Qual é a lógica que faz o dólar subir e a Bolsa cair?

Se uma variável está em alta, a outra recua; veja como essa correlação funciona e influencia os ativos que devem compor uma carteira de investimentos

Por que o dólar dispara e a bolsa cai?
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Márcia Rodrigues 7 minutos de leitura

Você já percebeu que, quando a Bolsa sobe, o dólar costuma cair — e vice-versa? Essa relação inversamente proporcional entre o Ibovespa e o câmbio é uma das dinâmicas mais comentadas no mercado financeiro brasileiro. Mas por que isso acontece? E o que esse movimento diz sobre o momento econômico? Mais ainda: como ele impacta o dia a dia de quem investe, seja em ações brasileiras ou em ativos atrelados ao câmbio?


 

A LÓGICA DA BOLSA E DO CÂMBIO

De forma simplificada, essa relação reflete o fluxo de capital estrangeiro no país.  Normalmente, o dólar e a Bolsa brasileira se movimentam em direções opostas, refletindo o comportamento dos investidores diante do risco, pontua Caio Camargo, estrategista de investimentos do Santander.

“Quando há confiança na economia brasileira ou mesmo uma saída nos EUA, há uma entrada maior de capital estrangeiro. Isso aumenta a demanda por ações, fazendo a Bolsa subir, e ao mesmo tempo enfraquece o dólar, já que há mais moeda americana circulando no país”, diz o estrategista do Santander.

Por outro lado, completa o especialista do Santander, em momentos de incerteza ou preocupação, como crises políticas internas ou turbulências globais, os investidores tendem a retirar seus recursos do Brasil.

“Eles vendem ações, pressionando a Bolsa para baixo, e compram dólares para transferir o dinheiro para mercados considerados mais seguros, como os Estados Unidos. Esse movimento faz o dólar subir e é conhecido como ‘fly to quality’”, resume Camargo.

TERMÔMETRO DE RISCO

Sidney Lima, analista da Ouro Preto Investimentos, completa: o dólar funciona como um termômetro de risco e confiança no Brasil. Quando o investidor estrangeiro percebe estabilidade, aporta recursos aqui. Quando sente insegurança, principalmente fiscal ou política, prefere sair. “Isso mexe diretamente com os dois ativos.”

 “Quando há otimismo com o Brasil, investidores internacionais vendem dólares para comprar reais e investir na Bolsa, o que valoriza o real e impulsiona os ativos locais”, explica Gustavo Assis, CEO da Asset Bank. Em momentos de incerteza, o processo se inverte: o capital sai do país, o dólar sobe e a Bolsa sente o baque.


OS FATORES INFLUENCIAM ESSA RELAÇÃO

A política monetária (o sobe e desce da Selic, a taxa básica de juros) é um dos principais motores dessa dinâmica, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos e outras economias mundiais.

Juros altos e estabilidade fiscal costumam atrair investidores para a Bolsa e derrubar o dólar, por exemplo. Já tensões geopolíticas – como a guerra entre Rússia e Ucrânia e os confrontos entre Israel e Hamas –, inflação (dados do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, o IPCA) fora de controle ou risco fiscal elevado têm o efeito contrário.

Os dados de inflação pesam bastante, frisa Lima, já que o Brasil é um grande exportador e depende da percepção externa para atrair capital.

“Decisões do Federal Reserve [o Fed, banco central dos EUA], preços de commodities e o cenário de apetite global por risco também influenciam fortemente a relação entre Bolsa e câmbio”, afirma Assis.

BOLSA E CÂMBIO SÃO SEMPRE ASSIM?

Apesar dessa correlação ser comum, nem sempre câmbio e Bolsa fazem um movimento inverso. Existem momentos em que Bolsa e dólar sobem — ou caem — juntos.

Como explica Camargo, em períodos de muita volatilidade, como os que se tem visto recentemente, a relação entre dólar e Bolsa pode não se aplicar, pois esta relação depende do comportamento dos mercados internacionais e local.

Nesses momentos, ressalta o estrategista do Santander, é ainda mais importante que o investidor entenda o que está movimentando o mercado e mantenha uma carteira diversificada para enfrentar as oscilações com mais segurança. O principal ponto, completa o especialista, é que a maioria dos investidores ainda foca no produto enquanto o olhar deveria ser para o portfólio.

Outro exemplo de situação em que câmbio e Bolsa podem seguir o mesmo movimento, segundo Lima, é quando empresas exportadoras se destacam, atraindo capital e impulsionando os dois ativos ao mesmo tempo.

