5 perguntas para Evan Osnos, jornalista e escritor

Um mergulho no mundo dos ultrarricos e seu crescente descolamento da realidade – e dos cidadãos comuns

Evan Osnos, escritor e jornalista
Crédito Peter Marovich

Yasmin Gagne 6 minutos de leitura

Evan Osnos, escritor e colaborador da revista "New Yorker", passou décadas documentando as transformações sociais, econômicas e políticas na China. Atualmente, escreve sobre política norte-americana. Mas, para entender a segunda eleição de Donald Trump à presidência do país, ele percebeu que precisava compreender a vasta desigualdade na sociedade dos Estados Unidos.

Segundo dados do Federal Reserve (o equivalente ao Banco Central) de 2024, mais de dois terços da riqueza do país estão concentrados nos 10% mais ricos – e o 1% mais rico detém mais de um terço dessa riqueza.

A nova coletânea de ensaios de Osnos, "The Haves and Have Yachts: Dispatches on the Ultrarich" (Os que têm e os que têm iates: reportagens sobre os ultra-ricos, em tradução livre), explora o mundo desse 1%. Nesta entrevista, ele fala sobre o livro, as causas da crescente desigualdade econômica nos EUA e os riscos que isso representa para a democracia.

Fast Company – O que você aprendeu sobre como as elites abriram caminho para a eleição de Trump?

Evan Osnos – Há muitos culpados pela criação do mito de Donald Trump, que se sustentou por tanto tempo. Em Nova York, Trump era uma presença constante na mídia. Estava sempre nos jornais, em parte porque fingia ser seu próprio assessor de imprensa e plantava histórias.

A virada se deu com o programa "O Aprendiz", quando ele passou a ser visto de outra forma pelo público dos EUA. De repente, por meio de uma persona inventada, ele passou a ser reconhecido como o símbolo do capitalista bem-sucedido da grande cidade.

A razão pela qual a palavra “elite” se tornou tão carregada é que Trump usou sua posição dentro dos círculos de poder para dizer ao público “por eu ser da elite, posso ajudá-los a abrir as portas. Vou mostrar por que o governo é corrupto, como ele funciona, e por isso eu, querido eleitor, vou dar a você uma fatia desse poder.”

Depois de meio século vendendo a ilusão de acesso ao poder e à fortuna, ele e sua família entenderam que, em 2025, aquilo pelo que as pessoas mais estão dispostas a pagar – e pagar caro – é o acesso aos mais altos escalões do governo.

A experiência de entrar nesse mundo está mais distante da vida real do que quem está de fora pode imaginar.

Trump nomeou 13 bilionários para cargos de alto escalão em sua administração. Pode-se imaginar o argumento de que são pessoas bem-sucedidas, que entendem o mercado e a economia. O problema surge quando o governo se distancia tanto da experiência da vida real que passa a ter dificuldade em expressar e concretizar a vontade pública.

Foi bastante revelador quando Howard Lutnick, então secretário do comércio, disse que sua sogra não notaria se o cheque da previdência social dela deixasse de chegar. Acho que muita gente notaria, sim, se o pagamento não caísse.

Esse foi o tipo de coisa que também afetou Elon Musk, quando ele começou a falar da empatia como uma fraqueza da civilização ocidental ou a chamar a previdência social de esquema de pirâmide. Isso revelou o quanto sua vida havia se distanciado da experiência das pessoas comuns.

Fast Company – Você diz que, hoje, é quase mais fácil para um bilionário viver em um iate de luxo do que em terra firme. Por quê?

Evan Osnos – Um CEO do Vale do Silício me disse que você não pode morar numa casa de US$ 500 milhões – isso pega mal. Seus funcionários vão ficar indignados. Mas um barco de meio bilhão de dólares é outra história. Esse mesmo CEO disse que o iate é o melhor lugar para “absorver o capital excedente”, como ele mesmo colocou.

Evan Osnos_escritor

Algumas empresas, por conta da estrutura acionária, geram tanto dinheiro para seus fundadores e principais investidores que eles enfrentam o problema de ter capital em excesso e precisam encontrar formas de alocá-lo sem provocar reações negativas, tanto sociais quanto culturais – e, no fim, também nos negócios.

