CEOs culpam IA pela onda de demissões, mas o caso é bem mais complicado

Nos últimos seis meses, comunicados de cortes em massa no setor de tecnologia têm citado com frequência a inteligência artificial

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Matt O'Brien 4 minutos de leitura

Se você acompanhou os comunicados de demissões em massa feitos por CEOs de empresas de tecnologia em 2025, é bem provável que tenha ficado com a impressão de que a inteligência artificial foi a grande responsável pelos cortes.

Mas a verdade é um pouco mais complexa. Muitas dessas empresas estão, na realidade, tentando mostrar ao mercado que estão se tornando mais eficientes – e se preparando para transformações maiores trazidas pela IA.

Um novo relatório do site de empregos Indeed mostra que, em julho, as vagas na área de tecnologia nos EUA estavam 36% abaixo dos níveis registrados no início de 2020. A inteligência artificial é, sim, um dos fatores que levaram a essa desaceleração – mas está longe de ser a principal responsável.

“Estamos em um momento em que o mercado de trabalho em tecnologia está enfraquecido, mas outros setores também vêm esfriando em um ritmo parecido”, explica Brendon Bernard, economista do Indeed Hiring Lab.

“Na verdade, o comportamento das vagas em tecnologia tem sido bastante semelhante ao do restante da economia – inclusive em áreas com pouca ou nenhuma exposição à IA.”

Esse tipo de nuance nem sempre aparece nos comunicados de demissões. Nos últimos meses, muitos deles passaram a incluir alguma referência à inteligência artificial, além das mensagens habituais de empatia.

Profissionais capazes de usar a IA para inovar e desenvolver novos produtos e serviços serão os mais procurados.

O CEO da Autodesk, Andrew Anagnost, por exemplo, justificou a demissão de mais de 1,3 mil funcionários – cerca de 9% do total – dizendo que era necessário redirecionar recursos para “acelerar os investimentos” em IA.

Na nota em que anunciou o corte de 5% do quadro da CrowdStrike, o CEO George Kurtz afirmou que a empresa de cibersegurança precisava reforçar os investimentos em inteligência artificial para “aumentar a eficiência e a capacidade de execução”. “A IA achata nossa curva de contratação e nos ajuda a transformar ideias em produtos com mais agilidade”, escreveu ele.

E não são só as empresas dos Estados Unidos que seguem essa linha. Na Índia, a gigante Tata Consultancy Services também associou as 12 mil demissões – 2% do seu quadro – a uma transformação para se tornar uma “organização pronta para o futuro”, com reestruturação da força de trabalho e “implantação em larga escala de IA para os clientes e para a própria empresa”.

Até a controladora japonesa do Indeed e do Glassdoor mencionou a IA ao justificar o corte de 1,3 mil postos de trabalho nas duas plataformas.

GASTOS COM IA SÃO A JUSTIFICATIVA MAIS COMUM

A Microsoft anunciou cerca de 15 mil demissões apenas este ano, mesmo com lucros em alta. O CEO Satya Nadella disse aos funcionários que os cortes foram difíceis para ele, mas também aproveitou para destacar que era uma oportunidade de repensar a missão da empresa diante da nova era da inteligência artificial.

Os investidores, por sua vez, têm reagido positivamente ao discurso de maior eficiência – especialmente entre as gigantes da tecnologia que tentam justificar os investimentos bilionários em data centers, chips e infraestrutura para sustentar os avanços da IA.

Para Bryan Hayes, estrategista da Zacks Investment Research, uma coisa é certa: as demissões ajudam a melhorar a perspectiva de margem de lucro da Microsoft para o ano fiscal de 2026. Mas o impacto real sobre o mercado de trabalho de tecnologia como um todo ainda é difícil de mensurar.

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A inteligência artificial vai substituir alguns empregos? Com certeza”, afirma Hayes. “Mas ela também vai criar muitos outros. Os profissionais capazes de usar a IA para inovar e ajudar as empresas a desenvolver novos produtos e serviços serão os mais procurados.”

Ele cita o caso da Meta, dona do Facebook e do Instagram, que está oferecendo pacotes bastante atrativos para os principais cientistas de IA de concorrentes como a OpenAI. Relatórios do Indeed indicam que especialistas em inteligência artificial estão em uma situação melhor que os engenheiros de software em geral – embora mesmo essas funções não estejam mais no auge.

Muitas empresas estão, na realidade, tentando mostrar ao mercado que estão se tornando mais eficientes.

“As vagas para engenheiros de machine learning – o perfil clássico de profissional de IA – continuam bem acima dos níveis pré-pandemia, mas caíram em relação ao recorde de 2022”, explica Bernard. “Elas também foram afetadas pelas oscilações cíclicas do setor.”

Ao observar mais de perto os perfis com menor índice de contratação, o Indeed constatou que os cargos de entrada foram os mais impactados. Já profissionais com pelo menos cinco anos de experiência enfrentam menos dificuldades.

As maiores quedas ocorreram em áreas como marketing, suporte administrativo e recursos humanos – funções que envolvem tarefas cada vez mais automatizadas pelas ferramentas de IA generativa: produzir textos, documentos e imagens com eficiência.

“A queda nas contratações no setor de tecnologia começou antes da explosão da inteligência artificial, mas a mudança nos requisitos de experiência é algo mais recente”, conclui Bernard.


SOBRE O AUTOR

Matt O'Brien é repórter de tecnologia da AP. saiba mais