‘Crupiê de blackjack’, ‘megalomaníaco’: a repercussão da ameaça de Trump
Sobraram críticas no pós-anúncio da Casa Branca; até Paul Krugman, Nobel de Economia, não economizou nas críticas à medida do presidente dos EUA

Alguns dos grandes nomes da economia e da análise política, além de boa parte da imprensa internacional, viram com incredulidade e indignação o anúncio do presidente americano, Donald Trump, que investiu contra as exportações brasileiras por meio de uma taxação padrão de 50%.
RISCO AOS EMPREGOS
Christopher Garman, diretor-executivo para as Américas da Eurasia, apontou que a negociação entre os dois países será difícil. E explica: “O desafio é que a justificativa política, sobre julgamento do ex-presidente (Jair) Bolsonaro e redes sociais. Não são temas negociáveis”, sentenciou em entrevista para a Bloomberg News.
Ainda segundo o diretor da Eurasia, as exportações para os EUA respondem por 12% do total exportado pelo Brasil e por volta de 2% do Produto Interno Bruto (PIB).
O porta-voz da Eurasia lembrou o efeito político que o anúncio de Trump pode ter no cenário político doméstico. “O PT e o governo podem ver como oportunidade de dizer que o Bolsonaro está se alinhando a quem está tirando empregos do Brasil”, declarou. “Algumas experiências internacionais mostram isso”.
'PERVERSA E MEGALOMANÍACA'
Já o Nobel de Economia de 2008, Paul Krugman, não economizou nos petardos em artigo publicado no site Substack horas depois do envio e publicação da carta de Trump endereçada a Lula.
Krugman começa explicam a mudança de hábito, ao escrever um post noturno. “Um por dia no café da manhã é, eu acho, suficiente ou mais do que suficiente. Mas a última carta de Trump, impondo uma tarifa de 50% ao Brasil, marca um novo rumo, e acho que merece um boletim especial. Afinal, é tanto perversa quanto megalomaníaca”.
O economista analisa que Trump está tentando usar tarifas para ajudar quem ele chama de “outro aspirante a ditador”. E segue: “Se você ainda achava que os Estados Unidos eram um dos mocinhos do mundo, isso deve lhe dizer de que lado estamos hoje em dia”.
As exportações para os EUA, segundo Krugman, representam menos de 2% do PIB brasileiro, que questiona: “Trump realmente imagina que pode usar tarifas para intimidar uma nação enorme, que nem sequer depende muito do mercado americano, a abandonar a democracia?”.
Por isso, segundo Krugman, a decisão é classificada como algo “perverso e megalomaníaco”. “Se ainda tivéssemos uma democracia em funcionamento, essa manobra do Brasil seria, por si só, motivo para impeachment. É claro que teria que ficar na fila atrás de todos os outros motivos”. O economista alerta ainda que, “de qualquer forma, não ignore isso. Estamos diante de mais um passo terrível na espiral descendente do nosso país”.
A RAZÃO PARA RETALIAR O BRASIL
Entre os principais veículos de imprensa, talvez Jess Bidgood, jornalista político do The New York Times e correspondente-chefe do boletim informativo On Politics (um guia sobre como Trump está mudando Washington, o país e sua política), esteja entre aqueles que olharam com uma lupa mais apurada e escreveram com mais contundência sobre a decisão, anunciada na quarta-feira (9).
A nota do republicano crava a cobrança de 50% a partir de 1º de agosto, mas nem atém à pauta do comércio exterior. O texto deixa claro que é uma retaliação por conta do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no Supremo e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que o tornou inelegível.
Além disso, a carta endereçada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e publicada em rede social mira o que o ocupante da principal cadeira da Casa Branca chama de ordens “secretas e ilegais” emitidas contra plataformas de mídia nos Estados Unidos e violação à ‘liberdade de expressão de americanos”.
“CRUPIÊ DE BLACKJACK”
Jess Bidgood cravou: “O presidente Trump conquistou seu cargo duas vezes prometendo turbinar a economia americana e restaurar seu domínio global sobre os concorrentes internacionais. Esta semana, ele voltou à sua ferramenta favorita, aplicando ameaças de tarifas como um crupiê de blackjack confiante de que a casa sempre ganha”.
A jornalista do NYT lembrou que Trump segue com o mantra do “está tudo bem” ao, por exemplo, postar em suas redes sociais que "as tarifas estão fazendo nosso país 'BOOM'", declarando que o país seria o "mais aquecido" do mundo.
Economistas e especialistas do setor, como lembrou a jornalista, alertam que as mudanças radicais de Trump na economia e no país podem ter o efeito oposto, tornando o país menos competitiva no cenário global. Ela explica a razão de especialistas temerem que os seis meses de “Trumponomics” possam sufocar um motor fundamental da competitividade americana: a inovação.
O texto do NYT lembra também que, ainda que as tarifas possam aumentar a competitividade dos EUA, há riscos. “As tarifas podem isolar o mercado americano enquanto outros países comercializam livremente entre si. E podem aumentar os preços dos bens que as empresas americanas precisam importar para fabricar seus produtos, forçando-as a arcar com custos mais altos, que seus concorrentes estrangeiros podem não enfrentar”, escreveu Jess, citando entrevista com Robert Atkinson, presidente da Fundação de Tecnologia da Informação e Inovação dos EUA. Como efeito, pode ocorrer prejuízo em setores essenciais, como automóveis, aeroespacial e instrumentos científicos.
“As tarifas prejudicarão esse tipo de empresa, ao mesmo tempo em que ajudarão esse tipo de fabricante do Centro-Oeste que só vende nos EUA”, disse Atkinson, acrescentando: “Bom para eles, mas não tornará os Estados Unidos grandes novamente.”
O QUE DIZ O NOTICIÁRIO INTERNACIONAL
Veja uma síntese do que disseram alguns dos principais veículos internacionais sobre a relação entre EUA e Brasil.
The Washington Post –
"A medida evidencia como relações pessoais e alinhamentos políticos seguem pesando mais que fundamentos econômicos nas decisões de Trump. Embora o presidente dos EUA afirme que suas tarifas são motivadas por desequilíbrios comerciais, o caso do Brasil contradiz essa lógica... Essa justificativa (estado de emergência econômica, usada nos primeiros anúncios de taxação) perde força quando a medida é claramente atrelada ao julgamento de Bolsonaro".
The New York Times –
"Os Estados Unidos são o segundo maior parceiro comercial do país, atrás apenas da China. E Trump parece condicionar o fim das tarifas à suspensão do processo contra Bolsonaro... (Trump trata as tarifas como) um instrumento universal de coerção — com alto potencial destrutivo para a economia... O esforço de Trump para usar tarifas para intervir num julgamento criminal num país estrangeiro é um exemplo extraordinário de como ele vê os impostos como um porrete que serve para todos".
The Guardian –
"Considerando que Trump ainda sustenta que estava dentro de seus direitos ao conspirar para permanecer no cargo, após perder a tentativa de reeleição em 2020, e que os esforços culminaram em uma revolta de seus apoiadores em 6 de janeiro de 2021, não é difícil entender por que Trump parece tão dedicado à ideia de que Bolsonaro não cometeu nenhum erro".
BBC -
"Ambos perderam eleições presidenciais e se recusaram a reconhecer publicamente a derrota".
El Clarín –
"Trump misturou motivações políticas e econômicas ao justificar o aumento da tarifa, que supera em muito a média de 10% aplicada a outros países latino-americanos", afirmou o jornal.