Brechó infantil cria plataforma de assinaturas para frear consumo
Nos EUA, a Prelove You permite comprar e vender roupas usadas exclusivamente para crianças com o uso apenas de créditos; objetivo é desestimular consumo de peças novas

Na era das mudanças climáticas, muitas pessoas estão tentando consumir de forma mais consciente. Quando se trata de moda, isso geralmente significa comprar menos roupas e usá-las por mais tempo. Mas esse é um princípio difícil de seguir com roupas infantis.
ROUPAS DE SEGUNDA MÃO
As crianças crescem rapidamente; elas também rasgam e mancham as roupas com facilidade. É tentador comprar roupas baratas que você não se importará em jogar fora depois de algumas vezes.
E é fácil fazer exatamente isso quando a fast fashion infantil é abundante, em todos os lugares, da Target à H&M. Agora, uma nova plataforma quer tornar igualmente fácil para pais e filhos comprarem roupas de segunda mão.
ROUPAS NÃO DEVEM SER DESCARTÁVEIS
Hoje, a Prelove You oferece uma plataforma baseada em assinaturas que permite comprar e vender roupas usadas exclusivamente para crianças.
E, ao contrário de outros sites de roupas de segunda mão, como ThredUp e Poshmark, a Prelove You não realiza transações em dinheiro, mas em créditos. Você ganha créditos pelo envio de roupas, que podem ser usados para comprar outros produtos no site.
“Na era do fast fashion, é fácil pensar em roupas como descartáveis”, diz Rebecca Bahmani, fundadora da Prelove You. “Estamos tentando combater isso ensinando-lhes que suas roupas têm valor real, que podem usar para comprar outras roupas.”
O PLANETA ESTÁ SE AFUNDANDO EM ROUPAS
Alguns especialistas estimam que as marcas de moda produzem mais de 100 bilhões de peças de roupa por ano, para apenas 8 bilhões de seres humanos. A produção dessas roupas consome enormes quantidades de matérias-primas, como algodão e petróleo, e é responsável por até 8,6% da pegada global de gases de efeito estufa (GEE).
Atualmente, muitas empresas, como a Circ e a Repreve, estão desenvolvendo tecnologias que nos permitirão reciclar roupas velhas e transformá-las em novas, o que é muito menos prejudicial ao meio ambiente do que fabricar roupas novas do zero. Mas, até que esse tipo de reciclagem se generalize, uma abordagem mais sustentável é comprar roupas usadas. Afinal, já existem roupas suficientes no planeta para vestir a humanidade por décadas.
Com o Prelove You, Rebecca queria criar uma plataforma que facilitasse o acesso das famílias a roupas de segunda mão para seus filhos. Para comprar no site, você precisa primeiro se tornar um membro. Há três níveis de assinatura, que variam de US$ 35 a US$ 95 por mês, que dão acesso a 30 a 75 créditos por mês. Os preços das roupas são baseados na qualidade e na marca. Uma jaqueta bomber da Rockets of Awesome custa 21 créditos, um par de tênis Vans com velcro custa 31 créditos.
"Uma assinatura faz sentido porque as famílias precisam comprar roupas para seus filhos regularmente", diz a fundadora da marca. “As crianças crescem rápido demais para as coisas e têm necessidades específicas, como roupas de banho para o verão.”
COMEÇO COM RECURSOS PRÓPRIOS
Rebecca, que anteriormente trabalhou em uma fabricante de rendas chamada Klauber Brothers, Inc., criou a empresa por meio de recursos próprios. Ela passou anos coletando o estoque inicial pedindo doações para lançar o site. Mas a empresa também está arrecadando fundos para permitir sua expansão, principalmente no que diz respeito à automatização da logística de recebimento de roupas de segunda mão, upload delas no site e envio aos clientes. O ThredUp, um site de roupas de segunda mão que gerou US$ 260 milhões em receita no ano passado, cresceu graças aos seus armazéns de alta tecnologia e altamente automatizados.
