As redes sociais como conhecíamos acabaram. Até a Meta admite

Defesa da empresa em processo antitruste se apoia na ideia de que o aspecto social das plataformas simplesmente perdeu a relevância

As redes sociais como conhecíamos acabaram. Até a Meta admite.
Créditos: freepik.com

Joe Berkowitz 6 minutos de leitura

Em março, o Facebook lançou um recurso que não era exatamente novo. A aba Amigos – descrita por Mark Zuckerberg, CEO da Meta, como “um retorno ao Facebook ‘raiz’” – permite que os usuários vejam apenas as postagens mais recentes de seus contatos, sem os conteúdos sugeridos que tomaram conta dos feeds. A interação pessoal, que já foi o premissa da plataforma, virou apenas uma curiosidade nostálgica, acessada de forma esporádica.

Menos de um mês depois, no julgamento antitruste que levou anos para chegar aos tribunais, a Comissão Federal de Comércio dos EUA (FTC) tentou provar que as aquisições do Instagram e do WhatsApp renderam à Meta um monopólio sobre as redes sociais. A estratégia de defesa da empresa, no entanto, foi simplesmente mostrar como o aspecto social das plataformas simplesmente perdeu a relevância.

No relatório pós-julgamento, recém-divulgado, a Meta sustenta que não pode ter monopólio sobre redes sociais – porque elas, na prática, já não existem de maneira significativa.

O motivo? O modo como as pessoas passaram a usar o Facebook e o Instagram. A maioria prefere os chamados “conteúdos não conectados” – publicações de contas que nem sequer seguem.

A VISÃO DA FTC ESTÁ ULTRAPASSADA

Nos primeiros anos, o Facebook era sinônimo de conexão, não de conteúdo. Servia para reencontrar conhecidos, manter contato com amigos e acompanhar de perto pessoas do convívio. Com o tempo, o feed de notícias começou a absorver mais e mais conteúdos externos, mantendo os usuários dentro da plataforma.

Muito antes de o “Para Você” do TikTok transformar o setor, a Meta já havia percebido que a relevância do conteúdo gerava mais engajamento do que os vínculos de amizade. Assim, começou a inserir posts “não conectados”, ajustados por algoritmos ao interesse do usuário. O TikTok apenas acelerou essa mudança.

Hoje, ao abrir o Facebook – talvez para procurar um sofá novo no Marketplace –, o usuário se depara, em meio às poucas postagens de amigos, com uma enxurrada de anúncios, publicações de celebridades, políticos e, claro, uma infinidade de vídeos curtos. Mas essa mudança parece ter passado despercebida pela FTC.

A agência insiste que o principal produto da Meta ainda são as “interações sociais pessoais” e que plataformas como TikTok e YouTube não concorrem nesse mercado. Desde o início do processo, a FTC definiu de forma restrita o setor, citando concorrentes pouco relevantes como BeReal e MeWe e deixando de fora concorrentes óbvios como X/ Twitter, TikTok e YouTube. A partir dessa definição, afirma que Facebook e Instagram concentram 78% dos usuários ativos mensais e 85% do tempo gasto em redes sociais.

Esse raciocínio só faria sentido se estivéssemos ainda nos anos 2000, quando esse tipo de rede era de fato o centro da disputa.

O TikTok, por exemplo, revelou que apenas 1% do tempo dos usuários é gasto na aba de amigos

No tribunal, a FTC reforçou a diferença apontando o desinteresse do TikTok e do YouTube em estimular o compartilhamento entre amigos. O TikTok, por exemplo, revelou que apenas 1% do tempo dos usuários é gasto na aba de amigos. O YouTube, por sua vez, já abandonou suas tentativas de incluir recursos sociais.

Ao insistir nesse ponto, porém, a própria agência abriu caminho para a Meta alegar que seus aplicativos hoje seguem no mesmo caminho.

