Chefes concordam em dar folgas ao time, mas não promovem quem as tira
Desligar-se do trabalho faz bem para a saúde e para a produtividade. Líderes até reconhecem isso – mas nem sempre valorizam quem põe isso em prática

Funcionários que tomam atitudes simples para preservar o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal – como ativar a resposta automática no e-mail nos fins de semana ou evitar checar mensagens durante as férias – muitas vezes são vistos como menos comprometidos com o trabalho.
Isso pode reduzir suas chances de promoção, mesmo em empresas que dizem incentivar esse tipo de comportamento. Os autores de um novo estudo batizaram esse fenômeno de “paradoxo do desligamento”.
“Nosso foco foi em situações que ocorrem fora do horário de trabalho – à noite, nos fins de semana ou durante as férias”, explica Elisa Solinas, professora assistente de marketing na IE University, na Espanha, e coautora do estudo. “Ainda assim, percebemos que quanto mais o profissional se desconecta, pior ele é avaliado.”
No experimento, os pesquisadores dividiram líderes em dois grupos. Ambos receberam a mesma descrição de um funcionário fictício, com uma única diferença: em um dos casos, o profissional tomava uma pequena iniciativa para se desligar do trabalho fora do expediente.
Os gerentes avaliaram esse funcionário como mais focado, menos estressado e com menor risco de burnout. No entanto, também o viram como menos comprometido com o trabalho.
“As mesmas pessoas que disseram que [esse funcionário] seria mais produtivo também afirmaram que ele teria menos chances de ser promovido”, destaca Eva Buechel, coautora do estudo e professora assistente de marketing na Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong. “Ou seja, até quem valoriza o equilíbrio entre vida pessoal e profissional acaba penalizando quem realmente o coloca em prática.”
Quando os pesquisadores pediram aos líderes que pensassem em situações semelhantes com membros reais de suas equipes, os resultados foram praticamente os mesmos.
Em uma etapa seguinte, os gestores descreveram seus subordinados levando em conta fatores como etnia, idade, tempo de empresa, desempenho, trabalho em equipe, comprometimento e hábitos relacionados à vida pessoal.

O resultado? Funcionários que demonstravam se desconectar – mesmo que minimamente – eram amplamente percebidos como menos comprometidos. E, por isso, considerados menos aptos a receber uma promoção.
“Já existem muitas pesquisas mostrando como idade, gênero e etnia influenciam avaliações de desempenho. Mas nesse caso, nada disso teve impacto”, afirma Buechel. “Isso mostra que o fato de se desligar do trabalho pode pesar tanto quanto – ou até mais do que – outros tipos de viés.”
PEQUENAS PAUSAS, IMPACTOS DURADOUROS
Estudos recentes mostram que se desligar do trabalho por um tempo traz benefícios significativos para todos. “A ideia era de que as férias traziam apenas ganhos pequenos e temporários para o bem-estar”, diz Ryan Grant, doutorando em psicologia na Universidade da Geórgia, nos EUA, e coautor de uma meta-análise sobre o tema. “Mas descobrimos que os efeitos são muito mais amplos.”
O fenômeno foi nomeado pelos pesquisadores como “paradoxo do desligamento”.
Segundo o estudo, o impacto positivo das férias no bem-estar é 85% maior do que se imaginava e seus efeitos duram mais: em média, 43 dias. O fator que mais influencia na intensidade e na duração desses benefícios é o quanto o profissional consegue realmente se desconectar durante esse período.
“Entre todas as atividades analisadas, essa foi a única com forte associação positiva ao bem-estar, tanto durante quanto depois das férias”, relata Grant. “Ou seja: quanto mais você se desligar do trabalho de verdade, melhor será sua experiência – e maiores os benefícios a longo prazo.”
DESLIGAR DO TRABALHO É NECESSÁRIO
Não se trata apenas de aproveitar melhor os dias de descanso. Quando os funcionários conseguem se desconectar totalmente, as empresas também ganham: mais motivação, aumento de produtividade, menos gastos com saúde e menor rotatividade.
Até mesmo comportamentos aparentemente inofensivos – como mandar um e-mail à noite ou fazer uma ligação no fim de semana – podem ter consequências negativas. Segundo Grant, esse tipo de atitude cria a sensação constante de que o descanso pode ser interrompido a qualquer momento.
“No curto prazo, pode parecer inofensivo: ‘preciso resolver isso agora’. Mas, a longo prazo, quanto menos as pessoas conseguem se desligar do trabalho, maiores serão os impactos negativos sobre sua saúde e seu desempenho.”