5 perguntas para Isabelle Esser, diretora executiva de recursos humanos, pesquisa e inovação na Danone

A executiva fala sobre o papel da indústria frente a desafios como o envelhecimento da população, a crise climática e a exigência por personalização

Crédito: Divulgação

Camila de Lira 6 minutos de leitura

Como vamos comer em 2050? Mais proteína, menos açúcar e um cardápio moldado por ciência, biotecnologia e inteligência artificial. Essa é a aposta de Isabelle Esser, diretora executiva de recursos humanos, pesquisa e inovação na Danone.

Com mais de 30 anos na indústria alimentar, ela lidera uma área que vai muito além da criação de novos produtos: une saúde pública, tecnologia e impacto ambiental.

Durante um encontro exclusivo com jornalistas na sede global da empresa, em Paris (do qual a Fast Company Brasil participou), Isabelle respondeu a cinco perguntas sobre o futuro da alimentação, as transformações no comportamento dos consumidores e o papel da indústria frente a desafios como envelhecimento da população, crise climática e exigência por personalização.

A seguir, os principais trechos da conversa.

FC Brasil – Você acredita que a próxima grande transformação na indústria de alimentos virá da ciência ou da cultura? Qual o maior desafio do futuro da alimentação?

Isabelle Esser – Acredito que virá dos dois. Porque, no fim das contas, a cultura (no sentido da cultura alimentar local) determina o que as pessoas gostam de comer. A comida precisa ser gostosa, ter sabor, gerar desejo. A ciência entra para potencializar isso.

Um exemplo são as proteínas. Elas existem na nossa alimentação. A pesquisa científica, agora, está analisando como as proteínas ajudam a gerar resultados positivos para a saúde.

Desempenho sem sustentabilidade não tem futuro. Sustentabilidade sem desempenho não tem impacto.

Hoje em dia, graças a pesquisas, sabemos que a necessidade de proteína muda conforme a idade. A ciência pode nos ajudar a colocar a quantidade ideal em um produto que continue saboroso, fácil de comer e de digerir. Também usamos biotecnologia para tornar essa proteína mais digerível.

Esse é um grande desafio que teremos no futuro: como fornecer a quantidade de proteína necessária para todos? Não há tantos bois ou frangos na Terra para suprir essa necessidade, não tem espaço para plantar tanta soja ou amêndoa.

Nesse sentido, a ciência precisa nos mostrar o caminho de como encontrar proteína de outras formas, como, por exemplo, a partir da fermentação do leite. A biotecnologia tem um papel gigantesco na alimentação do futuro. 

FC Brasil  A longevidade e uma nova percepção sobre o envelhecimento estão impactando a sociedade. O Brasil terá mais de 20% da população com mais de 65 anos em 2050. Como a indústria alimentar está respondendo a essa mudança?

Isabelle Esser Antes se falava apenas em viver mais e a longevidade era calculada a partir de “quantos anos a mais poderíamos viver”. Agora, a questão é sobre a quantidade de anos saudáveis que teremos para viver. O foco está em viver melhor por mais tempo. Não faz sentido viver mais se você não está saudável ou não pode fazer o que gosta.

Participamos de pesquisas junto ao grupo cientistas da Universidade da Longevidade [Longevity University]. Uma das linhas de análise é conectar o microbioma intestinal à longevidade.

Há cada vez mais evidências de que a saúde do microbioma intestinal está relacionada à longevidade e que a diversidade da flora é fundamental para um envelhecimento saudável.

Há uma espécie chamada bifidobacteria que é muito presente quando somos jovens e desaparece com a idade. Estamos desenvolvendo produtos para restaurar essa diversidade em pessoas mais velhas. Lançamos na China um produto para uma população com mais de 60 anos, que chamamos de “youth biotics". 

FC Brasil – Como estão usando a inteligência artificial na concepção de produtos?

