Além da China, quem mais pode salvar o Brasil do tarifaço?
Taxação de 50% imposta pelos EUA traz o desafio para exportadores procurarem por compradores em novos mercados em busca de diversificação

Com o tarifaço dos Estados Unidos sobre uma série de produtos, entre eles os agrícolas, o Brasil se vê diante da urgência de diversificar seus parceiros comerciais e reduzir a dependência do mercado americano. Nesse cenário, além da China, que segue como grande compradora de commodities como soja, celulose e carnes, países da União Europeia, Ásia e Oriente Médio ganham força como alternativas reais para o escoamento da produção nacional.
Mas quais mercados têm mais capacidade de absorver essa produção? Quais são os principais entraves — logísticos, sanitários e comerciais — para que essa diversificação aconteça de fato? E qual o papel do governo, dos produtores e das entidades nesse processo?
ÁSIA, ORIENTE MÉDIO E EUROPA NO RADAR
Como lembra Andreia Adami, pesquisadora do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada) da USP (Universidade de São Paulo), o Brasil já exporta majoritariamente para três grandes blocos: China, Europa e EUA.
"Se você fechar a porta para um deles, os outros dois ganham uma presença muito maior na comercialização. E, neste contexto, a União Europeia ganha ainda mais relevância por também estar enfrentando dificuldades com os EUA", aponta Andreia.
A pesquisadora destaca que países do Sudeste Asiático e da Arábia Saudita, Coreia do Sul, Argélia e Chile já demonstram apetite por produtos como carnes — principalmente bovina e de frango. Esse movimento pode ser ampliado para a exportação de mais produtos.
Vale destacar que de janeiro a junho, as exportações da carne bovina brasileira cresceram 13% na comparação com igual período no ano passado. Os preços da proteína animal registraram alta de 12% no primeiro semestre desse ano contra o do ano passado, segundo a pesquisadora. A China ficou com 50% desse total, mas os EUA também ampliaram sua fatia, saltando de 5% a 7% para 12%.
“Ásia, Oriente Médio e Europa podem suprir as demandas que deixarem de ser atendidas pelos EUA”, afirma Andreia.
UNIÃO EUROPEIA E JAPÃO: ALTA EXIGÊNCIA
De acordo com Gustavo Assis, CEO da Asset Bank, o cenário de tarifas reforça a necessidade de o Brasil explorar mercados alternativos, com destaque para União Europeia, Índia e Japão. No entanto, ele ressalta que o sucesso nessas regiões passa por acordos comerciais sólidos e por adaptações do lado da produção.
"É essencial capacitar os produtores para atender às exigências desses mercados, principalmente no que diz respeito à qualidade e às normas sanitárias"
Gustavo Assis, CEO da Asset Bank
"É essencial capacitar os produtores para atender às exigências desses mercados, principalmente no que diz respeito à qualidade e às normas sanitárias", afirma. Assis também destaca que o governo precisa ter um papel ativo — tanto na negociação de acordos quanto no financiamento com condições acessíveis, que ajudem os produtores a se adaptarem com menor impacto financeiro.
Nesse ponto, Pedro da Matta, CEO da Audax Capital, concorda: “Para ampliar as exportações, é necessário estabelecer uma base de negociações multilaterais e aprofundar os acordos bilaterais. E o governo deve criar políticas de incentivo fiscal e linhas de crédito acessíveis para garantir competitividade às indústrias nacionais”, explica.
PRODUTORES E ENTIDADES DEVEM PARTICIPAR DAS NEGOCIAÇÕES
A abertura de novos mercados não depende só da diplomacia. Exige também movimentos internos de modernização, adaptação sanitária e investimento em logística, como alertam os especialistas.
“O governo deve ter um papel ativo, não só nas negociações comerciais, mas também no financiamento com condições acessíveis, o que permitirá uma transição mais suave para os novos mercados. Porém, as entidades também devem participar das ações”, diz CEO da Asset Bank.
“No caso da UE e da Ásia, ajustes em termos de qualidade e regulamentações sanitárias serão necessários, além de maior investimento em infraestrutura logística"
Pedro da Matta, CEO da Audax Capital
Matta destaca que cabe às entidades do setor e aos produtores investirem na adequação da produção aos padrões internacionais, especialmente nos mercados mais exigentes, como o europeu e o asiático. “No caso da UE e da Ásia, ajustes em termos de qualidade e regulamentações sanitárias serão necessários, além de maior investimento em infraestrutura logística”, afirma.
Assis acrescenta que as entidades precisam se adaptar rapidamente às novas demandas logísticas e garantir que a produção brasileira continue sendo competitiva, evitando uma dependência excessiva dos EUA.
EXPORTAR PARA A UE GARANTE AVAL
“A União Europeia impõe normas e regulamentos rigorosos, mas se você exporta para o bloco, consegue exportar para qualquer país. Acaba sendo um carimbo de qualidade"
Andreia Adami, pesquisadora do Cepea
Exportar para mercados como o europeu é, na visão de Andreia, uma oportunidade com peso estratégico. “A União Europeia impõe normas e regulamentos rigorosos, mas se você exporta para o bloco, consegue exportar para qualquer país. Acaba sendo um carimbo de qualidade”, diz.
No entanto, a pesquisadora destaca que essa rota exige diferenciação dos produtos e, claro, respeito aos hábitos de consumo locais. “O café brasileiro é de altíssima qualidade. O americano vai continuar comprando, mesmo que o preço suba de US$ 5 para US$ 7 porque é um país rico. Na China, porém, a população consome mais chá do que café. São mercados distintos que precisam ser analisados, afirma.
ACORDOS INTERNACIONAIS E PROTAGONISMO DO BRASIL
Os especialistas são unânimes em afirmar que o governo precisa liderar a construção de pontes comerciais, com foco em acordos multilaterais e bilaterais. A assinatura de um acordo de livre comércio com a União Europeia é considerada “de suma importância”, segundo Andreia.
Matta acrescenta que “é preciso aprofundar as bases de negociação para reduzir barreiras comerciais e criar políticas que incentivem a exportação com menos custos para os produtores”. Já Assis sugere que, além das políticas públicas, o setor privado também se beneficie de soluções financeiras mais flexíveis, que sustentem o crescimento com menos impacto nas operações do dia a dia.