais e, ao final da vida útil, o material pode ser reciclado.

Crédito: LifeArk

Além disso, os testes mostraram que as estruturas são extremamente eficazes contra terremotos. Em simulações sísmicas, o material apenas se flexionava, sem quebrar. A mesma flexibilidade ajuda a resistir aos fortes ventos de furacões.

A maior dificuldade foi desenvolver resistência ao fogo, já que o plástico normalmente derrete. Mas a equipe criou um composto especial que, em caso de incêndio, se carboniza, formando uma camada de fuligem que impede que as chamas penetrem e se espalhem.

As peças – parecidas com blocos de Lego – são fáceis de montar e não exigem equipamentos pesados. Os módulos básicos, de 2,4 x 2,4 metros, podem ser combinados de diferentes formas. Em uma versão, a fundação flutua e fica presa a pilares, permitindo que a casa acompanhe o nível da água. Em outra, os módulos ficam sobre uma base fixa, elevada cerca de 70 centímetros do solo.

Crédito: LifeArk

A empresa já realizou diversos projetos – e outros estão em andamento. Por enquanto, porém, nenhuma das construções utilizou a versão de casas flutuantes. Como o conceito ainda é novo, não existe cobertura de seguro disponível e há diversos entraves regulatórios. Por isso, os primeiros modelos foram feitos com fundações tradicionais – que, mesmo assim, oferecem vantagens em áreas de risco. 

“Há evidências mais do que suficientes de que, no longo prazo, construir casas anfíbias em regiões propensas a enchentes é mais barato do que lidar com os prejuízos causados por elas”, afirma Wee.

“Acredito que, se conseguirmos superar as barreiras – principalmente as legais e relacionadas a seguros – esse modelo pode abrir caminho para uma nova geração de moradias acessíveis.”


SOBRE A AUTORA

Adele Peters é redatora da Fast Company. Ela se concentra em fazer reportagens para solucionar alguns dos maiores problemas do mundo, ... saiba mais