Eles transformaram a vida de gamers em um negócio milionário
Pedro Gelli, Skorpion Gamer e Problems contam como começaram, o que enfrentaram e como faturam alto com vídeos, shows e produtos inspirados em seus canais

Jogar videogame todos os dias e ganhar milhões de reais por ano com isso ainda parece um sonho distante para muita gente. Mas, para alguns gamers brasileiros, essa é a realidade, construída com persistência, criatividade e uma boa dose de estratégia que envolve a contratação de editores, designers, social media e outros profissionais.
Nesta área, o Brasil se destaca. Segundo relatório da PwC, o setor deve dobrar de tamanho até 2028 e alcançar US$ 3,67 bilhões em faturamento, com um crescimento médio anual de 16,3%. A consultoria aponta ainda que cerca de 75% da população brasileira jogam no celular - uma diversão que não precisa de gastos elevados, como um ingresso para assistir uma partida de futebol ou uma ida ao cinema.
TRAJETÓRIA NOS GAMES
Conversamos com três criadores de conteúdo que transformaram o universo dos jogos em verdadeiras empresas: Pedro Gelli, conhecido como Gelli Clash, Marco Antonio Pasinatto, o Skorpion Gamer, e Lucas Figueiredo, criador do canal Problems. Eles contaram como começaram, os desafios enfrentados, faturamento atual e dicas para quem quer seguir esse caminho.
DO PLAYSTATION À AGÊNCIA QUE FATURA MILHÕES
Pedro Gelli, 28 anos, começou a jogar videogame aos 4 anos, com o PlayStation 1. "Eu tinha o meu próprio, mas só jogava quando ia à casa dos meus primos. Minha mãe sempre me dava jogo de presente no Natal", lembra.
O primeiro canal surgiu em dezembro de 2014, e já no primeiro ano, Gelli alcançou 160 mil inscritos. Mas o "pulo do gato" veio em agosto de 2016, com um vídeo de Clash Royale em que ele gastou R$ 2 mil em gemas. “Foi meu salário inteiro do mês, que consegui com a remuneração que recebi do Youtube com as visualizações de meus vídeos. Eu arrisquei, mas, se desse certo, eu poderia visualizar”, conta. Deu certo: o vídeo bateu 1 milhão de visualizações e, no fim do ano, o canal já somava 1,2 milhão de inscritos.
Gelli diz que na época o Youtube pagava 15% do que paga hoje em dia (média de R$ 700/800 a cada 1 milhão de visualizações contra hoje média de R$ 5 mil a cada 1 milhão, que varia conforme conteúdo).
Aos 20 anos, o gammer faturava cerca de R$ 20 mil por mês. Em 2017, saltou de 1,2 milhão para 4 milhões de inscritos e, desde então, vem ganhando cada vez mais espaço no meio. Gelli reconhece que com a fama, a sobrecarga emocional aumentou. “Era preciso pensar qual seria o vídeo de amanhã que ia manter a audiência em alta”, diz. Em 2018, quando o público gamer diminuiu o interesse pelo jogo Clash Royale, ele o trocou pelo Free Fire e manteve o sucesso. Chegou a postar 60 vídeos por mês divididos entre os dois canais que mantém até hoje — Gelli Clash e Gellones — até desacelerar em 2022.
Hoje, Gelli é sócio da agência Curta Hub, que atende 58 influenciadores, sendo 35 gamers. A empresa atua em cinco frentes: publicidade, licenciamento (600 mil produtos vendidos em 2023), dublagem de conteúdo em 10 idiomas com uso de IA, shows e infoprodutos (cursos). Em 2024, a Curta Hub faturou R$ 23 milhões. A previsão para 2025 é de R$ 91 milhões.
Entre os gamers que compõem o casting da agência, estão os 10 maiores especialistas em Minecraft do Brasil 0 - entre eles, Athos, Cadres, Problems. Também fazem parte os gamers referência em GTA: Skorpion, Felipe Victor e Gamer Costa; e o Jazzghost, um dos mais antigos do Brasil e atinge até 1,5 milhão de visualizações por vídeo.
SKORPION GAMER: DO VLOG AO CANAL COM 6,8 MILHÕES DE INSCRITOS
Marco Antonio Pasinatto, 23 anos, começou no YouTube com um canal de vlogs sobre adrenalina e motos. Por sempre ser apaixonado por games, ele diz que a transição aconteceu naturalmente. “Eu criava narrativas dentro do GTA desde o começo”, explica.
