Como lideranças estão transformando a cultura organizacional

Prêmio Human Leaders reúne exemplos de como iniciativas podem ajudar na construção de ambientes mais propício à inovação, com as pessoas no centro

Como lideranças estão transformando a cultura organizacional
Crédito: Fast Company Brasil

Camila de Lira 7 minutos de leitura

Liderar com empatia e resultado ao mesmo tempo já deixou de ser discurso em PPT para se tornar realidade em algumas empresas brasileiras. Essa mudança cultural aparece em práticas como encurtar reuniões, repensar prioridades, criar espaços seguros para que as equipes testem ideias e transformar bem-estar em estratégia de negócio. No Human Leaders, especialistas e executivos mostraram que esse caminho é possível  e que já rende impacto mensurável em inovação, engajamento e performance.

Criado pela Fast Company Brasil com apoio da Unico Skill, o Human Leaders reconhece lideranças e empresas que colocam as pessoas no centro e atuam na intersecção entre inovação, bem-estar e segurança psicológica. A primeira edição destacou lideranças das empresas Natura, B3, L’Oréal e Heineken como ganhadoras, além de Alice, Vockan e YouX com menções honrosas.

A entrega dos troféus foi acompanhada de mesas de debate e palestras que mostraram como unir cuidado e performance no dia a dia. As conversas revelaram que a mudança para uma liderança mais humanizada não depende de grandes transformações, mas de decisões consistentes que, repetidas ao longo do tempo, moldam a cultura organizacional.

Para colunista da Fast Company Brasil e fundadora da Reconnect – Happiness at Work, especializada em felicidade corporativa e liderança positiva, Renata Rivetti, a sustentabilidade humana nas organizações é um assunto urgente. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), cerca de 500 mil colaboradores pediram afastamento do trabalho por conta de questões ligadas à saúde mental em 2024, mais do que o dobro do que em 2012. 

“Não adianta ficar discutindo futuro do trabalho se o presente está muito ruim”

“Não adianta ficar discutindo futuro do trabalho se o presente está muito ruim”. Para Renata, que fez parte do conselho consultivo do Human Leaders, repensar a forma como as mudanças acontecem é um dos ajustes mais simples e com maior retorno para a saúde mental e a produtividade.

Atitudes como cortar reuniões desnecessárias, encurtar o tempo de duração e deixar claro o objetivo antes de entrar na sala, ou no link de videoconferência, evitam sobrecarga e devolve tempo para que as pessoas possam executar, criar e descansar. “Não é só sobre ter menos reuniões, mas sobre torná-las mais estratégicas, com clareza de propósito e espaço para todos contribuírem. Isso diminui a ansiedade e aumenta a qualidade das entregas”, disse.

No Human Leaders, o cuidado com as pessoas apareceu também em práticas como abrir  espaço para foco, fazer pausas estratégicas e delegar tarefas de acordo com as forças de cada integrante da equipe. Em algumas empresas, a estratégia inclui transformar líderes em mentores internos, ampliando a troca de conhecimento e fortalecendo o senso de pertencimento.

SEGURANÇA PARA ERROS

A transformação cultural também passa por criar um ambiente em que as pessoas se sintam seguras para experimentar. Para o mentor, palestrante e autor do livro Seja egoísta com sua carreira, Luciano Santos, essa liberdade é um dos motores da inovação. Ele relembrou quando liderava o time de vendas da Meta, em 2008. Havia poucas possibilidades de contratações na época, as metas financeiras pressionavam a equipe.

O método tradicional exigia que cada vendedor apresentasse um produto individualmente para cada cliente. Até que uma gerente de contas decidiu usar, de forma inédita na empresa, um webinar para apresentar a proposta a 80 clientes de uma só vez e, depois, fazer o acompanhamento individual.

Luciano havia incentivado o time a “pedir desculpas, não pedir licença”, criando um ambiente onde testar ideias era não apenas aceito, mas encorajado. A solução aumentou a produtividade e a receita, tornando-se uma boa prática adotada globalmente. “Quando as pessoas não têm medo de errar, elas criam soluções que ninguém imaginava”, disse.

A conexão humana real é o verdadeiro motor da inovação

A segurança psicológica também foi apontada como base para resultados sustentáveis por Carol Romano, sócia da Futuro Co, psicanalista e especialista em bem-estar. Para ela, a conexão humana real é o verdadeiro motor da inovação, especialmente em um momento em que as empresas enfrentam uma “epidemia da solidão” e altos índices de adoecimento mental. “Não adianta falar em criatividade ou colaboração se as pessoas não sentem que podem se expressar sem medo de julgamento ou retaliação”, afirmou.

