Drones de guerra criam um novo tipo de poluição que pode durar séculos
A guerra com drones de fibra óptica inaugura uma nova era de destruição silenciosa: uma teia plástica que pode afetar lavouras, animais e pessoas por gerações

A guerra na Ucrânia trará consequências de longo prazo para todos nós. Assim como a invasão da Polônia em 1939 apresentou ao mundo a tática “blitzkrieg” – estratégia em que tanques velozes e ataques aéreos avançam rapidamente para cercar e eliminar o inimigo –, este conflito anuncia uma nova era militar: a das máquinas não tripuladas que caçam seus alvos pelo ar, pela terra e pelo mar.
Os drones estão no centro de uma nova corrida tecnológica, com um efeito colateral inesperado: quilômetros e quilômetros de poluição causada por fios plásticos.
Depois que os drones russos de visão em primeira pessoa (FPV), controlados por rádio, passaram a ser neutralizados pelas armas de interferência ucranianas, um engenheiro teve a ideia de substituir os sinais de rádio por cabos de vários quilômetros – como já acontece com alguns mísseis antitanque.
A estratégia funcionou. E agora os ucranianos também a utilizam: as linhas de frente estão tomadas por cabos plásticos brancos que se espalham por campos inteiros, florestas e até pequenas cidades.
Essas teias artificiais se multiplicam enquanto os dois lados lançam ondas sucessivas de drones kamikaze, cada um equipado com carretéis de fibra óptica ligando diretamente o aparelho ao piloto, que o controla com joysticks e óculos de realidade virtual.
No início, o alcance era de apenas cinco a 10 quilômetros. Hoje, já ultrapassa os 40. Parece impossível que drones tão leves consigam carregar tanto fio, mas os cabos são tão finos e leves que pesam apenas alguns quilos.
“Três meses atrás, testávamos drones de fibra óptica com alcance de até 20 quilômetros. Hoje, eles já atingem alvos a mais de 40”, anunciou Mykhailo Fedorov, vice-primeiro-ministro e ministro da Transformação Digital da Ucrânia, no Telegram. “Ataques a mais de 40 quilômetros estão se tornando rotina”, disse ele.
Vídeos russos já mostram carretéis de até 50 quilômetros, pesando menos de quatro quilos – ideais para drones maiores. E é possível comprá-los da China, já com toda a parte eletrônica necessária.
Vamos às contas: em 2025, a produção mensal de drones FPV na Ucrânia saltou de 20 mil, no início de 2024, para 200 mil unidades. Cerca de 10% já são guiados por fibra óptica. Do lado russo, os números são menos claros. A agência de notícias russa “TASS” informou, em julho de 2025, que dezenas de milhares de unidades do drone guiado por fio são fabricadas mensalmente. Outra fonte estima seis mil.
Suponhamos um total de 15 mil drones para ambos os lados. A 40 km de fio por drone, isso significa 600 mil quilômetros de cabos plásticos – o suficiente para dar 15 voltas na Terra. Um volume absurdo de resíduos, com impacto devastador sobre a agricultura, a fauna, a flora e a vida das pessoas por muitos anos.
AS COISAS VÃO PIORAR ANTES DE MELHORAR
É claro que, em meio à luta pela sobrevivência – com Trump e Putin brincando de War com o planeta –, os ucranianos têm preocupações mais urgentes do que pensar nessas teias plásticas. Mas é certo que, à medida que a corrida tecnológica se intensifica, a catástrofe ambiental também se agrava em um território já devastado em muitas regiões.
“Esses cabos podem permanecer no meio ambiente por mais de 600 anos, representando uma ameaça séria a longo prazo”, alerta Leon Moreland, pesquisador do Observatório de Conflitos e Meio Ambiente. Com os novos sistemas de longo alcance sendo produzidos em escala industrial, o impacto ambiental cresce exponencialmente.
À medida que a corrida tecnológica se intensifica, a catástrofe ambiental também se agrava
Eles formam redes perigosas em árvores e campos, ameaçando a vida de diversas espécies – incluindo aves e morcegos ameaçados – por muitos anos, de acordo com Charlie Russell, pesquisador da Universidade de East Anglia, no Reino Unido, e especialista em impactos da guerra sobre aves migratórias.
“Os materiais usados dificultam a identificação e a degradação natural. Eles já cobrem vastas áreas de habitats importantes. Removê-los será difícil, mas essencial para a conservação no pós-guerra.”
Os riscos vão além da vida selvagem. Também afetam veículos, de máquinas agrícolas a caminhões de bombeiros, além de dificultar operações de desminagem, já que podem se enroscar nos equipamentos pesados usados para limpar campos minados.
POLUIÇÃO GERA MAIS POLUIÇÃO
Além dos problemas imediatos, o tempo só agrava a situação. “O núcleo de PMMA (polimetilmetacrilato) pode liberar microplásticos e nanoplásticos”, explica Moreland. Essas partículas podem comprometer o crescimento das lavouras – algo crítico para um país que está entre os maiores exportadores de milho e trigo do mundo.
O plástico inevitavelmente entrará na cadeia alimentar e chegará aos humanos, acumulando-se no corpo, principalmente em bebês. Queimar os fios também não resolve: eles liberam gases tóxicos como óxido nítrico. Já o revestimento externo pertence à família dos PFAS, os chamados “químicos eternos”, que permanecem no meio ambiente por séculos. “Além das munições e das espumas contra incêndios, essa fibra é mais uma fonte militar de PFAS”, observa Moreland.
O plástico inevitavelmente entrará na cadeia alimentar e chegará aos humanos, acumulando-se no corpo
Para os ucranianos, a única vantagem desses cabos é que eles permitem identificar a posição do piloto: sob a luz do sol em ângulo baixo, a fibra óptica reflete e indica a localização do controle. Isso já teria levado à eliminação de uma equipe russa de cinco operadores. Mas, evidentemente, o mesmo risco existe para os combatentes ucranianos.
É um ciclo interminável de destruição. “Estamos desenvolvendo uma tecnologia que destrói o inimigo com precisão absoluta”, diz Fedorov. Desde o início de 2025, a Ucrânia já aprovou cerca de 40 modelos de drones com controle por fibra óptica, e a produção não para de crescer.
É provável que as empresas ucranianas compartilhem esse conhecimento com outros países europeus, que estão se rearmando rapidamente para enfrentar os anseios imperialistas de Vladimir Putin, após o afastamento dos Estados Unidos. Outros seguirão o mesmo caminho: a China já está testando a tecnologia. O sucesso dos drones de fibra óptica na Ucrânia praticamente garante sua disseminação para outros conflitos pelo mundo.
Cada missão bem-sucedida adiciona ainda mais quilômetros de fios abandonados. À medida que a produção aumenta para dezenas de milhares de drones por mês, e os alcances chegam a 60 km ou mais, a teia plástica se torna cada vez mais densa.
Essa nova forma de poluição de guerra – um legado plástico feito para durar séculos – continua a se expandir a cada avanço tecnológico. Hoje, encontrar uma solução para essa catástrofe ambiental inesperada é tão difícil quanto interceptar os próprios drones, enquanto os fios invisíveis da guerra moderna seguem tecendo sua teia mortal e permanente pelos campos de batalha do futuro.