Por que deveríamos parar de treinar mulheres para “liderar como um homem”
Incentivar mulheres a reproduzir traços de liderança masculinos só reforça preconceitos e limita o crescimento das organizações

Sylvia era sócia sênior em uma empresa de consultoria e decidiu concorrer ao tão sonhado cargo de CEO. Outros quatro candidatos internos – todos homens – também estavam na disputa.
Logo no início da última fase do processo, Sylvia procurou Andrea para conversar sobre como conquistar os votos do conselho e dos sócios seniores – algo essencial para conseguir o cargo.
Ela percebeu rapidamente que, por ser a única mulher entre os finalistas, seu gênero inevitavelmente chamaria atenção. E levantou uma dúvida: será que deveria “agir como um homem” para ter mais chances?
Com frequência, mulheres no ambiente corporativo recebem, de forma direta ou velada, a mensagem de que, para ter sucesso, é preciso adotar comportamentos tradicionalmente masculinos. Falar mais, interromper mais, demonstrar menos emoção. Mas, quando seguem esse conselho, muitas vezes são criticadas por isso.
O problema não está nas mulheres, mas sim na ideia ultrapassada de liderança, que ainda valoriza traços associados ao masculino e desconsidera outras formas de liderar.
A partir das nossas experiências – pesquisando os impactos do viés de gênero no trabalho e orientando executivas sobre comunicação –, bem como das nossas vivências pessoais, vimos esse padrão se repetir inúmeras vezes.
Mulheres são ensinadas a combater a síndrome da impostora e a projetar autoridade de formas que, na prática, acabam se voltando contra elas. Enquanto isso, as organizações deixam de aproveitar lideranças mais diversas, com mais inteligência emocional e capacidade de incluir diferentes pontos de vista.
MUDANÇA DE PERSPECTIVA
É preciso fazer duas mudanças urgentes: primeiro, parar de incentivar que mulheres liderem como homens. Segundo, ampliar nossa noção do que significa, de fato, liderar bem. Do contrário, estaremos não só falhando com as mulheres, mas desperdiçando o potencial das próprias organizações.
A seguir, mostramos quatro comportamentos que costumam ser recomendados às mulheres para que “liderem como homens” – e o que seria mais eficaz e inclusivo no lugar deles.
1. Evite usar “linguagem fraca”
Ao explicar sua estratégia para se tornar CEO, Sylvia comentou que muitos colegas esperavam que ela, por ser mulher, usasse uma linguagem mais branda – e depois a penalizavam por isso.

Ela então decidiu adotar esse tipo de linguagem de forma estratégica com alguns conselheiros mais conservadores e evitá-la com outros. Mas será que essa preocupação deveria existir?
A chamada “linguagem fraca” inclui afirmações com ressalvas (“não sei, mas…”), suavizações (“mais ou menos”, “eu espero”), perguntas buscando confirmação (“... não é mesmo?”) e desculpas (“desculpa, mas…”). Mulheres são frequentemente criticadas por se expressarem assim e orientadas a evitar esse tipo de comunicação.
Em vez disso: chame de “linguagem estratégica”
A verdade é que esse tipo de linguagem pode suavizar uma mensagem, demonstrar empatia e gerar confiança. Por isso, propomos uma mudança de perspectiva: em vez de “fraca”, chamemos de “estratégica”.
Trata-se de usá-la de forma intencional – inclusive para mostrar vulnerabilidade. Liderar exige convicção, sim, mas também exige curiosidade e humildade. E, nesse contexto, ressalvas, suavizações e perguntas podem ser recursos poderosos.
2. Exerça sua autoridade
No começo da sua carreira como líder de TI, Amy tentou seguir o estilo de seus colegas homens e tomar decisões sozinha, de forma autoritária. Mas, ao fazer isso, acabou perdendo pontos com a equipe. Logo percebeu que era mais eficaz ouvir as pessoas e buscar consenso sempre que possível.

