A IA está mesmo nos deixando mais burros? Depende de como ela é usada

À medida que mais pessoas começam a delegar tarefas cognitivas à inteligência artificial, vale a pena refletir sobre o que ganhamos com isso – e o que podemos acabar perdendo

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Aaron French 5 minutos de leitura

Em 2008, a revista “The Atlantic” causou polêmica com uma provocativa matéria de capa: “O Google está nos deixando burros?”. No ensaio – que depois virou livro –, o autor Nicholas Carr argumentava que sim. Segundo ele, ferramentas como os mecanismos de busca estariam prejudicando nosso pensamento crítico e a capacidade reter informações.

A preocupação de Carr girava em torno da ideia de que, com a possibilidade de buscar qualquer coisa na internet em questão de segundos, deixamos de memorizar e de aprender de fato. Embora isso tenha um fundo de verdade, os buscadores ainda exigem um certo grau de pensamento crítico para interpretar e contextualizar os resultados.

Avançando para os dias de hoje, estamos diante de uma mudança tecnológica ainda mais radical. Com o surgimento de ferramentas de IA generativa, como o ChatGPT, o que está em jogo já não é apenas a memória – é o próprio pensamento.

Essas ferramentas não apenas buscam informações, também são capazes de criar, analisar e resumir conteúdos. É uma transformação profunda. Pela primeira vez, uma tecnologia parece capaz de substituir aspectos do raciocínio e da criatividade humana. E isso nos leva à pergunta central: o ChatGPT está nos deixando burros?

Sou professor de sistemas de informação e trabalho com inteligência artificial há mais de 20 anos. Tenho acompanhado de perto essa evolução. Vendo cada vez mais pessoas delegarem tarefas cognitivas à IA, acredito que vale a pena nos perguntarmos: o que estamos, de fato, ganhando com isso – e o que podemos estar perdendo?

IA E O EFEITO DUNNING-KRUGER

A IA generativa está mudando a forma como acessamos e processamos informações. Para muitos, ela elimina a necessidade de consultar fontes, comparar pontos de vista e lidar com incertezas. Em vez disso, entrega respostas rápidas, claras e bem elaboradas.

Mesmo que nem sempre estejam corretas, essas respostas são, sem dúvida, eficientes – e essa eficiência já está mudando a maneira como pensamos e trabalhamos.

Mas toda essa conveniência pode cobrar um preço. Ao depender da inteligência artificial para pensar por nós, corremos o risco de perder nossa capacidade de análise crítica, de resolver problemas complexos e de nos aprofundar em assuntos mais densos.

quem usar a inteligência artificial como substituta da própria inteligência vai ficar para trás.

Embora ainda faltem estudos sobre isso, o consumo passivo de conteúdo gerado por IA pode diminuir a curiosidade intelectual, reduzir a capacidade de concentração e criar uma dependência que prejudica nosso desenvolvimento cognitivo no longo prazo.

Para entender melhor esse risco, vale lembrar do efeito Dunning-Kruger – o fenômeno segundo o qual pessoas com menos conhecimento tendem a ser mais confiantes justamente porque não percebem o quanto ainda não sabem. Já os mais instruídos costumam ser mais cautelosos, por reconhecerem as nuances e complexidades que ainda não dominam.

Esse conceito se aplica bem ao uso da IA generativa. Enquanto alguns utilizam ferramentas como o ChatGPT para evitar esforço mental, outros as usam para expandir sua capacidade de pensar.

No primeiro caso, o usuário pode acreditar que domina um assunto apenas por repetir o que a inteligência artificial gerou, produzindo uma falsa percepção de inteligência, mesmo que o esforço cognitivo tenha sido mínimo.

Isso cria uma divisão clara entre dois perfis de usuários: os que ficam presos no que chamo de “pico da montanha da burrice”, usando a IA como substituta do pensamento; e os que a usam para expandir sua capacidade intelectual.

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Ou seja, a questão não é usar ou não usar IA generativa, mas como usá-la. Quando usado sem senso crítico, o ChatGPT pode levar à acomodação intelectual: o usuário aceita tudo o que a inteligência artificial diz sem questionar, sem buscar outras fontes, sem se aprofundar.

Por outro lado, quando usado com discernimento, o ChatGPT pode ser um excelente estímulo à curiosidade, à geração de ideias, à compreensão de assuntos complexos e ao enriquecimento do debate.

No fim das contas, o que vai nos deixar mais burros – ou mais inteligentes – não é a inteligência artificial em si, mas o modo como a utilizamos. A IA generativa deve ser uma aliada da inteligência humana, não uma substituta. Deve servir como ponto de partida para refletir, investigar e se aprofundar, nunca como uma resposta definitiva.

IA, PENSAMENTO CRÍTICO E O FUTURO DO TRABALHO

A popularização da IA generativa – impulsionada pela ascensão meteórica do ChatGPT, que conquistou 100 milhões de usuários em apenas dois meses – nos coloca, a meu ver, diante de uma encruzilhada.

Um caminho leva ao empobrecimento intelectual, no qual a IA passa a pensar no nosso lugar. O outro representa uma oportunidade: usar a tecnologia como parceira para ampliar nossas capacidades e crescer junto com ela.

Com a IA generativa, o que está em jogo já não é apenas a memória, é o próprio pensamento.

Costuma-se dizer que “a IA não vai tirar o seu emprego, mas alguém que souber usá-la pode tirar”. Para mim, está claro: quem usar a inteligência artificial como substituta da própria inteligência vai ficar para trás, preso no alto da montanha da burrice. Esses serão os primeiros a serem substituídos.

Já quem fizer um uso colaborativo da IA – trabalhando junto com ela para alcançar resultados que nenhum dos dois conseguiria sozinho – estará trilhando o caminho do crescimento. É esse o futuro do trabalho.

Comecei este artigo com a pergunta: o ChatGPT vai nos deixar burros? Mas quero terminar com outra: como podemos usar o ChatGPT para nos tornar mais inteligentes? As respostas para essas perguntas não estão nas ferramentas – estão nas mãos de quem as utiliza.

Este artigo foi republicado do “The Conversation” sob licença Creative Commons. Leia o artigo original.


SOBRE O AUTOR

Aaron French é professor assistente de sistemas de informação na Universidade Estadual Kennesaw. saiba mais