Isabelle Esser Temos mais de 100 trilhões de microrganismos no nosso microbioma intestinal [a flora intestinal]. E eles não apenas estão presentes: eles interagem entre si, com a barreira intestinal, com os elementos que você consome. É impossível entender tudo isso sem IA.

 Fazemos modelagem computacional, machine learning, estamos digitalizando nossos processos. Temos, por exemplo, um "intestino digital" no nosso Centro de Inovação de Paris, um sistema que reproduz todas as partes do funcionamento do sistema digestivo.

Nosso objetivo é reunir dados, e hoje já temos ferramentas de saúde digital para coletar informações de microbioma. O que queremos entender é: qual a relação entre o estado de saúde de uma pessoa e seu microbioma? E isso só é possível com IA. 

FC Brasil A Danone coloca a meta de quantidade de açúcar nos produtos para até 10 gramas ao lado da meta de redução de CO2, dando o mesmo peso para as duas. Qual a importância dessa conexão?

Isabella Esser – Não gostamos de tratar ESG como algo à parte, porque está totalmente integrado ao que fazemos. Há mais de 50 anos, um dos nossos CEOs já falava sobre o "projeto duplo" de desempenho e responsabilidade. Essa visão está incorporada em todas as nossas ações.

Criamos a Danone Impact Journey, nossa jornada de sustentabilidade, que se desdobra em três pilares. O primeiro é saúde, em linha com a nossa missão de levar saúde por meio da alimentação ao maior número de pessoas. Isso envolve a redução de açúcar, o combate à desnutrição relacionada a doenças e a pesquisa em nutrição.

Jornada de Impacto Danone

 O segundo pilar é a natureza, com foco na descarbonização. Isso passa por embalagens, cadeias produtivas e também pela agricultura regenerativa. Compramos milhões de litros de leite, então é essencial trabalhar com os agricultores para garantir práticas sustentáveis.

O terceiro pilar envolve pessoas e comunidades – desde a promoção da diversidade até o apoio à formação de agricultores e colaboradores.

 Sempre que desenvolvemos um produto, esses critérios estão no briefing desde o início. Você não pode aumentar o açúcar. Precisa reduzir a pegada de carbono. Diminuir a quantidade de embalagem. Tudo faz parte do processo de inovação e construção de marca. Desempenho sem sustentabilidade não tem futuro. Sustentabilidade sem desempenho não tem impacto.

FC Brasil - É possível equilibrar inovação, impacto ambiental e acessibilidade no preço final?

Isabelle Esser – Os consumidores não estão dispostos a pagar mais por produtos com menor pegada de carbono. Existe uma pequena parcela que está disposta, e que de fato muda seus hábitos de compra com base em determinadas marcas. Mas é uma minoria.

A maioria dos consumidores – e nós já testamos isso extensivamente – quer o melhor produto possível com o melhor custo-benefício. Se esse produto vier com uma pegada de carbono menor, ótimo. Mas isso não é um fator decisivo de compra. E a pressão não precisa vir dos consumidores, precisa vir das empresas.

Antes se falava apenas em viver mais. Agora, a questão é sobre a quantidade de anos saudáveis que teremos para viver.

Temos um compromisso real: esses critérios precisam estar incorporados à inovação desde o início. Cada vez que desenvolvemos um novo produto ou começamos a trabalhar com um novo agricultor, temos metas claras, como garantir que aquela produção aconteça dentro de práticas de agricultura regenerativa.

 Ao mesmo tempo, buscamos aumentar a produtividade, para garantir que possamos entregar o melhor produto, com o menor impacto ambiental e o melhor valor para o consumidor, de acordo com a marca e o mercado em que atuamos.

* A jornalista Camila de Lira viajou a Paris a convite da Danone


SOBRE A AUTORA

Camila de Lira é jornalista formada pela ECA-USP, early adopter de tecnologias (e curiosa nata) e especializada em storytelling para n... saiba mais