Neurociência e empatia na era da inteligência artificial
Em um cenário em que a linha entre o digital e o humano se torna cada vez mais tênue, a Neurociência pode nos ajudar a entender os limites que não poderão ser ultrapassados

A Inteligência Artificial está cada vez mais presente em nosso cotidiano. De assistentes virtuais a sistemas de recomendação, ela otimiza tarefas, oferece insights e transforma a forma como interagimos com o mundo. Seus benefícios são inegáveis, impulsionando eficiência e inovação em diversos setores. No entanto, essa revolução tecnológica também levanta discussões relevantes sobre seus riscos e desafios - especialmente quando se trata de aspectos humanos e emocionais.
Dados recentes indicam que as pessoas vêm buscando a IA para lidar com questões cada vez mais complexas: pedir conselhos, buscar suporte emocional e até utilizá-la como forma de terapia. Um recente levantamento global aponta que, a partir de 2025, houve uma mudança significativa no uso das ferramentas de IA, que passaram de uma aplicação predominantemente técnica para finalidades mais comportamentais e emocionais. O maior crescimento foi justamente em áreas como terapia, suporte emocional, companhia, desenvolvimento e performance pessoal.
No Brasil, segundo dados da Talk Inc, mais de 12 milhões de pessoas já utilizam ferramentas de IA com fins terapêuticos. A conveniência do acesso 24 horas por dia, sete dias por semana, é um dos grandes atrativos. Com isso, chatbots e plataformas projetadas para interações empáticas se popularizaram, prometendo respostas rápidas e eficientes. Mas será que a IA pode, de fato, substituir a conexão humana em momentos de vulnerabilidade?
A PREFERÊNCIA HUMANA PELA EMPATIA GENUÍNA: O QUE DIZ A NEUROCIÊNCIA
Um estudo recente e revelador, liderado pela professora Anat Perry, da Universidade Hebraica de Jerusalém, e publicado na revista Nature Human Behaviour, lança luz sobre essa questão crucial. A pesquisa investigou como os seres humanos percebem a empatia, comparando respostas que os participantes acreditavam ser de humanos com aquelas geradas por IA.
O estudo envolveu mais de 6 mil participantes, em nove experimentos distintos. Em todos os casos, os participantes classificaram as respostas como mais empáticas, acolhedoras e emocionalmente satisfatórias quando acreditavam que vinham de um ser humano - mesmo quando o conteúdo era, na verdade, idêntico ao produzido por uma IA.
A crença na origem humana da resposta se mostrou fundamental para a percepção de empatia. A preferência foi ainda mais forte quando as respostas enfatizavam o compartilhamento emocional e o cuidado genuíno. Em um dos experimentos, participantes se mostraram dispostos a esperar dias - ou até semanas - por uma resposta de um humano, em vez de receberem uma resposta imediata de um chatbot. Isso revela o alto valor atribuído à interação humana.
Os resultados sugerem que a autenticidade e o esforço emocional investido são determinantes para a vivência da empatia
Curiosamente, quando os participantes suspeitavam que uma IA poderia ter ajudado a compor ou editar uma mensagem que pensavam ser de origem humana, seus sentimentos positivos em relação à resposta diminuíam significativamente. Os resultados sugerem que a autenticidade - ou, pelo menos, a percepção dela - e o esforço emocional investido em uma interação são determinantes para a vivência da empatia.
Essas descobertas têm implicações importantes, especialmente para o uso da IA em áreas sensíveis como saúde mental e bem-estar emocional. Embora as máquinas possam simular respostas empáticas, ainda carecem da autenticidade percebida e da conexão emocional profunda que os seres humanos esperam ao buscar apoio.
“No mundo de hoje, está se tornando natural enviar e-mails ou mensagens por meio de IA. Mas nossas descobertas sugerem um custo oculto: quanto mais dependemos da IA, maior o risco de nossas palavras soarem vazias. À medida que as pessoas começam a presumir que todas as mensagens são geradas por IA, a sinceridade percebida e, com ela, a conexão emocional, pode começar a desaparecer", disse Anat Perry.
A CONTRIBUIÇÃO DA NEUROCIÊNCIA PARA UM MUNDO MAIS HUMANO
Em um cenário em que a linha entre o digital e o humano se torna cada vez mais tênue, a Neurociência pode nos ajudar a entender os limites que não poderão ser ultrapassados. Essa área do conhecimento oferece lentes para decifrar os mecanismos cerebrais por trás das emoções, percepções e relações humanas - e nos ajuda a refletir sobre até que ponto as novas tecnologias podem contribuir (ou não) para nosso bem-estar, saúde e desempenho.
Nosso cérebro é, em essência, moldado para a conexão social. Desde o nascimento, dependemos do contato humano para nos desenvolver, aprender e sobreviver. Sistemas neurais complexos - como os neurônios-espelho - são ativados quando interagimos com outras pessoas, liberando neurotransmissores ligados ao bem-estar, à confiança e ao senso de pertencimento. A interação genuína entre seres humanos é um pilar essencial da saúde física e mental, da resiliência e da própria continuidade da espécie.
A neurociência pode nos orientar sobre como viver melhor neste novo mundo, com equilíbrio, consciência e humanidade
Portanto, a ideia de um isolamento crescente, impulsionado por uma dependência excessiva da tecnologia para suprir necessidades emocionais, pode ser profundamente nociva e perigosa. Embora a IA ofereça conveniência e seja promissora em diversos aspectos, a ciência indica que, por enquanto, ela não pode replicar a riqueza, a complexidade e a espontaneidade da verdadeira interação humana, que nutre nosso cérebro de maneiras insubstituíveis.
Mais do que alertar sobre riscos, a Neurociência pode nos orientar sobre como viver melhor neste novo mundo, com equilíbrio, consciência e humanidade. E, sobretudo, nos lembrar da importância de cultivar e valorizar nossas conexões sociais no mundo real.
Para consultar o estudo citado, acesse a publicação original aqui.