Desafio tarifário aproxima comércio exterior de proteção cambial

Em tempos de guerra tarifária, o aumento da proteção contra oscilações das moedas estrangeiras, com recursos como o hedge cambial, passa a ser mais relevante na estratégia de PMEs que atuam com importações e exportações

exportadores e importadores podem ser prejudicados pela tensão comercial entre EUA e Brasil
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Paula Pacheco 5 minutos de leitura

Tanto importadores quanto exportadores brasileiros estão revendo suas contas na última semana, de olho no câmbio, desde que o presidente americano Donald Trump publicou uma carta em sua rede social com uma ameaça de sobretaxar em 50% todas as mercadorias brasileiras que desembarcarem nos Estados Unidos. A taxação, segundo o republicano, valerá a partir de 1º de agosto.

EFEITO IMEDIATO

A partir do anúncio, entidades que representam os maiores setores exportadores do Brasil começaram a receber alertas de problemas pontuais. Foi assim com os contêineres de pescados, com os lotes de mel e de manga.

Para os importadores americanos, existe o medo de as encomendas chegarem quando a taxação já estiver em vigor, levando ao encarecimento dos produtos brasileiros.

"Para exportadores, o cenário muito difícil. Vale lembrar que os EUA são o segundo maior parceiro comercial. Os americanos têm uma pauta de importação de produtos brasileiros mais diversificadas do que para os outros lugares do mundo”, explica Jorge Ferreira dos Santos Filho, economista e professor de Administração da ESPM.

RISCO DE REFLEXOS NAS IMPORTAÇÕES

Mas a ameaça americana não é a única sobre a mesa. Nesta semana, foi a vez do governo brasileiro movimentar uma peça no tabuleiro com a assinatura da Lei da Reciprocidade Comercial. O dispositivo autoriza o governo brasileiro a colocar em prática medidas de proteção econômica contra os países que criarem barreiras comerciais unilaterais contra o Brasil.

Em um caso como o dos EUA, o governo brasileiro poderia, por exemplo, impor os mesmos 50% do governo Trump sobre as importações feitas por empresas brasileiras de produtos americanos.

Por ora, apesar da Lei da Reciprocidade, não se ouve falar dentro do governo da possibilidade de o Brasil devolver ‘na mesma moeda’. O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin, que lidera as negociações, não deu até agora sinais de que vai assumir um clima belicoso.

HORA DE OLHAR PARA DENTRO DA EMPRESA

Mas, mesmo que ainda não se saiba como o atrito comercial entre EUA e Brasil será resolvido, a disputa acendeu a luz amarela para as empresas brasileiras com atividades ligadas ao comércio exterior - ou seja, dependentes do câmbio - para a necessidade de proteger o capital do negócio de cenários não planejados como o que foi deflagrado pela Casa Branca.

Marisa Rossignoli, conselheira do Corecon-SP e professora Dra. da área de Economia da Universidade de Marília (UNIMAR), explica a razão de o cenário ser mais desafiador.

“Para as PMEs, é muito mais difícil, uma vez que possuem menos capital e muitas vezes, margens de lucro reduzidas. Como essas empresas têm um volume de produção menor, a melhor saída pode ser buscar alternativas no mercado interno e, principalmente, fortalecer os Arranjos Produtivos Locais (APLs). A busca por novos mercados externos também pode ser avaliada, mas cada caso é um caso”, diz.

Como adverte Santos Filho, a realocação de produtos para outros mercados (para fugir dos impostos dos EUA) não acontece em dias. Ao contrário, pode levar meses. No entanto, o golpe nas empresas é imediato. “Além disso, há o impacto do movimento do dólar”.

OSCILAÇÃO CAMBIAL TEM ALTERNATIVA

A oscilação cambial é outro componente importante, com influência sobre as finanças dos negócios. A recomendação do professor da ESPM é que as empresas sempre tenham em mente a necessidade de fazerem um provisionamento para pagar dívida contraída em dólar. Por exemplo, por meio de operações de hedge cambial. É um tipo de operação financeira que busca neutralizar os efeitos da variação do câmbio sobre investimentos, receitas ou dívidas em moeda estrangeira.

Outra possibilidade para as empresas é negociar um empréstimo junto ao banco, com uma cotação definida. Em casos assim, a instituição financeira se responsabiliza por pagar a fatura junto ao exportador e a empresa passa a ter um prazo conhecido para se capitalizar enquanto paga as parcelas do financiamento.

Carlos Honorato, professor da FIA Business School, cita os efeitos na vida de quem administra um negócio. “O empresário sofre muito com essas oscilações e vive de pagar o seu dia seguinte. Quem faz negócios internacionais costuma contar com um pouco mais de estrutura porque tem de lidar com rotinas mais complexas, como a alfandegária. Ainda assim, os desafios são muitos.”

Mesmo com essas rotinas a mais no caso das empresas ligadas ao comércio exterior, no geral o grau de profissionalização é baixo nas de porte pequeno e médio. Como relata Santos Filho, em boa parte dos casos as decisões são tomadas pelo próprio dono, que acumula funções como a de gerente financeiro e de analista. Sem ter conhecimento sobre alternativas oferecidas pelos bancos, como o hedge cambial, preferem correr risco de fechar a compra de uma máquina por uma determinada cotação e, na época do pagamento da fatura, ter de pagar uma conta mais alta por causa da disparada do câmbio.

REDUZIR RISCO CAMBIAL DEVE ENTRAR NA ROTINA

Apesar de empresários à frente de PMEs ainda acreditarem ser complexo lidar com alternativas que reduzem os riscos cambiais, Honorato orienta que o tema entre no que ele chama de “modo de operação”. Ou seja, que não seja um caminho apenas para os momentos mais críticos da economia.

“Se a empresa está crescendo, se tornando maior, precisa saber que pode contar com alternativas de proteção cambial para reduzir os riscos. E, ao mesmo tempo, se dedicar a fazer uma avaliação mais completa dos negócios (tanto na importação quanto na exportação), observar que há operações que aparentam ser lucrativas e quando são olhadas com mais cuidado se chega à conclusão que é melhor não fazer”, analisa Honorato.

A sugestão do professor da FIA Business School, diz, é a mesma que ele daria para períodos em que não há essa pressão (dos 50% de taxação). "No geral, vivemos períodos voláteis. Por isso, mesmo que seja empresa pequena, é preciso tomar cuidado permanente com o câmbio. Não dá para brincar ou fazer aposta".



SOBRE A AUTORA

Paula Pacheco é jornalista old school, mas com um pé nos novos temas que afetam, além do bolso, a sociedade, como a saúde do planeta. saiba mais