A virada veio entre 2015 e 2016 com uma live sobre o lançamento do GTA. A transmissão terminou com 20 mil views e chegou a 1 milhão no fim de semana. Aos 16 anos, já tinha mais de 1 milhão de inscritos. Aos 17, faturava R$ 30 mil líquidos por mês, já considerando salários da equipe.
Hoje, Skorpion tem uma equipe de 10 pessoas e publica cerca de 60 vídeos por mês. A operação inclui roteiristas, editores, designers, gerente geral e profissionais de dublagem. “Existe o gamer, o consumidor de conteúdo e o empresário. Poucos querem empreender. Jogar a madrugada inteira não transforma isso em negócio”, afirma.
O canal tem produtos licenciados como cadernos e cadeiras gamer. O faturamento foi de R$ 1,2 milhão em 2024. Com a aguardada chegada do jogo GTA no Brasil no ano que vem, a expectativa é de atingir a marca de R$ 3 milhões em 2026.
PROBLEMS: 90 VÍDEOS POR MÊS E SHOWS COM MILHARES DE FÃS
Lucas Figueiredo, de 24 anos, criou o canal Problems em agosto de 2021 incentivado pelo pai, Anderson. “Comecei sozinho, fazendo tudo: jogava, editava, publicava”, diz. No primeiro mês, faturou R$ 10 mil.
O canal, focado em Minecraft e Roblox, mistura gameplays com histórias, curiosidades e vídeos em formato de TV. Hoje, Lucas tem uma equipe com mais de 20 pessoas, incluindo editores, designers, social media, administração e criadores de mapas. A produção é intensa: 30 vídeos longos e 60 curtos por mês.
Em 2024, Problems faturou R$ 3,5 milhões só com o YouTube. Para 2025, a previsão é chegar a R$ 5 milhões, já que até este mês a receita atingiu R$ 2,5 milhões. O canal tem shows próprios e foram mais de 30 realizados em 2024.
Neste ano, Problems e os amigos que participam das lives – Kadu, Zoom, Mel e Stick – já se apresentaram duas vezes em Portugal e uma em São Paulo. Até o final do ano serão promovidos mais 10 shows. A Melzinha, sua irmã de 11 anos, que também participa dos vídeos, não vai aos shows por ser criança.
O gamer também tem produtos licenciados como bonecos, jogos de tabuleiro e materiais escolares. Lucas também está escrevendo um livro sobre a história do canal e seus personagens. Melzinha, segundo ele, deve seguir seus passos e ser influencer.
ROTINA PUXADA E CUIDADO COM O DINHEIRO
A rotina dos criadores costuma ser intensa. Skorpion, por exemplo, dorme por volta das 3h e acorda às 10h. “Com frequência é das 18h às 6h da manhã que faço a produção de vídeos. Já desisti de fazer shows porque vi como é estressante”, afirma.
Lucas trabalha das 8h às 16h nas gravações e dedica as noites para shows, novos projetos e escrita do livro.
Nos bastidores, todos se preocupam com o futuro. Skorpion administra sua carteira de investimentos desde os 16 anos. No seu portfólio há ativos como ações e do exterior. “Meu segundo trabalho é investimento. Fiz cursos de administração e estudo sobre finanças.”
Lucas se considera conservador com dinheiro. “Sempre fui controlado, nunca esbanjei. Hoje já me permito curtir um pouco. Vou para a Disney, nos Estados Unidos, com a família no segundo semestre”, conta.
DICAS PARA QUEM QUER COMEÇAR
Os três gamers concordam que o sucesso não vem do dia para a noite.
Para Gelli, a chave é resiliência, mas o gamer não pode insistir em algo que não está dando certo. “É preciso entender o que você errou e ser antifrágil, ou seja, não deu certo, aprenda e siga em frente.”
Skorpion reforça que apenas jogar não basta. “Há uma diferença entre um jogador consumidor, que tem o foco apenas em jogar, passar noites inteiras jogando, do que aquele que vê oportunidades, quer empreender e sabe a importância de estruturar, planejar e tratar a atividade como negócio.”
Lucas deixa o recado para quem quer começar agora: “Você precisa confiar no que faz e ouvir seu público, mas sem perder sua essência. É um equilíbrio entre o que você ama e o que eles querem ver.”