Passagens aéreas são só o começo: preços “dinâmicos” estarão por toda parte

A IA está prestes a mudar a forma como os preços são definidos, transformando cada compra em uma oportunidade personalizada de lucro

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Chris Stokel-Walker 3 minutos de leitura

As férias de verão começaram nos Estados Unidos, mas esta pode ser a última vez que os norte-americanos consigam viajar de avião por um preço razoável – especialmente se a Delta Airlines conseguir colocar em prática o que está planejando.

Como a maior companhia aérea do mundo em receita anual e a segunda em número de passageiros, a Delta é uma referência no setor. E justamente por isso é tão preocupante a ideia de que ela quer usar inteligência artificial para definir o valor das passagens.

Segundo o presidente da empresa, Glen Hauenstein, até o fim deste ano cerca de 20% das passagens vendidas já terão seus preços determinados por IA – um salto enorme em relação aos 3% atuais.

O objetivo, no longo prazo, é que esse número chegue a 100%. “Estamos repensando totalmente a maneira como precificamos hoje e como vamos fazer isso no futuro”, afirmou ele a investidores em novembro de 2024.

Para a companhia, a mudança pode garantir “receitas unitárias extremamente vantajosas” – mas, para os passageiros, pode pesar bastante no bolso. Muitos temem que a “personalização” acabe virando desculpa para cobrar mais caro.

“Preço dinâmico não é novidade no setor aéreo”, explica Kerry Tan, professor de economia da Loyola University Maryland, nos EUA. Mas, com mais dados e tecnologias mais sofisticadas, o avanço da IA nesse processo levanta questões importantes.

“É claro que a Delta – como qualquer empresa – quer lucrar e pode se beneficiar ajustando os preços de acordo com o que o consumidor está disposto a pagar”, afirma Tan.

A grande questão é que o tamanho e a influência da Delta Airlines podem abrir caminho para que outras empresas – tanto do setor aéreo quanto de outros segmentos – adotem essa mesma estratégia.

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“Na economia, partimos do princípio de que as empresas buscam maximizar seus lucros. Então, de certo modo, isso é apenas uma forma de alcançar esse objetivo”, diz Tan. “Mas também mostra como as empresas estão dispostas a espremer o consumidor até o último centavo.”

É essa lógica que faz, por exemplo, a Disney cobrar tarifas variáveis pelo Lightning Lane (o sistema de acesso rápido nas filas dos parques) ou os cassinos de Las Vegas aumentarem constantemente as taxas de resort.

Essa lógica vai além de passagens ou ingressos. “Sempre que possível, as empresas vão tentar usar inteligência artificial para isso”, diz Tan. Os preços no supermercado parecem mais difíceis de manipular, mas já existem sinais de mudança.

Algumas redes europeias começaram a adotar etiquetas digitais nas prateleiras, que permitem alterar os preços em tempo real. Elas podem, por exemplo, reduzir os valores para evitar desperdício – mas também aumentar se perceberem maior demanda ou até a presença de um cliente identificado digitalmente.

CONSEQUÊNCIAS DOS PREÇOS DINÂMICOS PARA O CONSUMIDOR

Mesmo assim, Tan pondera que, do ponto de vista econômico, a IA faz mais sentido em produtos de maior valor – como passagens aéreas – do que em itens básicos, como uma caixa de leite.

Tim Quigley, professor de administração da Universidade da Geórgia, concorda e acredita que essa tecnologia deve se espalhar. “Se muitas pessoas começarem a procurar um produto específico em determinada rede de lojas, por exemplo, o preço pode subir”, aponta. “Esse tipo de ajuste é algo que a IA pode fazer sem a necessidade de qualquer interferência humana.”

o tamanho e a influência da Delta Airlines podem abrir caminho para que outras empresas adotem a mesma estratégia.

O setor hoteleiro também é um forte candidato a seguir essa tendência. “O quanto você está disposto a pagar por uma diária no Marriott ou no Hilton pode ser bem diferente do que eu pagaria”, explica Tan. “Se a empresa conseguir identificar esse limite e cobrar exatamente o que você está disposto a pagar, o lucro será muito maior.”

Quigley alerta que o preço dinâmico pode tornar a vida do consumidor ainda mais difícil. “Esse tipo de coisa vai entrando no nosso dia a dia e, quando a gente percebe, já aceitou”, diz. “Por isso é importante falar sobre o assunto e que mais veículos de imprensa o coloquem em pauta.”

Para ele, o primeiro passo deve ser a proteção de dados. “As empresas estão usando nossas informações de formas que a gente nem imagina”, afirma. “Talvez seja hora de estabelecer regras básicas para garantir que o consumidor – ou seja, nós – seja o verdadeiro dono dos seus dados.”


SOBRE O AUTOR

Chris Stokel-Walker é um jornalista britânico com trabalhos publicados regularmente em veículos, como Wired, The Economist e Insider saiba mais