O fantasma do crowdfunding: startups que desaparecem após captar recursos
Quando startups desaparecem, não deixam apenas os investidores para trás – comprometem todo o modelo de financiamento coletivo

Imagine investir R$ 500 em uma startup promissora por meio de financiamento coletivo. A proposta é convincente, a plataforma parece confiável e a meta de captação é alcançada rapidamente com a ajuda de centenas de pessoas como você. Então, silêncio total. Nenhuma atualização, nenhum relatório, nem mesmo um simples “obrigado”.
Isso não é raro nos Estados Unidos. Embora possa configurar uma violação da lei federal, há pouca fiscalização – e praticamente nenhuma consequência.
Desde 2012, startups podem levantar até US$ 5 milhões por ano em plataformas como Wefunder e StartEngine. A proposta era “democratizar” o investimento e dar acesso também a pessoas comuns, não apenas aos mais ricos.
Mas há uma regra clara: empresas que arrecadam por esse modelo precisam apresentar um relatório anual à Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC) e divulgá-lo publicamente. Esse documento, que mostra o andamento do negócio e o uso do dinheiro investido, é essencial para garantir transparência.
Como professor de direito empresarial, escrevi um livro sobre financiamento coletivo de empresas. Durante minha pesquisa, descobri que a maioria simplesmente ignora essa exigência. Arrecadam o dinheiro e depois desaparecem, deixando investidores no escuro.
Na maior parte dos casos, não acredito que se trate de um golpe. É mais provável que os fundadores não saibam da obrigação, tenham esquecido dela em meio ao caos de gerir um negócio ou até fechado as portas. Mas, seja por descuido ou omissão, o resultado é o mesmo: falta de informação e de responsabilidade.
Algo impensável no mercado de capitais tradicional, mas, no universo do crowdfunding, a pouca fiscalização torna esse “sumiço” fácil demais.
MODELO DE CROWDFUNDING AMEAÇADO
Quando startups desaparecem, não abandonam apenas os investidores – comprometem todo o modelo de financiamento coletivo.
Quando empresas somem, o crowdfunding passa a parecer mais uma doação do que um investimento
O crowdfunding nasceu como uma forma acessível e transparente de apoiar a inovação. Mas quando empresas somem, a relação passa a parecer mais uma doação do que um investimento.
E isso não é só antiético – é ilegal. A lei dos EUA exige pelo menos uma atualização anual. Só que, até agora, praticamente não há punição para quem descumpre.
Procuradores-gerais de alguns estados já pressionaram a SEC para aumentar a fiscalização. Em teoria, isso poderia funcionar. Na prática, é improvável, já que a agência conta com recursos limitados e múltiplas responsabilidades.
Se nada mudar, o modelo de financiamento coletivo corre o risco de implodir sob o peso da desconfiança.
INCENTIVOS FUNCIONAM – POR QUE NÃO USÁ-LOS?
A boa notícia é que existe uma solução simples e de baixo custo.
Minha proposta é que as plataformas de crowdfunding retenham 1% do valor captado até que a empresa entregue o primeiro relatório. Se cumprir, recebe o dinheiro. Se não, perde.
É um incentivo pequeno, mas eficaz, capaz de estimular o cumprimento das regras sem criar mais burocracia.
A lógica é a mesma dos acordos de escrow, comuns no setor financeiro. Em uma compra de imóvel, por exemplo, parte do valor fica retido em uma conta neutra até que o vendedor cumpra certas condições. Só então o dinheiro é liberado. No crowdfunding, uma pequena fração da captação ficaria presa até a entrega do relatório anual. Sem relatório, sem liberação.
Qualquer regra que torne a captação um pouco mais difícil pode levar startups a migrar para concorrentes
O problema é que dificilmente as plataformas vão implementar isso por conta própria. Como disputam negócios entre si, qualquer regra que torne a captação um pouco mais difícil pode levar startups a migrar para concorrentes.
Mas a SEC tem autoridade legal para ajustar as normas. E essa mudança seria simples: nada de novas leis, disputas no Congresso ou longos debates. Basta vontade regulatória. Inclusive, já redigi uma proposta pronta para ser adotada pela SEC, publicada no meu recente artigo “Ghosting the Crowd” (Sumindo dos investidores).
O espírito do crowdfunding de empresas continua poderoso: abrir as portas do empreendedorismo e do investimento para todos. Mas se essa porta levar apenas ao silêncio e a promessas quebradas, a confiança desaparece – e, junto dela, uma inovação financeira promissora.
Um ajuste mínimo nas regras pode restaurar essa confiança. Sem isso, investidores continuarão sendo enganados. E o próprio mercado pode acabar abandonando essas empresas.
Andrew A. Schwartz é professor de direito empresarial da Universidade do Colorado em Boulder.
Este artigo foi republicado do “The Conversation” sob licença Creative Commons. Leia o artigo original.