Fui um chefe tóxico. Este é o preço que paguei
Não quero mais saber de negócios que sobrevivem às custas de lágrimas e exaustão

Passei quatro anos drenando a energia do meu melhor executivo – e ainda me surpreendi quando ele não tinha mais nada para dar.
No dia em que pediu demissão, ele disse: “esqueci como é querer alguma coisa.”
Desviei o olhar. Sabia que era culpa minha. Levei 48 meses para transformar uma pessoa brilhante em alguém irreconhecível.
Mês oito: Joe (nome fictício) se oferece para tudo. Trabalha 60 ou 70 horas por semana e ainda sobra energia. A esposa brinca, nos eventos da empresa, que é uma “viúva de trabalho”. A gente ri.
Mês 14: As semanas de 70 horas viram um padrão. A esposa para de aparecer nos eventos.
Mês 29: Ela se muda para outra cidade e nem pede para ele ir junto. Ele comenta isso no meio de uma apresentação. Digo para tirar a tarde de folga. Ele não tira.
Mês 34: É aniversário dele. Só lembro às 19h. Às 20h47, enquanto comia comida tailandesa requentada, digo: “feliz aniversário.”
Naquela noite, chego com 90 minutos de atraso à minha própria festa de noivado. “Estava vendo se Joe estava bem”, digo ao pai da minha noiva.
Joe não estava bem. Eu também não. Estava revisando o modelo financeiro dele, questionando as fórmulas perfeitas que tinha criado. Na época, eu achava que isso era sinônimo de excelência.
O CUSTO
Quando Joe saiu, fiz as contas:
- Substituí-lo por uma equipe inteira: US$ 1,2 milhão
- Perder a coesão da equipe: US$ 800 mil
- Três saídas relacionadas: US$ 500 mil
Total: US$ 2,5 milhões de prejuízo só no primeiro ano – sem contar o impacto na cultura.
RESGATANDO A PRÓPRIA HUMANIDADE
Depois de sair, Joe tentou salvar seu casamento. Mas era tarde demais. Então fez uma longa viagem e acabou conhecendo outra pessoa.
Ele não foi um caso isolado – apenas o primeiro a falar. Seis meses depois, eu já tinha perdido 40% da minha equipe sênior para as vidas que eles lembraram que tinham.
Isso tudo abriu meus olhos. Não só ver Joe ir embora, mas perceber que os que ficaram também estavam sendo drenados aos poucos, junto comigo.
O ARGUMENTO DE NEGÓCIO CONTRA A BRUTALIDADE
No último trimestre, deixamos de comprar uma empresa. No papel, era ótima. Na prática, um desastre. Batia metas, mas destruía pessoas (como eu costumava fazer). Alta rotatividade de gestores e clientes insatisfeitos.
Alguns anos atrás, eu teria fechado negócio. Hoje, não quero empresas que sobrevivem às custas de lágrimas e exaustão. Não busco o retorno mais rápido nem o maior volume de capital. Quero apostar em negócios que, daqui a cinco anos, ainda tenham suas equipes – e sua alma.
Sou um investidor paciente, de longo prazo, em um setor que vive de saídas rápidas. Meus investidores falam de taxa interna de retorno, mas eu também sonho com retorno humano: energia, longevidade, lealdade, arte.
Eles estão aprendendo a falar a minha língua – e os resultados já mostram que vale a pena. Estamos tentando provar que sustentabilidade começa pelas pessoas.
O QUE É CAPITALISMO COM AMOR
Capitalismo com amor é ter empatia. É criar métricas que incluam qualidade do sono e presença nos jogos dos filhos. É crescer sem consumir quem faz o crescimento acontecer. É reter talentos sem exauri-los.
Mas não é só criar políticas – é estar próximo, integrar a empresa à comunidade
Nosso escritório fica no espaço comercial do bairro, com as portas abertas. Crianças passam, ganham adesivos, rabiscam no quadro branco. Chamamos o segurança pelo nome e almoçamos no restaurante da esquina.
Capitalismo com amor não funciona à distância. É preciso olhar nos olhos, conhecer as histórias e perceber quando o ritmo muda. Também é admitir as próprias falhas. Falo sobre impor limites, mas respondo e-mails enquanto vejo minha filha treinar na pista de patinação.
Capitalismo com amor não é perfeição – é evitar que as pessoas cheguem ao colapso.
QUATRO FORMAS DE EVITAR PRODUZIR NOVOS “JOES”
1. Defina limites antes do burnout
Tenha claro o que é “demais”. Se alguém cancelar férias, intervenha. Se o cônjuge fizer piada sobre ser “viúvo(a) de trabalho”, leve a sério.
2. Crie folgas no sistema
Deixe margem nos prazos, orçamentos e contratações. Contrate 5% a mais. Feche uma sexta-feira por mês. A professora Zeynep Ton, do MIT Sloan, diz que essas folgas permitem que as pessoas descansem sem prejudicar os negócios e dão aos líderes tempo para desenvolver suas equipes.
3. Abra espaço para a verdade.
Pode ser por pesquisa anônima, entrevista de desligamento ou canal de ouvidoria. Silêncio é um indício de medo. As pessoas precisam de um lugar seguro para dizer o que Joe disse.
4. Foque no bem-estar
Monitoramos índices de sono junto com o crescimento de vendas. Um CEO me manda sua contagem diária de passos junto com o balanço. Outra inclui “horas dedicadas a hobbies” nos relatórios quinzenais. Queremos vidas plenas, não só produtivas.
A ESCOLHA QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO AGORA
Seu “Joe” já está ensaiando a saída. O parceiro(a) dele(a) já faz piadas sobre ser “viúvo(a) de trabalho”. Essas piadas são alertas.
Olhe ao redor. Encontre seu Joe e diga: “tenho exigido demais”. Depois, fique em silêncio e ouça.
Na próxima terça-feira, às 18h, alguém pode pedir mais uma revisão. Responda: “está ótimo. Vá para casa”. Observe a reação. Talvez você veja um lampejo de algo que ela havia esquecido que podia sentir: alívio.
A conta sempre chega. Pague agora – ou pague com pessoas. Ainda dá tempo de mudar.
Joe e eu nos falamos de vez em quando. Ele está diferente: mais cauteloso, mais reservado. Diz que fui o melhor e o pior chefe que já teve. Nós dois sabemos que não é um elogio.
Brincamos sobre trabalhar juntos de novo. Não acho que ele aceitaria.
Hoje, conhecemos a vida um do outro. A vida real, não só a profissional. Talvez seja isso o capitalismo com amor: não recuperar quem você perdeu, mas ajudar as pessoas a lembrarem como é se sentir inteiras de novo.