Queda nas exportações e desemprego: a sombra da ameaça de Trump
Entenda como alguns dos principais exportadores brasileiros avaliam o anúncio de taxação de 50% feito pelo presidente americano; pescados são os primeiros a sentir o impacto

As exportações brasileiras para os Estados Unidos representaram, em 2024, 12% de todos os embarques do Brasil para o exterior. Ao todo, as vendas para os americanos chegaram a US$ 41 bilhões, o equivalente a 20% do Produto Interno Bruto (PIB), aproximadamente.
A maior economia do mundo é um destino importante para os produtores brasileiros. Mas, com a carta de Donald Trump a Luiz Inácio Lula da Silva, publicada por ele em sua rede social na última quarta-feira (9), trazendo a partir de 1º de agosto uma tarifa adicional de 50%, será preciso uma correção de rota.
Café, suco de laranja, aço, pescados, fumo, carnes e aeronaves são alguns dos produtos exportados para o mercado americano. As entidades que representam as empresas desses setores sinalizam com a possibilidade de perdas de receita e demissões. Como reflexos secundários, economistas já apontam para impactos na inflação, no câmbio, no PIB e na geração de empregos.
MERCADORIA NO PORTO
A primeira vítima pode ter vindo do setor de pescados. Na quinta-feira (10), foi anunciado pela Abipesca (Associação Brasileira das Indústrias de Pescados), segundo informação da Folha de S. Paulo e do Globo Rural, que 58 contêineres frigoríficos com cerca de mil toneladas de peixes não foram embarcados em navios para os Estados Unidos.
Os contêineres estariam nos portos de Salvador, Pecém (CE) e Suape (PE), à espera de uma definição sobre o impacto das taxações sobre os embarques brasileiros. A suspensão dos embarques teria partido, segundo representante da Abipesca, dos próprios compradores, que alegam desconhecer quanto vão desembolsar pelos pescados. Isso porque as mercadorias, que levam de 20 a 40 dias para chegarem ao destino, seriam desembarcadas depois da data-limite anunciada por Trump.
Hoje, segundo a Abipesca, o mercado americano responde por 70% das exportações brasileiras de pescados e mais de US$ 240 milhões, gerando milhares de empregos diretos e indiretos – incluindo pescadores artesanais e a aquicultura familiar.
Eduardo Lobo, presidente da entidade, informou por meio de nota que, por conta do tamanho do mercado dos EUA, para o setor, “é fundamental priorizar a negociação e buscar soluções econômicas que beneficiem o Brasil, garantindo a preservação de milhares de empregos e a manutenção da estabilidade econômica do setor”.
Na mesma nota, Lobo ressaltou a importância de o governo brasileiro priorizar a abertura do mercado europeu como alternativa às exportações. E criticou: “A morosidade dessa tratativa, em momentos como este, demonstra a importância de reduzir a dependência de mercados específicos para o pescado brasileiro”.
VAI FALTAR SUCO DE LARANJA?
Outro setor do agro muito dependente da demanda americana é o do suco de laranja. A Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR) alertou que a medida de Trump coloca em risco o setor de suco de laranja brasileiro.
Na safra 2024/25, encerrada em 30 de junho, os EUA responderam por 41,7% das exportações brasileiras do produto, representando US$ 1,31 bilhão em faturamento, de acordo com dados da Secex consolidados pela CitrusBR.
A nova tarifa anunciada por Trump, segundo a entidade, representa um aumento de 533% sobre os US$ 415 por tonelada que já eram cobrados sobre o suco brasileiro.
Quando se considera a cotação da Bolsa de Nova Iorque de 9 de julho (US$ 3.600 por tonelada de suco concentrado), cerca de US$ 2.600 (ou 72% do valor total do produto) passariam a ser recolhidos em tributos.
O valor, segundo a CitrusBR, inviabilizaria as exportações para os EUA com “graves prejuízos para toda a cadeia”. “Trata-se de uma condição insustentável para o setor, que não possui margem para absorver esse tipo de impacto”, informou a entidade.
A nota da CitrusBR também chama a atenção para os impactos no mercado americano, que têm no Brasil o seu principal fornecedor de suco de laranja.
“As consequências são graves: colheitas são interrompidas, o fluxo das fábricas é desorganizado, e o comércio é paralisado diante da incerteza. Trata-se de uma cadeia produtiva altamente interligada, que sustenta milhares de famílias”, declarou a associação, que critica o que chama de uma possível “escalada entre governos não é o caminho”.
A CitrusBR, assim como a da Abipesca, também faz referência à Europa – principal mercado desse produto - como plano B para a produção excedente de suco. Hoje os embarques europeus correspondem a 52% de participação nas exportações da safra 2024/25.