O FIM DO COMPARTILHAMENTO ENTRE AMIGOS

No relatório pós-julgamento, a Meta mostra o quanto foi impactada pelo sucesso do TikTok, no fim da década de 2010, com os vídeos curtos e as recomendações feitas por inteligência artificial – fatores que teriam desacelerado o crescimento do Facebook e do Instagram.

“Consequentemente, a Meta fez uma mudança estratégica profunda”, diz o texto. “Investiu bilhões de dólares em algoritmos de recomendação com IA para rivalizar com o TikTok e lançou o Reels, atendendo à demanda dos usuários, que estava se afastando do compartilhamento entre amigos.”

Negar que a Meta participa da corrida dos vídeos “não conectados” seria negar os fatos.

O documento também cita que um executivo da empresa teria desembolsado centenas de milhões de dólares para garantir conteúdo exclusivo no Instagram. Negar que a Meta participa da corrida dos vídeos “não conectados” seria negar os fatos.

Além disso, os próprios usuários já deixaram claro que preferem conteúdo a conexões pessoais. Em um experimento de 2023, o Facebook aumentou em 20% a presença de postagens de amigos no feed. O resultado: as pessoas passaram menos tempo no app. Quando a plataforma fez o inverso e priorizou vídeos curtos, o tempo de uso aumentou.

Hoje, a Meta afirma que apenas 7% do tempo gasto no Instagram e 17% no Facebook são dedicados a conteúdos de amigos.

As redes sociais já somam mais de duas décadas de história. No início, a ideia de estar conectado a tantas pessoas era empolgante. Mas a geração Z cresceu nesse ambiente e sempre teve a opção de decidir como se relacionar online, então muitos acabam preferindo grupos de mensagens para interagir com pessoas próximas. Quando entram no Facebook, geralmente é para consumir conteúdo. Não à toa, quase metade dos novos jovens adultos permanece sem nenhum amigo na plataforma após 90 dias.

Nesse cenário, o recurso lançado pouco antes do julgamento, parece ter servido apenas como prova de que os usuários perderam o interesse nesse tipo de interação. O próprio relatório cita o “uso insignificante” como evidência de que “a atenção está em outro lugar”.

O FUTURO DAS REDES SOCIAIS

O futuro ainda é incerto, mas a inteligência artificial já dá pistas do que vem pela frente.

Hoje, as plataformas estão inundadas de conteúdo criado por IA. Um estudo da Universidade Cornell, nos EUA, mostrou que, durante a última eleição presidencial norte-americana, cerca de 12% das imagens e 1,4% dos textos X/ Twitter foram gerados por inteligência artificial. Mais recentemente, o TikTok foi tomado por vídeos de IA – um clipe de coelhos pulando em um trampolim, criado pelo Google Veo 3, atingiu mais de 230 milhões de visualizações.

Além disso, as plataformas estão testando chatbots como novos “amigos virtuais”. Os resultados, porém, são controversos. Em março, por exemplo, um chatbot do Messenger chamado “Big sis Billie” teria levado um homem com deficiência cognitiva a viajar para outro estado. Ele acabou morrendo após sofrer uma queda no caminho.

No início do julgamento, Zuckerberg apresentou sua visão para o futuro. Apesar do fracasso relativo do Metaverso e do Apple Vision Pro, ele aposta em uma nova era de “conteúdos imersivos”, que irão além do vídeo, com óculos inteligentes que integrem os mundos físico e digital.

Mas ainda não está claro se os usuários querem de fato que as redes sociais se tornem um grande jogo de realidade aumentada.

Talvez o futuro esteja em apps de chat em grupo como o Geneva, em revistas digitais com estética retrô como o Perfectly Imperfect ou em microcomunidades pagas no Patreon, criadas em torno de podcasts e criadores de conteúdo.No fim, toda tendência acaba voltando de alguma forma. Basta olhar a onda de reboots no cinema. Pode ser apenas uma questão de tempo até que a saturação do setor leve algum novo empreendedor do Vale do Silício a reunir todo mundo em uma grande comunidade digital. Algo parecido com… uma rede social.


SOBRE O AUTOR

Joe Berkowitz é colunista de opinião da Fast Company. saiba mais