5 perguntas para Matt Klein, estrategista de foresight e fundador da ZINE
Nesta entrevista, Klein fala sobre o esvaziamento dos trend reports, o papel da percepção na criação de valor e o que o Brasil pode ensinar ao “foresight global”

Matt Klein está no Brasil nesta semana para participar do KES Summit 2025, evento para lideranças que acontece de 19 a 22 de agosto, em Trancoso. Teorista cultural, estrategista de comunicação e sócio do Copenhagen Institute for Futures Studies, ele é uma das vozes mais críticas da indústria de tendências. Em vez de prever o que vem por aí, Klein prefere investigar o presente com atenção quase obsessiva. Acredita que o futuro não se antecipa por planilhas ou hype — ele se constrói.
Seu trabalho combina antropologia digital, pesquisa quantitativa, leitura de sinais culturais e o estudo de como nos relacionamos com a informação, com a mídia e com nós mesmos. Criador da publicação independente ZINE, ele aposta nos memes, nas contradições e nas microexpressões sociais como caminhos para entender as transformações do agora.
Nesta entrevista, Klein fala sobre o esvaziamento dos trend reports, o papel da percepção na criação de valor e o que o Brasil, país onde memes são quase uma língua oficial, pode ensinar ao “foresight global”.
FC Brasil – Você costuma dizer que, para escrever o futuro, é preciso saber ler o presente. E evita se definir como futurista. Como pretende abordar sobre isso no KES Summit, evento que propõe refletir sobre navegar improvisos, para se preparar para o amanhã?
Matt Klein - Eu me abstenho de me chamar de futurista apenas por causa da quantidade de bobagens que aqueles que se apropriam desse título dizem. O rótulo me parece problemático porque muitas vezes carrega a ideia de “bola de cristal” e previsões certeiras e não existe isso de prever o futuro. Qualquer um que diga que consegue ver o que está logo ali na esquina está se iludindo e enganando os outros. Dado o ritmo e a escala das mudanças hoje, qualquer pessoa que afirme com certeza “é assim que 2050 vai ser” não entendeu como a cultura realmente funciona.
Pessoalmente, sou fascinado pelo que está acontecendo agora, e pelo quanto temos de agência, controle e responsabilidade para moldar esse momento e, portanto, o futuro. Futuristas muitas vezes falam como se o futuro estivesse dado, ignorando o papel que cada um de nós tem na construção dos futuros que queremos ver. Mas o futuro é maleável.
O jeito mais certeiro de ver o futuro não é pesquisá-lo obsessivamente, mas criá-lo.
FC Brasil – Em um momento em que todo mundo quer parecer visionário, você diz preferir entender o agora. Mas há um mercado inteiro vendendo futuros. Como distinguir quem está realmente ouvindo a cultura de quem se vale de previsões só para vender produtos?
Matt Klein – A grande maioria dos relatórios de tendência não são previsões de futuro, são publicidades corporativas. As empresas querem se associar ao hype para atrair negócios, mais do que discutir as verdades desconfortáveis e complexas da cultura, que de fato ajudariam seus clientes.
Quando mais da metade dos relatórios publicados sequer apresentam uma metodologia, que dirá uma metodologia rigorosa, e a maioria vem de poucas cidades do mundo, não estamos falando de uma leitura realmente representativa da cultura, mas de um pensamento em eco, repetido e sem oxigênio.
Inteligência cultural real exige sair da arquibancada. Se você se define como um observador da cultura, já está fora do jogo. Quando você participa ativamente dos interesses das pessoas com quem quer dialogar, você não precisa “decifrar” o que está em alta. Você já sabe. Isso exige colocar a mão na massa, construir em público, colaborar com consumidores, abraçar contradições e estar disposto a sair do caminho fácil.
O mercado de pesquisa é uma indústria de quase 100 bilhões de dólares e segue crescendo. Mas dashboards e pesquisas têm um limite. O verdadeiro insight vem das bordas. Afinal, são as margens da cultura que têm os cortes mais afiados. E a verdade é que a gente não precisa de mais tendências – precisa de mais pessoas dispostas a fazer cultura, em vez de só falar sobre ela.