Para continuar aumentando o estoque da plataforma, os assinantes são convidados a enviar todas as roupas que seus filhos já não usam mais. Eles receberão créditos com base na qualidade da peça. Roupas de grife e aquelas em excelentes condições ou sem uso receberão mais créditos do que aquelas de marcas populares e roupas com mais desgaste. Mas o site aceita roupas de todas as marcas, incluindo marcas de fast fashion como a Shein. Rebecca ressalta que mesmo roupas baratas consomem muitos recursos para serem produzidas. Portanto, é igualmente importante mantê-las longe dos aterros sanitários.
A empreendedora queria garantir que as famílias se sentissem confortáveis em enviar roupas que não podem ser usadas. A Prelove oferecerá um crédito por essas roupas e as enviará para reciclagem em uma empresa que produz isolamento para casas. "Estamos tentando ensinar as crianças a descartar roupas de forma responsável", explica Rebecca. "A reciclagem criativa é muito melhor do que simplesmente jogá-las em um aterro sanitário. E, com o tempo, estaremos buscando a reciclagem de tecido para tecido."
BONS HÁBITOS PARA AS CRIANÇAS
O site da Prelove You foi projetado para ser divertido, interativo e simples o suficiente para as crianças usarem. O número de créditos necessários para comprar um produto está claramente marcado e é fácil adicionar produtos aos favoritos. E como o site se concentra exclusivamente em roupas infantis, a navegação é mais fácil para as crianças. "As crianças geralmente querem participar da escolha de suas próprias roupas", explica Rebecca. “Queríamos tornar a experiência divertida para eles.”
De forma mais ampla, porém, seu objetivo é ajudar a incutir hábitos de compra mais responsáveis nas crianças. O site pretende tornar as compras de usados tão divertidas quanto as de novos. Ele também foi projetado para dar às crianças uma noção tangível de como é uma economia circular, onde as roupas são mantidas em circulação pelo maior tempo possível.
Há evidências de que os jovens estão mais dispostos a comprar produtos de brechó do que a geração anterior: 83% da Geração Z está disposta a comprar usados, e o mercado global de produtos usados aumentou em mais de um terço nos últimos anos. Mas, ao mesmo tempo, os jovens são responsáveis pela explosão de marcas de moda ultrarrápida como Shein e Temu. Muitos adolescentes e jovens na faixa dos 20 anos agora compram enormes quantidades de roupas — ou "compras" — de varejistas baratos e as compartilham nas redes sociais.
A criadora da marca acredita que ainda há tempo para moldar os hábitos de compra das crianças mais novas para que cresçam e se tornem o tipo de pessoa que entende o valor das roupas e vive de forma mais sustentável. “Se eles crescerem entusiasmados com a ideia de comprar produtos usados, provavelmente se tornarão adultos que farão o mesmo”, diz ela.
O QUE ACONTECE NO BRASIL
Dados da Boston Consulting Group mostram a tendência de crescimento da adesão à moda circular de uma forma geral (incluindo adultos). No Brasil, o setor de itens de moda usados pode crescer de 15% a 20%, ultrapassando o valor do mercado de fast fashion até 2030. O que mais estimula a adesão dos consumidores a esse segmento é "passar à frente roupas paradas" (38%), seguido por "liberar espaço no guarda-roupa" (34%).
São números que animam os empreendedores. Mas há desafios, como explica a gestora de Moda do Sebrae nacional, Kamila Merle, em nota. Para a especialista, abrir um brechó é importante que o empreendedor se identifique com o propósito do negócio.
“É preciso ter um interesse pessoal com o consumo consciente. A sustentabilidade e a moda circular devem ser valores para quem quer ter um brechó. O empreendedor também deve avaliar se tem a capacidade de curadoria, ou seja, habilidade de identificar as peças e avaliar o valor agregado”, aponta Kamila.
Para os empreendedores, é a oportunidade de investir no consumo mais sustentável e consciente - uma tendência global com grande apelo principalmente entre as gerações mais novas.
Além dos negócios próprios, há também redes de franquia de brechós de moda para criança. Entre as marcas estão a Cresci e Perdi (comprada em 2023 pela Enjoei), a Repitikos, a Joaninha, a Re Petit e a Arena Baby. (COM FAST COMPANY BRASIL)