Mas “é pouco provável que o destino seja capaz de absorver excedentes do mercado americano sem que haja grave deterioração de valor para todo o setor”, informou a associação. Na safra 2024/25, o volume destinado à Europa encolheu 24% em relação às 495.602 toneladas da safra anterior. Porém, mesmo com a queda, o faturamento aumentou 22,9%, chegando a US$ 1,72 bilhão. “As consequências sobre a produção nacional, os empregos e a competitividade do setor seriam imediatas”, alertou a CitrusBR.
POTENCIAL DE IMPACTOS SEVEROS
A Amcham Brasil (American Chamber of Commerce, a Câmara Americana de Comércio) declarou ter “profunda preocupação” quanto a decisão de fixar uma taxa adicional e 50% sobre as exportações brasileiras. “Trata-se de uma medida com potencial para causar impactos severos sobre empregos, produção, investimentos e cadeias produtivas integradas entre os dois países”, alertou em seu site.
O comércio de bens e serviços entre os dois países é, segundo a Amcham, complementar e superavitário para os EUA nos últimos 15 anos — com saldo de US$ 29,2 bilhões em 2024, segundo dados oficiais norte-americanos.
O QUE VAI SER DO CAFÉ?
Entre os produtos da pauta comercial entre os dois países está o café brasileiro, também na mira do governo de Trump. O Brasil é o principal fornecedor de café aos EUA, que é maior importador. Em 2024, os americanos importaram 8,1 milhões de sacas do produto, o que implicou alta de 34% sobre os 6,1 milhões de 2023 e representou 16,1% das exportações totais no ano passado.
De janeiro a maio deste ano, os EUA importaram 2,9 milhões de sacas de café brasileiro, respondendo por 17,1% do total.
EUA RESPONDEM POR 9% do TABACO BRASILEIRO
No caso do tabaco, apenasentre janeiro e junho de 2025 (dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio/ComexStat), o Brasil exportou 19 mil toneladas do produto para os EUA, com receita gerada de US$ 129 milhões.
Em 2024, foram vendidas 39,8 mil toneladas de tabaco e US$ 255 milhões em vendas externas para os EUA. O volume representa cerca de 9% das exportações totais brasileiras do setor, que alcançam, em média, 500 mil toneladas por ano para mais de 100 países. Neste ano, entre janeiro e junho de 2025, o Brasil exportou 19 mil toneladas de tabaco para os americanos, com US$ 129 milhões em receita.
Hoje, os EUA são o terceiro maior destino do tabaco brasileiro em volume e valor. Ainda assim, segundo o Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco (SindiTabaco), uma tarifa da ordem fixada por Trump pode comprometer a competitividade do produto nacional nos EUA.
Por meio de nota, Valmor Thesing, presidente da entidade, disse que o momento exige responsabilidade e equilíbrio.
“A taxação cria uma situação bastante complexa, mas acreditamos no diálogo e em uma saída diplomática, porque ninguém está ganhando com isso. Nem os Estados Unidos, nem o Brasil”, declarou Thesing.
Segundo o representante do SindiTabaco, no início de 2025, o tabaco brasileiro pagava uma tarifa média de US$ 0,375 por quilo para entrar nos EUA. Esse valor foi acrescido em 10% em abril, no primeiro anúncio tarifário de Trump. Com o adicional de 50%, afirmou, a competitividade do produto brasileiro no mercado norte-americano fica ameaçada.
“Se mantida, possivelmente, o Brasil não será mais competitivo para o mercado norte-americano. Agora, se olharmos por outra ótica, há uma demanda mundial muito grande de tabaco, e é muito provável que o produto seja remanejado para outros destinos”, informou.
PESO TAMBÉM SOBRE O PETRÓLEO
O setor de petróleo e gás, que responde hoje por 17% do PIB industrial brasileiro e 1,6 milhão de empregos diretos e indiretos no país, também reagiu à carta de Trump. Segundo o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), a medida traz incertezas.
Em 2024, o petróleo foi o principal produto da pauta de exportações no Brasil, superando a soja e contribuindo com US$ 44,8 bilhões, segundo dados do MDIC. Para o mercado americano, o petróleo bruto é hoje o principal item na pauta de exportações.
O Brasil é o 8º maior produtor de óleo bruto do mundo e, entre 2021 e 2023, as exportações líquidas de petróleo atingiram US$ 92,7 bilhões em receitas para o Brasil. “Por isso, avaliamos com cautela os reais impactos sobre investimentos e competitividade da nossa indústria, que conta com mais de 40 mil empresas atuando diretamente no Brasil”, informou em nota. “O IBP defende o diálogo aberto entre as lideranças brasileiras e norte-americanas a fim de encontrar uma solução diplomática para esta questão e preservar a estabilidade institucional e o fluxo comercial entre as duas maiores economias do continente”, informou o instituto.