Líderes autoritários – também chamados de “visionários” – costumam ter uma ideia clara de sucesso e tomar decisões com base nisso. Homens em cargos de liderança tendem a adotar esse estilo, já que uma postura dominante está alinhada ao estereótipo masculino e raramente é questionada. No entanto, quando mulheres agem da mesma forma, são vistas como arrogantes.
O problema dessa abordagem é que concentra o poder decisório em uma só pessoa, o que aumenta o risco de erros. Nenhum líder, por mais competente que seja, consegue enxergar tudo sozinho.
Em vez disso: adote uma liderança participativa
Especialmente em situações que não exigem decisões urgentes, um estilo de liderança mais colaborativo tende a ser mais eficaz. O ideal é que todos participem, tanto quem costuma questionar quanto quem quase nunca fala.
Ao buscar consenso, é possível garantir que todas as vozes sejam ouvidas, que as decisões sejam compreendidas e que as pessoas se sintam parte do processo. Não se trata de ceder o controle e sim de ganhar mais perspectivas e engajamento.
3. Aprenda a se autopromover
Um antigo chefe de Amy disse que ela precisava “assumir o crédito” pelos projetos bem-sucedidos, justificando: “todo mundo aqui faz isso”. Mas, embora tivesse liderado várias iniciativas, ela achava injusto apresentar tudo como mérito individual – afinal, sua equipe também contribuiu.

Uma das perguntas que Andrea mais escuta de suas clientes executivas é: “como posso falar sobre meu trabalho e minhas conquistas sem parecer arrogante?”. Até mesmo uma coach de liderança já fez essa pergunta – o que mostra que nem quem ensina confiança está livre desse dilema.
O fato é que o autoelogio é percebido de formas diferentes. Estudos mostram que, quando mulheres falam de suas realizações, são vistas como menos simpáticas; já os homens são vistos como mais competentes.
Em vez disso: compartilhe o crédito com generosidade
Todos deveriam aprender que se autopromover de forma estratégica é sinal de liderança, e não de arrogância. Assim, as mulheres deixariam de ser punidas por isso.
A chave não está em promover o próprio trabalho, mas em fazer isso de um jeito diferente: buscando visibilidade, sim, mas também reconhecendo o papel da equipe e destacando os resultados coletivos. Líderes de verdade sabem valorizar suas próprias contribuições sem deixar de celebrar o sucesso dos outros.
4. Não seja tão emotiva
Depois de um workshop com executivas, Andrea ouviu várias participantes dizendo que controlar as emoções no trabalho era um grande desafio. Uma delas comentou: “meus colegas homens podem bater na mesa e ainda parecer firmes. Se eu demonstro emoção, perco a credibilidade.”

É comum admirarmos líderes que conseguem manter a calma, principalmente em momentos de crise. De fato, o autocontrole é uma habilidade importante. Mas a forma como expressões emocionais são interpretadas varia de acordo com o gênero.
Quando um homem se exalta, é visto como alguém apaixonado. Quando uma mulher faz o mesmo, é taxada de descontrolada.
Em vez disso: equilibre autenticidade e discrição
Todos deveriam ser incentivados a liderar com autenticidade e também com bom senso. Manter o controle em situações críticas é importante, mas expressar emoções e vulnerabilidade também pode ser algo poderoso.
Demonstrar convicção com paixão pode inspirar a equipe. Líderes que mostram vulnerabilidade promovem um ambiente de segurança psicológica. Claro, isso não quer dizer agir sem filtro. Autenticidade não é sinônimo de transparência total – é preciso saber dosar.
REDEFININDO O QUE É LIDERAR
A dúvida de Sylvia – se deveria “liderar como um homem” – não era apenas pessoal. Refletia um problema muito maior: a expectativa generalizada de que mulheres em cargos de liderança devam se adequar a padrões masculinos e ultrapassados de sucesso e autoridade.
Se quisermos criar organizações mais inclusivas e inovadoras, precisamos mudar o conceito de boa liderança. Não exigindo que as mulheres se adaptem, mas atualizando os critérios. Só assim conseguiremos construir um ambiente de trabalho onde todos os líderes possam prosperar – do seu próprio jeito.