Chineses podem dar alívio para o agro brasileiro em meio a tarifaço de Trump
Segundo maior economia do mundo tem firmado mais acordos com o Brasil; o mais recente abre as portas para a exportação do café

Com a escalada das tensões comerciais entre Brasil e Estados Unidos, a China vem ganhando ainda mais relevância como parceira estratégica do agronegócio nacional. Os dados da balança comercial brasileira confirmam esse protagonismo: em 2024 e entre janeiro e junho de 2025, o país asiático respondeu por 33% das exportações totais do agro brasileiro, com destaque para a soja, que representou cerca de 70% das exportações do grão.
CHINA, UM MERCADO COBIÇADO
Mas, diante da necessidade de diversificação e da redução da dependência americana, até que ponto essa aproximação com a China pode suprir as lacunas deixadas pelos EUA? E quais são os produtos com mais potencial para ganhar espaço no mercado chinês?
Tão logo o Brasil virou algo da guerra tarifária deflagrada pelo presidente americano Donald Trump, a China fez alguns sinais de que pode buscar mais negócios por aqui.
APROXIMAÇÃO TEM AUMENTADO
No início da semana, foi confirmado que a China habilitou 183 novas empresas brasileiras de café a exportar o produto para o país. A medida tem validade de cinco anos e entrou em vigor a partir de 30 de julho – mesmo dia em que os EUA assinaram a ordem que oficializou o tarifaço sobre as exportações brasileiras.
Na semana anterior, a China confirmou ter habilitado 46 estabelecimentos do Brasil para exportar farinhas de aves e suínos, de acordo com o Ministério da Agricultura. Ainda segundo a pasta, outros quatro estabelecimentos de farinha de pescado também foram autorizados.
Em maio, em encontro com representantes do governo chinês, o Brasil assinou uma série de acordos.
Um deles acertou a liberação para a exportação de Grãos Secos de Destilaria (DDG, na sigla em inglês) - subproduto da produção de etanol de milho usado na alimentação de animais.
“Foram cinco produtos abertos para o nosso agronegócio, que se somam aos pescados, abertos agora no fim de abril. Um impacto estimado em aproximadamente US$ 20 bilhões”, disse na época o secretário de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Luis Rua.
PRINCIPAL DESTINO DAS EXPORTAÇÕES AGRÍCOLAS BRASILEIRAS
Segundo Andréia Adami, pesquisadora da área de macroeconomia do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada) da USP (Universidade de São Paulo), a relação entre Brasil e China no agro é historicamente sólida — especialmente na soja em grão, que domina a balança comercial.
De janeiro a junho, as exportações totais para a China somaram US$ 27,7 bilhões. Desse total, US$ 19 bilhões vieram do complexo da soja, sendo 90% apenas de grão, segundo a pesquisadora.
Apesar dessa concentração, outros produtos vêm ganhando espaço, como carne bovina (50% da exportação brasileira do item vai para a China), celulose (com 40% do total exportado indo para o país asiático em 2024), algodão (34%), carne suína e de frango, em menor volume, e, mais recentemente, o café —que ainda esbarra em barreiras culturais e logísticas.
"Produtos perecíveis como frutas e pescados enfrentam mais desafios por conta da distância e da necessidade de grandes volumes para fechar contêineres, o que nem sempre é viável comercialmente", explica Andreia.
CARNE, CELULOSE E SOJA LIDERAM APOSTAS PARA EXPANSÃO
Enquanto os Estados Unidos impõem tarifas agressivas sobre produtos brasileiros, a China surge como uma alternativa robusta, especialmente para carnes, celulose e soja. “Carne, com certeza, é um canal que a China tem condições de absorver, inclusive uma parcela do que iria para os EUA”, afirma Andreia.
A pesquisadora ressalta que o consumo de proteína animal está aumentando no país asiático, o que deve beneficiar o Brasil. De janeiro a junho deste ano, a exportação de carne bovina para a China cresceu 13% em volume e 12% em valor na comparação com o mesmo período do ano passado.
Segundo Andréia, há ainda outros mercados asiáticos que podem reforçar essa tendência, como Sudeste Asiático e Coreia do Sul, que já compram bastante carne brasileira. A especialista inclui ainda o Oriente Médio.
FORÇA DOS BRICS FACILITA O DIÁLOGO
A aproximação entre Brasil e China também é favorecida pelo fato de ambos integrarem o Brics, grupo de países de economias emergentes que inclui Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. “Faz diferença porque já existe uma parceria mais bem estabelecida, canais de comunicação estruturados e interesses em comum, inclusive com o banco do Brics”, avalia Andreia.
"Embora exista potencial, o crescimento depende de adaptações e do tempo”
Andréia Adami, pesquisadora da área de macroeconomia do Cepea
No entanto, a especialista pondera que as oportunidades não se concretizam do dia para a noite. “A China é um país de renda média e com hábitos culturais diferentes, como o consumo maior de chá em vez de café, por exemplo. Então, embora exista potencial, o crescimento depende de adaptações e do tempo”, afirma.
PAPEL DO GOVERNO E DE PRODUTORES NAS NEGOCIAÇÕES
Para Pedro Ros, CEO da Referência Capital, o apoio da China pode ajudar a mitigar os impactos do tarifaço dos EUA, mas é essencial ampliar o olhar. “Com a dependência americana diminuindo, é fundamental buscar alternativas como União Europeia, Japão e Índia”, diz.
Ros ressalta que a União Europeia tem uma forte demanda por produtos agrícolas de qualidade, mas exige rigorosos padrões sanitários e logísticos. “O governo precisa facilitar o acesso com incentivos e acordos, enquanto os produtores devem investir em adaptações sanitárias e no fortalecimento da marca brasileira”, afirma.
O apoio da China é importante, mas é preciso diversificar”
João Kepler, CEO da Equity Group
João Kepler, CEO da Equity Group, vai na mesma linha: “Os mercados da UE e da Ásia, embora exigentes, oferecem boas oportunidades para absorver a produção que não será mais destinada aos EUA. O apoio da China é importante, mas é preciso diversificar”.
Assim como Ros, o CEO da Equity Group reforça que os produtores precisam focar em cumprir exigências sanitárias, investir em marketing e destacar a sustentabilidade dos produtos brasileiros, atributos valorizados principalmente pelos consumidores europeus.
RELAÇÃO ESTRATÉGICA, MAS COM DESAFIOS LOGÍSTICOS
A China continuará sendo um parceiro estratégico para o agro brasileiro, especialmente diante das barreiras comerciais impostas pelos EUA. Mas, para aproveitar ao máximo esse potencial, será preciso enfrentar desafios logísticos, adaptar produtos aos hábitos locais e investir em parcerias comerciais de longo prazo.
Enquanto isso, países como Japão, Coreia do Sul, Arábia Saudita, Argélia e Chile também aparecem no radar — com interesse crescente, principalmente em carnes e produtos com valor agregado.