Exportadores brasileiros recalculam rota sem saber se tarifaço vai avançar

Sob ameaça de sobretaxa, setores olham para oportunidades no mercado doméstico e para novos destinos; pescados serão os mais afetados

O day-after da divulgação da lista de itens que serão taxados e as exceções
SvetaZi via Getty Images

Márcia Rodrigues 7 minutos de leitura

Com a publicação do decreto do presidente americano Donald Trump na última quarta-feira (30) e a aproximação de 6 de agosto, quando começam a valer as novas taxas praticadas pelos Estados Unidos sobre os produtos brasileiros, setores do agronegócio vivem a incerteza. Apesar da lista de exceções da Casa Branca, que liberou 694 produtos da sobretaxa, ainda há muitos itens da pauta de exportação na mira do tarifaço. O Brasil exporta em torno de 4.000 produtos para os americanos.


 

SINAL DE ALERTA SE MANTÉM

Entre os itens que ficaram de fora do tarifaço de Trump estão os aviões da Embraer, peças aeronáuticas (tais como motores, pneus e turbinas), suco de laranja, castanhas, uma série de insumos de madeira e celulose. Também fazem parte da lista equipamento elétricos, ferro-gusa, minério de ferro, fertilizante e o petróleo.

No entanto, itens importantes na pauta de exportação, como café, carne e frutas, seguiram na relação de mercadorias que sofrerão com o tarifaço a partir de 8 de agosto.

Por enquanto, o alerta vermelho segue no radar dos exportadores, mas os impactos do tarifaço de Trump variam conforme o produto e sua capacidade de adaptação.

Enquanto a manga brasileira encontra algum alívio por depender menos do mercado norte-americano, o café sinaliza desvio de rotas. Já o pescado está na zona crítica: com cerca de 63% das exportações brasileiras do setor indo para os EUA, o risco é de colapso.

Segundo Ismael Menezes, sócio da MD Commodities Consultoria, era previsto que o governo americano não recuaria. A publicação do decreto reforça a expectativa o mercado. “As tarifas dificilmente não seriam aplicadas, visto que a linha diplomática que o Brasil tem adotado não facilita muito a negociação. Ele [Trump] não relutou em aplicar tarifas à China, que é um mercado muito maior, então o Brasil não passará ileso”, diz.


MANGA: LOGÍSTICA PERECÍVEL

Entre os produtos ameaçados, a manga está entre os que apresentam a menor exposição ao mercado americano. De acordo com Gilmar Mello, fundador da Amazon Produce Network, o principal destino da manga brasileira é o mercado interno, seguido da Europa.

“A manga brasileira tem uma janela no mercado americano que vai da segunda quinzena de agosto a novembro e, em alguns casos, até dezembro. Nesse momento, os EUA ainda estão sendo abastecidos exclusivamente pelo México”, afirma.

Em 2025, até o momento, os EUA compraram apenas US$ 350 mil em mangas brasileiras, segundo dados da balança comercial da relação bilateral Brasil x EUA, analisados por Stefânia Ladeira, gerente da Saygo Comex. O número é irrisório perto dos US$ 99 milhões exportados pelo Brasil no total. Os principais destinos são Holanda e Espanha.

Apesar disso, o momento é de atenção. “É um cenário delicado porque os supermercados americanos sabem que o produtor brasileiro não pode assumir sozinho essa tarifa. Se o custo subir muito, o consumidor buscará alternativas”, alerta Mello

A manga é especialmente sensível ao tempo: colhida já em estágio inicial de maturação, a fruta é refrigerada entre 8 °C e 10 °C e tem vida útil de no máximo 30 dias entre colheita e venda. “(Dependendo da evolução das negociações,) pode haver fruta já colhida e processada para embarque imediato, o que compromete tudo”, completa o executivo.

CAFÉ: EXPORTAÇÃO DEVE IR PARA OUTROS MERCADOS

A cadeia do café está mobilizada, mas ainda não em pânico. Embora os Estados Unidos representem um dos maiores destinos do grão — US$ 1,295 bilhão dos US$ 7 bilhões exportados em 2025 até agora, segundo a gerente da Saygo Comex — o setor tem mais flexibilidade para redirecionar os lotes.

“Estamos preocupados com o fato de os EUA manterem o tarifaço porque comercializamos aproximadamente 8 milhões de sacas por ano para lá. Eles são bons pagadores e valorizam a qualidade do café brasileiro. Porém, nós sabemos que se os importadores norte-americanos não comprarem, outros compram porque a produção global de café caminha exatamente com a demanda, ou seja, não há sobra e tudo o que produzido, é consumido”, explica Thiers Pereira Viana, diretor da Thiers Specialty Coffee, em Minas Gerais.