FC Brasil – Você conduz um projeto imenso de análise dos trend reports lançados a cada ano. Mas já disse que muitos só repetem uns aos outros – e que o que realmente importa são os pequenos movimentos. Como fazer previsões sem depender das grandes tendências? Qual o caminho quando todo mundo está lendo o mesmo manual?
Matt Klein – Não acho que se trata de escolher entre macro ou micro, mas de reconhecer o valor de cada um.
Mesmo que a maioria dos relatórios esteja dizendo a mesma coisa, ainda há valor na repetição. Isso mostra consenso. E esses movimentos consensuais viram o novo básico, isso é informação crítica. Ao mesmo tempo, as microtendências ajudam a enxergar mudanças emergentes, mas nem sempre são imediatamente acionáveis ou valem um grande investimento. Algumas não vão durar.
O que quase sempre falta nas conversas sobre foresight é com quem estamos falando
O que quase sempre falta nas conversas sobre foresight é com quem estamos falando. O que importa para um estrategista de redes sociais pode ser irrelevante para um executivo. E o que é uma ameaça para uma empresa, talvez nunca chegue nem perto do radar de outra. Cultura é subjetiva, e o que vale a pena observar também depende de quem está olhando.
FC Brasil – Você já descreveu os memes como “fósseis do zeitgeist”. E agora está no Brasil, um país onde memes são quase uma linguagem nativa. Quais sinais você enxerga neles – e o que a sociedade perde quando não presta atenção a esse tipo de expressão?
Matt Klein – Memes são a cultura. São artefatos visuais, sutis, que carregam narrativas complexas e o sentimento social. Para mim, há poucos sinais tão provocativos e reveladores quanto os memes, eles dizem muito.
Mas ainda existe, entre profissionais de marketing e do meio acadêmico, a tendência de tratar os espaços online como menos legítimos que os offline. Ainda usamos o termo “virtual”, como se o online não fosse “vida real”.
Mas há muito insight possível nas comunidades digitais e nos memes. A nuance, no entanto, é que esses espaços também exigem cautela. Estão saturados de performance, bots e autopromoção. E estamos ouvindo ali apenas uma minoria vocal. Seria um erro achar que tudo que se vê online reflete o sentimento social em larga escala.
Muita gente ainda enxerga memes, microtendências ou modinhas como momentos para “surfar” com uma campanha ou fazer graça. Tratam isso como espaço publicitário, mapeando suas marcas em cima do aleatório. É reativo e dilui a identidade da marca em qualquer coisa que esteja “bombando”. Por isso, tantas colaborações e conteúdos sociais parecem forçados e fracos.
Esses memes e momentos deviam ser levados como sinais de algo maior
Em vez disso, esses memes e momentos deviam ser levados como sinais de algo maior. As marcas não deveriam viver de apropriação, mas de convicção. Investir em construir seus próprios momentos. Uma marca não sobrevive sendo um mosaico de memes prontos ou de reações. Ela precisa interagir com o mundo com um ponto de vista próprio.
FC Brasil – Você passa os dias decifrando cultura, rastreando micro-movimentos e evitando o hype. Mas se pudesse tirar os óculos analíticos por um instante: qual visão de futuro você alimenta em silêncio, mesmo que pareça ingênua ou utópica demais para dizer em voz alta?
Matt Klein – Precisamos, com urgência, abraçar nossa humanidade.
O futuro que eu desejo é um em que a gente fortaleça os músculos coletivos para sustentar a nuance, buscar a complexidade, abraçar a ambiguidade, tolerar o desacordo, cultivar a paciência e acolher o “não saber”. Ironia, surrealismo, atrito, magia, alma, deslumbramento e intimidade.
Esses são os elementos que só nós, humanos, podemos sentir. Em um momento em que estamos questionando o que é inteligência e o que significa ser humano, é isso que nos torna tão especiais. Quando a nossa criatividade está sendo achatada por sequências lucrativas, algoritmos e otimizações, precisamos segurar com mais força a nossa bagunça.
O que me preocupa é que, por conveniência ou pensamento binário, estamos abrindo mão das nossas qualidades mais bonitas. Quero ver um futuro em que os humanos sejam permitidos ser humanos. Celebrando nossa arte, nossa natureza, nossos ruídos. Não vivendo em função de otimizar tudo ou competir com máquinas. O futuro será aquilo que decidirmos fazer. E, sinceramente, não estou gostando das escolhas que estamos fazendo.