O CEO da Asset Bank lembra que durante crises globais, como no início da pandemia, houve queda simultânea nos dois indicadores. “Essas quebras de padrão geralmente indicam que o mercado está reagindo a múltiplas forças ao mesmo tempo”, complementa.

QUEM GANHA E QUEM PERDE

Tantas influências no câmbio e na Bolsa impactam no dia a dia dos investimentos. Para quem investe em ações brasileiras, acompanhar o câmbio é essencial. “Exportadoras se beneficiam com o dólar alto, enquanto setores que dependem de insumos importados podem ser prejudicados”, aponta Lima.

Além disso, a oscilação do dólar afeta preços, inflação e decisões de juros, o que interfere diretamente na performance de ativos de renda fixa e variável. Quando o dólar sobe, acrescenta Camargo, os preços de produtos importados, combustíveis, passagens e eletrônicos tendem a aumentar. Isso pode pressionar a inflação e levar o Banco Central a subir os juros, o que afeta ainda mais o mercado financeiro.

“O comportamento do dólar funciona como um termômetro de risco e confiança. Ele impacta empresas endividadas em dólar, o fluxo estrangeiro e o desempenho dos setores da Bolsa”, destaca Assis.

Para o investidor, entender essa relação ajuda a tomar decisões mais conscientes. Em momentos de instabilidade, ele pode proteger parte do patrimônio com ativos ligados ao dólar, como Brazilian Depositary Receipt (BDRs), fundos internacionais ou ouro, segundo o estrategista do Santander.

Os BDRs são títulos emitidos no Brasil que representam ações de empresas estrangeiras negociadas na B3, em fundos internacionais ou em dólar futuro, o câmbio é ainda mais importante. “A performance do ativo lá fora pode ser positiva, mas o retorno em reais depende do dólar”, alerta o executivo da Asset Bank. Ou seja, mesmo com uma boa valorização internacional, a rentabilidade pode ser reduzida se o real se valorizar demais.

O analista da Ouro Preto Investimentos reforça: “o investidor precisa entender que não está apenas exposto ao desempenho do ativo lá fora, mas também ao comportamento do real frente ao dólar”.

Ainda segundo Camargo, saber como dólar e Bolsa se comportam permite ajustar melhor os investimentos e planejar com mais segurança. Essa relação impacta não só as oscilações da carteira, mas também o planejamento financeiro pessoal.

E NOS OUTROS PAÍSES?

Essa relação inversa entre câmbio e Bolsa é mais típica de países emergentes, como o Brasil. “Aqui, o fluxo de capital externo tem um peso maior no mercado financeiro”, afirma Assis. Já em economias desenvolvidas, como os Estados Unidos, Bolsa e dólar podem até subir juntos em momentos de crescimento.

Em países desenvolvidos, o dólar costuma ser a própria moeda de referência e não um ativo de proteção, complementa Lima. Por isso, a dinâmica é diferente.

QUANDO VALE A PENA MUDAR A CARTEIRA?

Não existe uma regra fixa sobre mudar a composição da carteira segundo o comportamento de Bolsa e câmbio, mas vale observar alguns movimentos estratégicos. Momentos de dólar muito alto e Bolsa descontada podem ser boas oportunidades para reforçar posições em ações locais, orienta o CEO da Asset Bank.

Para Lima, mais importante do que tentar acertar o timing é manter uma alocação diversificada e ajustada ao seu perfil de risco. Se o cenário externo estiver mais atrativo e o real estiver valorizado, pode fazer sentido aumentar a exposição a ativos dolarizados.

DICAS PARA QUEM ESTÁ COMEÇANDO

Para quem está entrando agora no mundo dos investimentos, a recomendação dos especialistas é clara: não se desespere com os movimentos do mercado.

“Oscilações são normais. Ter uma estratégia clara, diversificar a carteira e acompanhar os fundamentos é o melhor caminho para quem está começando”, aconselha o analista da Ouro Preto Investimentos.

O CEO da Asset Bank reforça que é preciso entender que essas oscilações fazem parte do ciclo de mercado. O importante é ter visão de longo prazo e buscar conhecimento constante, inclusive sobre a relação entre ativos, que pode ser uma grande aliada na tomada de decisões estratégicas.


SOBRE A AUTORA

Márcia Rodrigues é jornalista especializada em economia e empreendedorismo. Vegetariana e apaixonada pela defesa de causas sociais, am... saiba mais