Carol descreveu três ondas na evolução do bem-estar corporativo: a primeira, centrada em benefícios individuais, como meditação ou terapia; a segunda, voltada para cultura e regras que favoreçam jornadas mais saudáveis; e a terceira, mais madura, em que políticas e cultura caminham alinhadas.

Nesse estágio, ações como a licença-paternidade deixam de ser apenas um direito formal e passam a ser incentivadas pela liderança, criando de fato ambientes seguros e produtivos. Ela citou dados que reforçam essa conexão: empresas com cultura de confiança têm 75% mais engajamento, 50% mais produtividade e oito vezes menos casos de burnout.

MUDAR O QUE SE PODE

Essa construção de cultura no dia a dia também esteve no exemplo de Iris Barreira, conselheira, palestrante, investidora e ex-CLO do McDonald’s e da Apple. Quando liderava a área de aprendizado no McDonald’s Brasil, ela reformulou a universidade corporativa e colocou líderes como corpo docente. O resultado foi um ciclo de aprendizado mais conectado à realidade do negócio, que aumentou o orgulho interno e incorporou o compartilhamento de conhecimento à rotina.

“A cultura se constrói no dia a dia. Não é sobre um documento ou um manual, é sobre reforçar, na prática, o que se quer ver acontecer”, disse. Uma lição que atravessou todo o evento: transformar o cuidado em resultado é possível e começa com decisões simples, repetidas com consistência.

LIDERANÇAS PREMIADAS

Ações repetidas com consistência foi uma das razões que levou a B3 e a sua vice-presidente de pessoas, Ana Buchaim, a receber o prêmio Human Leaders. A companhia está desde 2018 estudando para entender e alterar o cenário de diversidade. Foram estudos, grupos de afinidade, programas de estágio, de liderança e de mentoria. Tudo para pular de 10% de pessoas negras em 2018 para 26% de profissionais negros em 2024. 

Já o quadro de mulheres líderes na empresa foi de 22,5% para 33% nesse tempo. Um dos eixos considerados no prêmio foi o impacto que a movimentação da B3 causa no mercado financeiro.  “O prêmio é só o começo para que seja um desenvolvimento coletivo e que a gente tenha um capitalismo possível no Brasil”, disse a executiva.

TRANSFORMAÇÃO INTENCIONAL

Medir e escutar são passos que vêm antes dos resultados. Para Frederico Lacerda, CEO da PIN People, também conselheiro do prêmio, a cultura organizacional só está verdadeiramente implantada quando os comportamentos desejados acontecem de forma espontânea, sem depender de reforços ou recompensas da liderança. 

“A gente não consegue construir ou transformar a cultura se não tiver medindo de onde estamos saindo e se estamos indo na direção correta”. Fred defende que microações e interações cotidianas moldam a percepção das pessoas sobre a empresa e, por isso, precisam ser medidas. Ele cita pesquisas de chegada ou saída da empresa que incluem perguntas simples como: “o que mais marcou sua chegada aqui?” ou “do que você mais vai sentir falta?”, conectando momentos específicos a temas culturais.

A mensuração, segundo ele, é ainda mais crítica no trabalho remoto ou híbrido. “É possível criar cultura à distância, mas é preciso intencionalidade. No presencial, a convivência ajuda. No remoto, tudo depende de rituais, comunicação e reforço constante”, afirmou.

Para Fred, não existe gestão de cultura sem dados. Ele aponta a segurança psicológica como um dos indicadores mais poderosos, diretamente ligada ao engajamento e à satisfação. “Se o objetivo é inovar, mas os dados mostram medo de errar, há uma inconsistência”, resumiu. Além disso, ele alerta que a média liderança vive sob alta pressão – de cima, por resultados; de baixo, por cuidado – e precisa ter suporte e preparo para sustentar mudanças reais.

SER HUMANO NA ERA DA IA

Ser humano durante a era da IA significa reconhecer que, mesmo com automação e dados avançados, a vantagem competitiva continua sendo a qualidade das relações. “Qual foi a era em que a conexão humana foi menos importante? Nunca”, disse Sofia Esteves, fundadora da Companhia de Talentos e conselheira do prêmio, lembrando que inovação real nasce da escuta, da confiança e de vínculos sólidos.

Marcelo Nóbrega, consultor de IA em gestão de pessoas, trouxe como exemplo empresas como VR e Motiva, que estão aplicando IA para automatizar processos, sem demissões. No lugar, estão requalificando funcionários.

As trocas e conteúdo do Human Leaders deixaram a mensagem de que inovação e cuidado não são caminhos opostos. Pelo contrário. Quando andam juntos, sustentam resultados mais fortes e duradouros.


SOBRE A AUTORA

Camila de Lira é jornalista formada pela ECA-USP, early adopter de tecnologias (e curiosa nata) e especializada em storytelling para n... saiba mais