Um dos temas que observei nesse universo é que tudo isso é, de certa forma, o resultado natural de um culto inconsciente ao “tamanho”. Não faz muito tempo, achávamos que crescer, escalar, era sempre algo positivo, sem ressalvas.

Quando escrevi um perfil de Mark Zuckerberg para a "New Yorker", conversei com ele e com seus funcionários sobre o período em que “conectar pessoas” era basicamente um eufemismo para “crescer”. E crescer era uma ideia autojustificável, um fim em si. Os iates são a representação simbólica desse conceito.

Fast Company – Essas elites dos iates estão completamente desligadas da realidade do cidadão comum?

Evan Osnos – A experiência de entrar nesse mundo está mais distante da vida real do que quem está de fora pode imaginar. Um dono de iate disse, em um documentário, que se o público soubesse como é realmente a vida nesses barcos, trariam de volta a guilhotina. Parece piada, mas não é – o mais impressionante é que eles sabem.

Um comentário profético de um século atrás, feito pelo juiz da Suprema Corte Louis Brandeis, resume bem a situação: “você pode ter democracia ou pode ter concentração de riqueza nas mãos de poucos. Mas não pode ter os dois.”

Trump nomeou 13 bilionários para cargos de alto escalão em sua administração.

Essa foi uma das observações que levaram ao New Deal [plano implementado nos EUA entre 1933 e 1939 para combater a Grande Depressão] e a um esforço para redistribuir os recursos de forma mais equitativa.

Isso resultou em um período de aumento do padrão de vida para mais pessoas – período que terminou no final dos anos 1970. Acho que hoje há uma certa consciência, por parte de alguns políticos, de que precisamos reencontrar esse caminho.

Fast Company – Você escreveu sobre elites que criticam outras elites dizendo “eu sou diferente porque entendo o povo”. Por que isso ressoa tanto com os eleitores?

Evan Osnos – No fundo, os norte-americanos sempre quiseram enriquecer. Sempre foi assim e sempre será. Isso está no cerne da ideia americana. O que está mudando agora é que mais pessoas estão percebendo os obstáculos nesse caminho.

Parte do motivo pelo qual Trump conseguiu se eleger novamente é porque ele consegue dizer – mesmo que de forma implícita – que quer que as pessoas prosperem.

O desafio é fazer com que as pessoas visualizem os pontos de fratura da nossa economia que dificultam esse progresso. A chave não está em dizer que devem desistir de enriquecer, mas em dar a elas as informações para entender por que isso não está acontecendo.

Fast Company – Qual é seu capítulo favorito no livro?

Evan Osnos – O texto sobre estrelas pop que se apresentam em festas privadas. O que me interessou foi: qual é o fator econômico por trás disso? O que faz uma estrela que poderia estar cantando para 40 mil fãs em um estádio dizer “vou fazer um show para uma festa de 15 anos em Teaneck”?

No fim, não é tão complicado assim. O que torna isso um retrato do nosso tempo é o simples fato de que, até recentemente, ninguém podia bancar o Foo Fighters no quintal de casa numa quinta-feira. Agora, tem que possa.

Créditos: Kenny Eliason/ Memento Media/ Unsplash

Quando você entra nesse tipo de mundo de oportunidades e experiências, a curva vira vertical, e com ela vem acesso a muitas outras coisas. Isso pode ser perigoso para um país, pois significa que essas pessoas se afastam cada vez mais da realidade das pessoas "comuns".

Isso é perigoso até para elas mesmas, porque correm o risco de sofrer uma reação violenta e perceber que perderam totalmente o contato com as pessoas com quem deveriam estar em sintonia.

Cito no livro o historiador Ramsay MacMullen, grande estudioso da Roma Antiga. Perguntaram a ele se conseguiria resumir a história da queda de Roma com a maior concisão possível. Ele respondeu que levou 500 anos, mas pode ser resumida em três palavras: “menos gente tinha mais”.


SOBRE A AUTORA

Yasmin Gagne é escritora e redatora da Fast Company. saiba mais