Segundo Viana, a Europa já representa 90% dos negócios da empresa e cafés de alta qualidade estocados nos EUA foram adquiridos com antecedência, em reação à possível tarifa.

Ricardo Tavares, fundador do Grupo Montesanto Tavares — que controla empresas como Ally Coffee, Atlantica Coffee e Cafebras —, diz que a oferta e a demanda global estão ajustadas e o café que sair dos EUA tende a ser redistribuído globalmente. “Se o Brasil não exportar, Colômbia ou África vão ocupar esse espaço. A produção e o consumo estão muito equilibrados no mundo”, afirma.

No caso dos cafés especiais, a preocupação é maior, mas não desesperadora. Raquel Meirelles, da Café Varietal, que exporta cerca de 25% de seus cafés super especiais para os EUA, relata apreensão. “Em outros anos, eu já teria recebido muitos compradores americanos nas minhas fazendas, nesta época. Está todo mundo esperando. A sinalização dos clientes é: ‘se tiver taxa, vamos comprar, mas menos’”, diz.

Com clientes fidelizados nos Estados Unidos, Europa, Emirados Árabes e Ásia, Raquel acredita que é possível redirecionar os lotes e diz que “os americanos sairão perdendo”. “Eles sabem que o café que compram aqui não acharão em nenhum outro lugar”, afirma. Ela trabalha com lotes entre 5 sacas e um contêiner (320 sacas) e acaba de colher a safra do ano.

PESCADO É O SETOR MAIS EXPOSTO AO TARIFAÇO

Entre os três setores analisados, o de pescado é o que mais preocupa. De acordo com a gerente da Saygo Comex, dos US$ 177 milhões exportados pelo Brasil em pescado em 2025, US$ 111 milhões (63%) foram para os EUA.

“O impacto será muito significativo. Algumas cargas já foram seguradas nos portos em meados de julho, aguardando a definição, pois chegariam aos EUA depois do dia 1º de agosto (data inicial a partir da qual seria aplicado o tarifaço)”, explica.

Segundo Stefânia, há possibilidades de olhar para novos mercados, como a China, mas a migração não é simples: “Assim como o Brasil exige normas sanitárias para importar, os outros países também têm exigências. E adaptar-se a isso leva tempo”.

Há ainda a questão da perecibilidade. Embora muitos pescados sejam congelados, não é viável manter o produto estocado por longos períodos, principalmente para exportadores menores, dependentes de giro rápido e que convivem com margens apertadas.

Esse é o caso da Brazilian Fish, que pertence ao Grupo Ambar Amaral. Segundo Natasha Castellan, diretora de Exportações da empresa, os impactos do tarifaço já são sentidos na prática. “Nosso principal mercado de exportação são os EUA, que representam entre 18% e 20% da nossa produção mensal. Todos os contratos com o país estão suspensos até que haja uma redução da tarifa”, afirma.

Natasha relata que, apesar de o mercado americano ter interesse na tilápia brasileira — conhecida pela qualidade e capacidade de abastecer um mercado exigente —, a sobretaxa tornou inviável qualquer negociação. “Ninguém trabalha com margem de 50% para poder negociar preços”, explica a executiva.

O Grupo Ambar Amaral exporta tanto pescado fresco quanto congelado. No primeiro caso, a validade é de apenas 12 dias, o que aumenta a pressão por soluções imediatas. No segundo, o prazo se estende a 12 meses, mas ainda assim o tempo é limitado para reverter rotas. “Sim, é possível vender para outros mercados, mas isso pode levar meses ou até anos. De forma rápida, não é viável.” Hoje, os principais destinos alternativos da empresa são Japão e Tailândia.

SUBSTITUIÇÃO DE MERCADOS NÃO É SIMPLES

Para os setores mais estruturados — como o café —, redirecionar exportações pode ser uma estratégia de curto prazo. Mas para os produtos altamente perecíveis ou com logística mais frágil, como a manga e o pescado, não há alternativa simples ou rápida.

Além disso, o impacto do tarifaço pode ir além da exportação direta. Menezes alerta que a instabilidade pode gerar volatilidade cambial, afetando o custo de importações, como no caso dos fertilizantes. “Guerra comercial não é boa para ninguém. O Brasil precisava ampliar seus canais de diálogo diplomático”, avalia.

Apesar de setores como soja, milho e algodão não sofrerem impacto direto por exportarem pouco aos EUA, eles também estão de olho nas movimentações de mercado.


SOBRE A AUTORA

Márcia Rodrigues é jornalista especializada em economia e empreendedorismo. Vegetariana e apaixonada pela defesa de causas sociais, am... saiba mais