O futuro do trabalho precisa das mulheres negras – e ele já começou

É hora de reconhecer as mulheres negras como parte essencial da inteligência coletiva que os novos tempos exigem

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Luana Ozemela 3 minutos de leitura

Saí do Brasil há 25 anos e, ao longo da minha trajetória, passei por países, organizações multilaterais, universidades e corporações onde fui muitas vezes a única mulher negra na sala. Se antes essa constatação me paralisava, hoje ela me movimenta.

O futuro do trabalho não será verdadeiramente novo enquanto seguir se parecendo com o passado. E um dos caminhos mais urgentes para transformá-lo passa pela presença ativa, estratégica e plural das mulheres negras.

Estamos diante de uma transição profunda nas dinâmicas do mercado: tecnologias emergentes, mudanças nos modelos de liderança, exigências sociais e ambientais que ganham força.

Nesse cenário, não basta discutir inovação, produtividade e impacto sem enfrentar a pergunta central: quem está tendo acesso a esse futuro? E mais: quem está ajudando a moldá-lo?

As mulheres negras não podem continuar sendo lembradas apenas nas estatísticas da exclusão. É hora de reconhecê-las como parte essencial da inteligência coletiva que esse novo tempo exige.

Meu olhar para a desigualdade racial sempre foi econômico. Não porque a dimensão moral seja menos importante, mas porque precisamos evidenciar o que o sistema perde ao nos manter à margem. A equidade racial, especialmente com foco na mulher negra, é um motor de crescimento e não um custo.

Quando há acesso à educação de qualidade, oportunidades reais de liderança e ambientes que respeitam nossas trajetórias, toda a engrenagem social e econômica se fortalece. Essa é uma equação comprovada e estratégica.

Para isso, no entanto, é preciso entender a complexidade do desafio. Gosto de pensar a desigualdade em duas dimensões: o estoque e o fluxo. O estoque diz respeito ao legado histórico da escravização e à ausência sistemática de acesso (é o que enfrentamos com políticas estruturantes, como ações afirmativas e investimentos sociais).

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Já o fluxo é o que produzimos cotidianamente: as barreiras silenciosas, a desconfiança institucionalizada, o "imposto invisível" que penaliza o mérito negro. A mulher negra, mesmo quando alcança todos os requisitos formais, ainda precisa provar e sustentar seu lugar por caminhos mais difíceis. E isso é um desperdício de talento que não podemos mais naturalizar.

As soluções existem e precisam de escala. Garantir acesso à formação técnica e continuada é parte do processo, mas não basta. É necessário repensar critérios, reconhecer saberes que vêm de outras experiências, valorizar trajetórias que não seguem o modelo tradicional, mas que geram resultados concretos.

A mulher negra já está inovando em diferentes frentes, seja no empreendedorismo, na ciência, nas artes, nas comunidades, nas empresas. A diferença está em quem tem sido autorizado a ocupar os espaços mais visíveis.

A equidade racial, especialmente com foco na mulher negra, é um motor de crescimento e não um custo.

Outro passo essencial é o compromisso com a visibilidade e o desenvolvimento. Não basta contratar: é preciso sustentar essas presenças com patrocínio interno, mentorias com propósito e rotas reais de crescimento.

A liderança negra feminina não se constrói apenas com discursos inspiradores, ela exige estrutura. E mais: exige que as organizações se responsabilizem pela criação de ambientes onde essa liderança possa florescer sem medo, sem interrupção e sem a sensação de estar sempre sozinha.

Também é hora de mudar a forma como contamos as histórias. A mulher negra não é apenas resistência. Ela é criação, gestão, estratégia, solução.

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Contar essas histórias é importante, mas mais importante ainda é garantir que elas se multipliquem. O futuro do trabalho precisa deixar de tratar nossas trajetórias como exceção. Isso exige intenção, investimento e uma mudança real de cultura.

Neste 25 de julho, escolho olhar para frente. Porque não estamos mais pedindo passagem – estamos pavimentando caminhos. O que o futuro do trabalho precisa não é apenas de mais diversidade nos números. Ele precisa da força criativa, analítica, coletiva e transformadora das mulheres negras em todos os níveis de decisão

Nós já começamos. Agora é hora de garantir que não sejamos interrompidas.


SOBRE A AUTORA

Luana Ozemela é diretora de sustentabilidade do iFood. saiba mais