Câmara aprova projeto que protege crianças em ambiente digital
Pressão após denúncias do influenciador Felca acelera tramitação do projeto apelidado de “ECA Digital”, que agora segue para votação final no Senado

A Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (20), o Projeto de Lei (PL) 2628/2022, que cria um conjunto de regras para proteger crianças e adolescentes em ambientes digitais, incluindo redes sociais, aplicativos e jogos eletrônicos. Apelidado de “ECA Digital”, em referência ao Estatuto da Criança e do Adolescente, o projeto retorna ao Senado para uma última votação antes de se tornar lei.
A votação foi impulsionada pelas denúncias do humorista Felipe Bressanim Pereira, o Felca, que no início de agosto publicou um vídeo mostrando como os algoritmos das plataformas distribuem conteúdos de menores de idade, inclusive em contextos de hipersexualização, de acordo com interesses indicados pelos algoritmos O vídeo, que já ultrapassa 50 milhões de visualizações, reacendeu o debate público e político sobre a exposição infantil na internet e levou à mobilização de especialistas, famílias, organizações da sociedade civil e autoridades para acelerar a aprovação do texto.
A votação simbólica teve amplo apoio após ajustes no texto que afastaram temores de censura. “Hoje, as crianças do Brasil ganham. Do texto, foram retiradas todas as censuras que poderiam ter”, disse o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), líder no PL na Câmara. Já a deputada Sâmia Bonfim (PSOL-SP) destacou que a proposta é histórica e protege a liberdade de expressão ao restringir a remoção imediata apenas a conteúdos criminosos, como exploração sexual, assédio e incentivo à automutilação.
Durante a discussão, houve resistência da bancada de parlamentares da extrema direita, que associaram o PL à censura, chamando-o de “PL da Mordaça”.
UM MARCO NA LUTA PARA REGULAMENTAR AS REDES SOCIAIS
Se aprovado pelo Senado, o texto passará a valer um ano após sua publicação. Esta será a primeira peça legislativa brasileira a regulamentar as redes sociais, num movimento que pode abrir espaço para novas pressões dentro do Congresso. Fontes do Governo confirmam que a Presidência irá enviar para a Câmara um documento amplo de projeto para regulamentação das plataformas digitais nas próximas semanas.
"Essa aprovação significa que o Brasil consegue dar uma resposta a uma das maiores emergências criadas pelas redes socias"
Na visão de Humberto Ribeiro, diretor do Sleeping Giants Brasil, a aprovação do PL 2628/2022 no Senado é o caminho provável. “Via de regra a Câmara tem sido a casa mais letárgica e omissa nesse debate [de regulamentar as redes sociais]. Essa aprovação significa que o Brasil consegue dar uma resposta a uma das maiores emergências criadas pelas redes socias, criando responsabilidades importantes para os provedores de aplicações, como a proibição de monetização e recomendação de conteúdo com sexualização de crianças e adolescentes, além de deveres de cuidado, transparência e acesso a dados.
O Instituto Alana, que atua há anos na defesa dos direitos das crianças, participou de todas as etapas de construção do PL desde 2022, quando a proposta começou a ser discutida no Senado. Para Isabella Henriques, diretora-executiva da organização, a aprovação é um marco. “A aprovação na Câmara significa um avanço fundamental para a garantia dos direitos de crianças e adolescentes no país, considerando que cada vez mais estão presentes no ambiente digital. Para as famílias é, sem dúvidas, um apoio indispensável para que possam mediar a relação de seus filhos e filhas com o mundo online de maneira mais efetiva. Agora, a expectativa é pela aprovação no Senado Federal o quanto antes.”
ECA DIGITAL
Com 16 capítulos e 41 artigos, o projeto obriga plataformas digitais a adotar medidas “razoáveis” para prevenir riscos de exposição de menores a conteúdos ilegais ou impróprios, como exploração e abuso sexual, violência, bullying, jogos de azar e publicidade predatória. E proíbe que as plataformas ou provedores de monetizar ou impulsionar conteúdos que retratam crianças e adolescentes de forma erotizada ou sexualmente sugestiva ou em contexto próprio do universo sexual adulto.
As penalidades previstas para as plataformas de redes sociais vão de advertências a multas de até R$ 50 milhões
O texto também determina a criação de uma autoridade nacional autônoma, nos moldes da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), para fiscalizar o cumprimento da lei, e estabelece mecanismos mais seguros de verificação de idade, que hoje dependem basicamente de autodeclaração.
As penalidades previstas para as plataformas de redes sociais vão de advertências a multas de até R$ 50 milhões, além da possibilidade de suspensão ou proibição definitiva das atividades de plataformas no país em casos graves.
As plataformas terão que desenvolver e divulgar planos de prevenção de riscos para crianças e adolescentes, com identificação de conteúdos potencialmente nocivos, estratégias de monitoramento e ações para reduzir danos em casos de exposição a violência, pornografia ou exploração.
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O projeto deixa claro que a responsabilidade de cuidar das crianças e adolescentes nas plataformas é compartilhada entre plataformas, famílias e órgãos públicos, com a previsão de parcerias com escolas, entidades de proteção e ONGs para programas de educação digital.
Para especialistas e organizações que acompanham o tema, a nova lei oferece suporte essencial para que famílias possam mediar a relação de crianças e adolescentes com o mundo digital. A regulação cria parâmetros claros e reforça a responsabilidade das plataformas em oferecer ferramentas de segurança, mas também reconhece o papel ativo de pais e responsáveis no monitoramento e na orientação do uso das redes.